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Traficante mais procurado do Rio "terceirizou" venda de gás para milícia

Procurado desde 2003, Guarabu foi morto na semana passada - Reprodução
Procurado desde 2003, Guarabu foi morto na semana passada Imagem: Reprodução

Igor Mello

Do UOL, no Rio

03/07/2019 14h10

Uma investigação da Corregoria da Polícia Militar do Rio de Janeiro mostra que Fernandinho Guarabu --considerado o traficante mais procurado do Rio até ser morto durante operação na última quarta-feira (26)-- se aliou a milicianos para controlar o comércio de botijões de gás no Morro do Dendê, na Ilha do Governador (zona norte do Rio), área controlada por ele.

Uma fonte com acesso à investigação da Corregedoria da PM afirmou ao UOL que o traficante, que era uma das principais lideranças do TCP (Terceiro Comando Puro), terceirizou a venda de gás na região para milicianos. Segundo o jornal "Extra", os PMs chegaram a assaltar caminhões de outros fornecedores de gás que tentavam atuar na área.

As investigações revelam mais um caso de envolvimento de traficantes do TCP com milicianos. Se, em muitos casos, os paramilitares permitem que traficantes da facção vendam drogas nas áreas que conquistam, dessa vez era o tráfico quem fazia uma espécie de "concessão" para a milícia. Além da venda de drogas, a quadrilha de Guarabu explorava o transporte alternativo e serviços de "gatonet" --o fornecimento ilegal de sinais de TV por assinatura e internet.

"Os PMs estabeleceram um esquema miliciano de extorsão dos comerciantes de gás. Obrigavam os comerciantes a comprarem botijões deles por um preço extorsivo. Mas, a Ilha do Governador era "território" do Guarabu. Logo, pagavam cerca de R$ 80 mil mensais de "royalties" da extorsão para ele", explica uma fonte com acesso às investigações.

Quatro policiais militares já identificados participam do esquema criminoso, mas outros agentes também são investigados.

Guarabu: famoso por corromper policiais

Fernando Gomes de Freitas, o Fernandinho Guarabu, era considerado o chefe do tráfico mais longevo do Rio, atuando como "dono" do Morro do Dendê há 16 anos ininterruptamente. De acordo com a PM, o traficante tinha 14 mandados de prisão: por tráfico de drogas, homicídios, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, além de outros crimes. Ele estava foragido da Justiça desde 2003, e o Portal dos Procurados do Disque-Denúncia oferecia R$ 30 mil por informações que levassem à sua captura.

Guarabu conseguiu escapar das autoridades montando um intrincado esquema de corrupção policial. De acordo com a TV Globo, o traficante chegava a gastar R$ 500 mil mensais com o pagamento de propinas a homens do 17º BPM (Ilha do Governador) e de outras unidades das polícias Civil e Militar.

Com o pagamento de propinas, o Morro do Dendê conseguiu mudar a imagem construída nos anos 1990 --de uma comunidade conhecida pelos constantes confrontos com a polícia. A situação se tornou célebre por conta do funk. Os MCs Cidinho e Doca gravaram uma nova versão do Rap das Armas --uma das composições mais famosas do gênero, de autoria dos MCs Junior e Leonardo.

No "proibidão", Cidinho e Doca exaltam o poderio bélico do Morro do Dendê, relatando os confrontos com diversas unidades da PM e da Polícia Civil e também com quadrilhas rivais. A música serviu como trilha sonora do filme Tropa de Elite, de José Padilha.

Ainda de acordo com a TV Globo, Guarabu pagava até R$ 1.500 por PM por fim de semana para evitar operações na região em dia de baile funk --evento que atraía também jovens de classe média.

A proximidade com agentes da lei teve como símbolo o ex-PM Antônio Eugênio de Souza Freitas, o Batoré. Braço direito e matador da quadrilha, ele também foi morto durante a operação da semana passada.