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Cenário de guerra: famílias vivem em meio a escombros em favela de SP

Entulho acumulado após a prefeitura demolir casas na favela Guaicuri, perto da represa Billings, na zona sul de São Paulo - Wellington Ramalhoso/UOL
Entulho acumulado após a prefeitura demolir casas na favela Guaicuri, perto da represa Billings, na zona sul de São Paulo
Imagem: Wellington Ramalhoso/UOL

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

11/08/2019 04h00

Uma obra da Prefeitura de São Paulo deixou moradores de uma favela da zona sul em meio a escombros que lembram um cenário de guerra.

Parte das casas da comunidade foi demolida nos últimos meses para a implantação de um parque linear ao longo do córrego Guaicuri, afluente da represa Billings. No entanto, os trabalhos pararam, e o entulho não foi retirado.

O clima é de revolta e apreensão entre as famílias remanescentes. "É o caos morar aqui, é um inferno", afirma a vendedora Beatriz Nogueira Bispo, 21, nascida na comunidade. "A sensação é de medo. Está um absurdo", reclama outra moradora, a doméstica Sonia dos Santos, 55.

As demolições na favela Guaicuri começaram em fevereiro. Sem luz à noite nas vielas estreitas, com menos moradores e entulho acumulado, a sensação de insegurança cresceu.

Moradora Neide Medeiros na favela Guaicuri, na zona sul de São Paulo - Wellington Ramalhoso/UOL - Wellington Ramalhoso/UOL
Neide Medeiros afirma que ação da prefeitura tornou a favela mais perigosa para as mulheres
Imagem: Wellington Ramalhoso/UOL

Segundo as moradoras, estranhos têm circulado pelos escombros. "Está terrível, tudo escuro [à noite]. A gente não pode sair de casa porque pode ser atacada", diz a autônoma Neide Medeiros, 54. "Não tem como andar aqui à noite. Não tem uma luz, a não ser de casas que estão com o quarto ou o banheiro aceso", ratifica Beatriz.

A destruição das casas também estourou canos e provocou vazamentos. Segundo as moradoras, a quantidade de ratos e insetos no local aumentou.

Além disso, famílias retiradas da comunidade pela prefeitura deixaram animais de estimação para trás. "A gente está pedindo socorro para eles tirarem esse entulho, acabar com os ratos e tirar os gatos e cachorros. À noite ninguém dorme", queixa-se Neide.

Procurada, a Prefeitura argumenta que a favela está em área de alto risco e que o entulho das casas demolidas ainda não foi removido porque a permanência de cerca de 380 famílias em moradias na comunidade inviabiliza "o desfazimento e limpeza do local".

Moradoras reclamam de propostas da prefeitura

Lideranças da região reivindicam que a gestão Bruno Covas (PSDB) contemple os moradores remanescentes com apartamentos no Residencial Espanha, maior conjunto do programa Minha Casa, Minha Vida no município.

Situado às margens da Billings, ele possui 3.860 unidades habitacionais, sendo que as últimas 860 devem ser entregues até outubro.

Este é o destino das 727 famílias transferidas recentemente da favela. No entanto, os remanescentes não devem ter a mesma oportunidade.

Alguns receberam propostas da prefeitura para deixar suas casas e ficaram insatisfeitos. A moradora Neide diz que a administração municipal ofereceu R$ 63 mil para que se mudasse da comunidade. A autônoma não aceitou a oferta por entender que o valor é insuficiente para adquirir um imóvel em outro local.

A outra opção oferecida pela prefeitura seria o pagamento de auxílio aluguel, com valor de R$ 400 por mês.

Casas destruídas pela Prefeitura de São Paulo às margens do córrego Guaicuri, afluente da represa Billings - Wellington Ramalhoso/UOL - Wellington Ramalhoso/UOL
Casas destruídas pela Prefeitura de São Paulo às margens do córrego Guaicuri, afluente da represa Billings
Imagem: Wellington Ramalhoso/UOL

Outras moradoras dizem ter recebido da gestão tucana propostas mais baixas por suas casas, de R$ 30 mil a R$ 40 mil. "A gente não é dono do terreno, mas das nossas casas a gente é. A gente gastou com isso, passou fome para ter nossas coisas aqui", afirma Maria Auxiliadora Cristino, que vive há 12 anos na comunidade.

Ela alega que famílias transferidas da favela anteriormente receberam valores bem mais altos. "Tenho testemunha que tem gente que pegou R$ 180 mil, R$ 200 mil", comenta.

Quem continua na comunidade se sente pressionado. "Se não querem a favela, se querem tirar a gente daqui, venham com respostas porque estamos desiludidos", afirma Beatriz Bispo.

Cerca de 380 famílias ainda vivem na favela Guaicuri, na zona sul de São Paulo - Wellington Ramalhoso/UOL - Wellington Ramalhoso/UOL
Cerca de 380 famílias ainda vivem na comunidade
Imagem: Wellington Ramalhoso/UOL

Prefeitura diz que remover entulho é inviável

De acordo com a gestão Bruno Covas, as famílias que esperam atendimento "estão sendo acompanhadas com estudos de casos específicos para a viabilização de outras soluções junto à Secretaria Municipal de Habitação, tendo em vista que não se enquadram nos critérios de atendimento habitacional no Residencial Espanha, seja por critério de renda, resistência ou pendência de documentos".

Além da indenização e do auxílio-aluguel, a prefeitura diz que oferece a elas o "reassentamento em outra unidade habitacional", ou seja, elas poderiam ser atendidas com unidades em outro empreendimento destinado à moradia social na zona sul da cidade.

A prefeitura afirma que nenhuma família transferida da favela recentemente recebeu indenização e alega que os valores oferecidos aos moradores remanescentes têm como base laudos feitos com a metodologia do Ibape (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia).

A administração municipal investiu R$ 15 milhões desde o início das obras do parque a ser construído no local da favela. A promessa é concluir os trabalhos no segundo semestre de 2020. "Serão realizadas obras de infraestrutura, com sistema de drenagem, coleta de esgoto sanitário, fornecimento de água potável às famílias em área consolidada, construção de guias e sarjetas. Após toda a ação de urbanização, a área remanescente será regularizada", diz em nota a secretaria de Habitação.

Moradoras Josélia Rolim e Sonia Santos em frente a casa destruída na favela Guaicuri - Wellington Ramalhoso/UOL - Wellington Ramalhoso/UOL
Moradoras remanescentes como Josélia Rolim e Sonia Santos cobram solução da prefeitura
Imagem: Wellington Ramalhoso/UOL