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Medo de efeito cascata em guerra de facção liga alerta no Norte e Nordeste

Parentes de detentos protestam e bloqueiam entrada de presídio em Manaus na segunda - REUTERS/Sandro Pereira
Parentes de detentos protestam e bloqueiam entrada de presídio em Manaus na segunda Imagem: REUTERS/Sandro Pereira

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/05/2019 04h00

O massacre que resultou em 55 mortes dentro de presídios do Amazonas acendeu o alerta de autoridades de segurança e dos estados onde há detentos da facção ou aliados da FDN (Família do Norte). O medo é que exista uma repetição do "efeito cascata" da guerra da facção, como ocorreu na crise prisional no início de 2017. O temor fez com que especialistas e autoridades tentassem evitar uma nova onda de assassinatos dentro e fora das cadeias.

Em 2017, após o assassinato de 56 presos no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, outros massacres foram registrados em presídios de Roraima e do Rio Grande do Norte.

Também foi desencadeada uma série de homicídios fora das cadeias nos estados onde o PCC (Primeiro Comando da Capital) rivalizava com facções adversárias. Mesmo onde não havia ação da FDN, aliados criminosos "compraram" a briga pela parceira, como no caso de presos de Alcaçuz (RN), onde o PCC entrou em guerra com o Sindicato do Crime.

Por conta da disputa das facções, o ano de 2017 foi o mais violento da história do país, com 63,8 mil assassinatos registrados (30,8 para cada 100 mil habitantes), com grande destaque para os estados do Nordeste e do Norte, onde houve disputa por territórios desses grupos.

Agora parece que a crise é mais localizada e parte de uma disputa interna na FDN, que tem atuação em apenas quatro estados do Norte e do Nordeste, embora tenha grande controle do tráfico de drogas em países como a Colômbia.

Escova de dentes - Divulgação - Divulgação
Escova de dentes afiada que foi usada para matar presos dentro de cadeias em Manaus
Imagem: Divulgação

A principal preocupação na segurança dos presídios está nos estados vizinhos ao Amazonas --onde a FDN tem maior influência.

No Acre, por exemplo, o Instituto de Administração Penitenciária reforçou a segurança e emitiu um alerta à Polícia Militar após as mortes de domingo. No Ceará, o conselheiro penitenciário Cláudio Justa disse que houve um alerta de atenção no presídio, mesmo sabendo da baixa influência da facção no estado.

"Não existe risco deste confronto chegar a estados da região Sul e Sudeste por se tratar de uma facção que tem domínio no Norte, porém existe alguma possibilidade de outros estados do Norte e do Nordeste passarem pelo mesmo problema em seus presídios", afirmou o presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira.

Para ele, há um risco da briga se alastrar às ruas de Manaus. "Por se tratar de uma disputa interna, é possível que esta briga saia dos presídios e chegue até as comunidades dominadas por essa facção criminosa, levando terror e morte às comunidades por conta de uma tentativa de tomada de território", pontua.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou na segunda-feira (27) o início de uma operação "Fecha Quartel", designando que todos os policiais que atuam na área administrativa fossem para as ruas. "Não há toque de recolher em nenhum bairro da cidade", afirmou ele, desmentindo boatos disseminados por redes sociais.

Além disso, solicitou a prorrogação da permanência da Força Nacional de Segurança por mais 12 meses --o prazo terminaria em 10 de junho. "A Força Nacional vai atuar fora dos presídios", disse.

Nove líderes da FDN foram transferidos para presídios federais de segurança máxima nesta semana, mas esse número pode chegar a 20, segundo Lima.

Violência aumentou nos bairros

O sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará) Ítalo Lima afirma que a disputa das facções levou, nos últimos meses, a um aumento da violência em Manaus. "De um ano para cá, tenho observado os conflitos nas ruas. Ainda que depois do massacre de 2017 tenha ocorrido a intervenção, a repercussão disso foi bastante tímida no enfrentamento a esse estado de violência. É uma disputa que a gente vê se intensificar nos bairros, e é uma disputa extremamente violenta. Isso é visto, por exemplo, no bairro do centro de Manaus. A praça da Saudade virou uma praça de guerra", conta Lima, que fez dissertação de mestrado sobre as facções criminosas no Amazonas.

Para ele, houve também uma política de encarceramento em massa que gerou uma superlotação de presídios e agravou o problema. "O que ocorreu no domingo é mais um capítulo da história da violência no Amazonas. São sucessivos massacres e chacinas, que ocorrem não só aqui. Isso chega a ser contraditório: ao mesmo tempo que tem maior expansão e sistema superlotado, não reduz a violência nas ruas. É um cenário extremamente preocupante, mas que não é novo", afirmou.

Raimundo Pontes Filho, que é ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas, também teme um aumento da violência. "A princípio, foi uma chacina que decorreu muito mais da disputa entre facções do que propriamente por questões penitenciárias. É a disputa pelo comando do mercado e pelo território da economia das drogas ilícitas e atividades ilegais conexas, como o tráfico de armas", diz.

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