Topo

Entre apreensão e normalidade, Barão de Cocais vive perspectiva de desastre

Vanda Lúcia Guimarães, com mala e a fralda do marido Francisco preparadas se precisar sair de casa numa emergência em Barão de Cocais (MG) - Luciana Quierati/UOL
Vanda Lúcia Guimarães, com mala e a fralda do marido Francisco preparadas se precisar sair de casa numa emergência em Barão de Cocais (MG) Imagem: Luciana Quierati/UOL

Luciana Quierati

Do UOL, em Barão de Cocais (MG)

24/05/2019 04h01Atualizada em 24/05/2019 10h03

Cena 1: rua doutor Moura Monteiro, Barão de Cocais (MG), manhã de quinta (24): Sylvia Duarte, 82, empacota as roupas, e Vanda Guimarães, 69, separa os remédios do marido acamado de 90 anos. José, 61, e Eliana Mendes, 60, planejam o transporte dos animais de estimação caso a barragem da Vale estoure.

Cena 2: praça Nossa Senhora Aparecida, noite de quinta. A uma rua da casa de Sylvia, Vanda, José e Eliana, o cheiro do churrasquinho se junta à fumaça que sai da barraca do macarrão oriental. Os brindes da cerveja gelada são abafados pelos hits de Wesley Safadão, executados ao último volume pela caixa de som do coreto.

Cidade com medo? Vida pacata de interior? Barão de Cocais, vizinha de uma mina da Vale cuja parede se move 7 centímetros por dia, hoje vive as duas situações.

localizacao barao de cocais -  -
A cidade que acorda se organizando para fugir e demora para pegar no sono, com medo de a sirene avisar que vem lama, é a mesma que se dá o direito de tentar uma vida normal.

Semana passada, o Ministério Público teve acesso a um documento da mineradora Vale dizendo que havia aumentado o risco de a barragem da mina do Gongo Soco se romper.

De lá para cá, a cidade de 32 mil habitantes conta as horas se perguntando: será que vai mesmo se romper?

Malas prontas, remédios separados: idosos se preparam para o pior em MG

UOL Notícias

Coração não aguenta mais um susto

A preocupação é mais visível entre as pessoas de mais idade, como Sylvia, que já teve um infarto e teme que o coração não aguente um novo susto.

Recepcionista aposentada, ela diz com lágrimas nos olhos que mora no mesmo endereço há 77 anos e está deixando a casa por medo de não conseguir escapar a tempo.

Ela vai se hospedar com duas amigas.

Vanda continua em casa, mas já tem os passos ensaiados desde que participou de um simulado promovido pela Defesa Civil.

Ela empurrará o marido na cadeira de rodas até o ponto de encontro, caso os 6,8 milhões de metros cúbicos de lama (pouco mais da metade do que tinha Brumadinho) avancem sobre a cidade.

Laranja de medo

José Mendes - Luciana Quierati/UOL - Luciana Quierati/UOL
José Mendes, em frente de casa e junto ao meio-fio alaranjado, indicador de que a lama pode ali chegar
Imagem: Luciana Quierati/UOL
Cerca de um quinto da população de Barão de Cocais, ou 6.000 pessoas, vivem na chamada "zona secundária", por onde a lama passaria em caso de rompimento.

Há ainda 4.000 moradores nas cidades vizinhas de Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo sob risco.

O meio-fio das calçadas dessas áreas foi pintado de laranja.

Outras 500 já foram retiradas, por estarem em região de onde não haveria tempo hábil para uma evacuação.

Dias normais

Vanda - Luciana Quierati/UOL - Luciana Quierati/UOL
Vanda Lúcia Guimarães, com mala e a fralda do marido, Francisco, preparadas se precisar sair de casa numa emergência
Imagem: Luciana Quierati/UOL
Em duas ocasiões - 8 de fevereiro e 23 de março - as sirenes já tocaram em Barão de Cocais, indicando risco de rompimento da barragem.

Os moradores foram retirados das casas e, afastado o perigo, autorizados a retornar.

Por alguma coincidência que ainda há de ser explicada, os alarmes tocaram durante a noite, o que consolidou a sensação geral de que os dias são mais seguros.

Assim, quando o sol está no alto, aqui embaixo a rotina é quase normal:

Parte das agências bancárias e dos Correios estão fechadas, com cartazes indicando procurar os serviços nas redondezas.

Mas o comércio abre as portas, apesar de os clientes estarem cautelosos até para comprar.

Preferem esperar "a febre passar", como diz Sylva, antes de pensar em levar sapatos ou roupas novas para casa.

Feijão e macarrão oriental - Luciana Quierati/UOL - Luciana Quierati/UOL
Barraca do macarrão oriental e do feijão tropeiro na feirinha da praça do coreto
Imagem: Luciana Quierati/UOL