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RJ: grupo ligado ao MPF vê uso ilegal de helicóptero para tiros por polícia

Luciana Quierati

Do UOL, em São Paulo

10/05/2019 17h08

Um grupo composto por procuradores, promotores, defensores públicos e advogados concluiu, em reunião hoje, que o uso de helicópteros como plataforma de tiro em situações que não sejam de legítima defesa pelas polícias Militar e Civil do Rio é ilegal. O governador Wilson Witzel (PSC) publicou no fim de semana vídeo a bordo de um helicóptero sobrevoando Angra dos Reis, na costa verde fluminense, no qual aparece uma arma apontada para uma comunidade. Na segunda-feira (6), uma operação policial no Complexo da Maré com uso de helicóptero deixou oito mortos.

O Grupo Interinstitucional de Defesa da Cidadania, que reúne integrantes do MPF (Ministério Público Federal), MPM (Ministério Público Militar), Defensorias Públicas da União e do Rio de Janeiro, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e de organizações da sociedade civil, disse entender que esse tipo de ação provoca tensão nas comunidades, distingue-se da política de segurança pública de outros estados e deveria ser revisto pelo governo do Rio.

"O único uso que está autorizado pela lei brasileira e normativas internacionais é na hipótese de legítima defesa. Seria uma reação proporcional e que está amparada pela lei. Nas demais hipóteses, atirar da aeronave, que no Rio tem sido usada de forma ostensiva e bélica pela polícia, coloca em risco o público e a própria circulação", diz Ítalo Pires Aguiar, membro do grupo e secretário da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.

"A normativa internacional que regula a atuação de snipers, inclusive, diz que esses atiradores têm que atuar em local reservado e com capacidade de tiro o mais segura possível, tudo o que uma aeronave não é", afirma Aguiar.

O grupo ligado ao MPF informou que vai pedir imagens feitas pelos helicópteros e esclarecimentos sobre as finalidades dessa prática e seus resultados.

Ontem, a equipe protocolou uma nota de repúdio na Comissão Interamericana de Direitos Humanos contrária ao que chamou de "política de abate" de governo contra suspeitos flagrados portando fuzis e outros armamentos --Witzel defende que criminosos com armamento pesado sejam alvejados por policiais mesmo em situação em que não haja confronto.

O grupo usou como exemplo a ação policial na Maré que resultou em mais de 190 disparos e oito mortos. Um vídeo (acima) divulgado nas redes sociais nesse mesmo dia mostra um helicóptero da Polícia Civil sobrevoando o conjunto de favelas. Relatos de moradores dão conta de que tiros partiram dessa aeronave.

A operação ocorreu durante o horário escolar. Após duas horas de pânico e correria, professores de uma escola municipal disseram ter acalmado os alunos com música. Nesta semana, uma imagem tem ganhado destaque nas redes sociais, mostrando um recado sobre o telhado de um colégio: "Escola. Não atire".

A Polícia Civil disse em nota que todos os mortos eram suspeitos de envolvimento com tráfico e que houve resistência da parte deles em se entregar. Ao jornal "O Globo", o governador endossou a atitude. "Se você reclamar da atuação da polícia, é melhor não ter polícia. Se formos reclamar que tem polícia na rua e trabalhando, então é melhor fechar isso aqui e entregar a chave para o tráfico de drogas", disse.

Sobrevoo em Angra

No fim de semana anterior à ação na Maré, Witzel acompanhou uma operação da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), grupo de elite da Polícia Civil fluminense, e sobrevoou uma comunidade em Angra dos Reis. Gravou um vídeo no helicóptero, ao lado de um policial que apontava o fuzil para o bairro, e, em outro, disse que ia "botar fim na bandidagem".

Em um vídeo feito de dentro da aeronave e exibido pelo telejornal "RJTV", da TV Globo, é possível ver que um atirador de elite disparou ao menos uma rajada contra uma área de mata.

A Polícia Civil alegou na ocasião que os disparos foram feitos contra uma casamata montada por traficantes em uma área de vegetação e que todas as normas sobre o uso de aeronaves foram respeitadas durante a ação. Os moradores, no entanto, disseram que o local é utilizado por integrantes de igrejas evangélicas da região.

Em fevereiro, outra operação, desta vez nos morros do Fallet-Fogueteiro, Coroa e Prazeres, na região central do Rio de Janeiro, que terminou com ao menos 15 mortos. Witzel classificou como legítima a ação dos policiais. Esta e a operação da Maré são as duas operações policiais com mais mortes desde 2013.