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No NE, 10 cidades metropolitanas passam as capitais em taxa de homicídios

Rua de Extremoz (RN) - Beto Macário/UOL
Rua de Extremoz (RN) Imagem: Beto Macário/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

11/08/2019 04h01

A universitária Shyslane Sousa, 24, chegava em casa em Maracanaú, na Grande Fortaleza, quando uma troca de tiros entre polícia e bandidos a matou e feriu uma grávida. Dois suspeitos e um militar também acabaram baleados.

Longe de ser exceção, a morte de Shyslane é parte de um recorde triste atingido em 2017 - último ano para o qual há dados compilados pelo Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): pela primeira vez, dez cidades vizinhas a capitais nordestinas ultrapassaram a linha dos 100 assassinatos para 100 mil habitantes.

Maracanaú, onde Shyslane foi assassinada, teve 308 homicídios, o equivalente a 145,7 assassinatos por 100 mil habitantes.

A média nacional em 2017, que também atingiu máxima histórica, foi de 31,6 mortes violentas para cada 100 mil habitantes.

Mortes violentas nos entornos e nas capitais nordestinas (a cada 100 mil habitantes)

Nos sete estados com as maiores taxas de homicídios do Nordeste, as cidades vizinhas às capitais passaram a liderar os rankings estaduais de violência.

Conflitos entre facções pelo domínio do narcotráfico fazem parte da rotina de todos esses estados:

  • RN: Extremoz: 184,5; São Gonçalo do Amarante: 131,2; Natal: 73,4.

O estado mais violento em 2017 foi o Rio Grande do Norte, que teve taxa de homicídios de 67,4 por 100 mil habitantes. A disputa pelo tráfico de drogas entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e a facção local Sindicato do Crime estão por trás desse indicador.

  • CE: Maracanaú: 145,7; Fortaleza: 87,9.

No Ceará, estão em guerra três facções: PCC, CV (Comando Vermelho) e a local GDE (Guardiões do Estado).

  • BA: Simões Filho: 119,9; Salvador: 63,9.

Na Bahia, há vários grupos locais que disputam espaço, com apoio de CV e PCC. Além disso, segundo o Atlas da Violência, "o estado tem adotado uma linha de enfrentamento e embrutecimento no uso de suas forças policiais". "Isso tem ajudado a alimentar o ciclo de violência", pontua.

  • PE: Ipojuca: 152; Cabo de Santo Agostinho: 94; Recife: 58,4.

Pernambuco, atuam o PCC, a facção paraibana Okaida e o CV. Além disso, a região metropolitana enfrenta crise por conta da desindustrialização do Complexo de Suape - o que colaborou para a entrada de Ipojuca no índice de mais violentas.

  • SE: Nossa Senhora do Socorro: 96,3; Aracaju: 57,4.

Em Sergipe, a guerra é entra as facções PCC e a baiana Bonde do Maluco.

  • PB: Santa Rita: 73,9; João Pessoa: 38,9.

Na Paraíba, quem comanda o crime é a Okaida, em disputa com a facção Estados Unidos -- grupo local ligado ao PCC.

  • AL: Barra de São Miguel: 166,6 ; Roteiro: 132,9; Pilar: 109,7; Maceió: 60,2

As cidades vizinhas a Maceió não integram o ranking nacional do Ipea de cidades mais violentas, apesar dos altos indicadores, por não terem mais do que 100 mil habitantes.

Violência acelerou mais rápido nos entornos das capitais do NE

A liderança das cidades vizinhas às capitais no ranking de homicídios é novidade. Em 2007, na maioria dos casos, as capitais eram as cidades mais violentas de cada estado.

Em algumas dessas capitais, o índice de homicídios caiu - ou, no caso de Natal, avançou menos rápido do que nas cidades vizinhas:

  • Maceió: 97,4 homicídios por 100 mil habitantes - caiu para 60,2
  • Recife: 87,9 homicídios por 100 mil habitantes - caiu para 58,4
  • Natal: 63 homicídios por 100 mil habitantes - subiu para 73,4
  • João Pessoa: 56,6 homicídios por 100 mil habitantes - caiu para 38,9

Maracanaú já tinha em 2007 taxa maior do que Fortaleza, enquanto Simões Filho já liderava na Bahia. No caso de Sergipe, a cidade que liderava o ranking era Barra dos Coqueiros, também na região metropolitana.

Para pesquisadores consultados, a violência nessas cidades têm várias explicações, como crescimento desorganizado nos últimos anos, falta de estrutura, policiamento reduzido e, principalmente, chegada das facções criminosas e sua guerra pelo domínio de territórios.

Capitais tem um "mínimo" de estruturas

O pesquisador Luiz Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará), afirma que enquanto as capitais "ainda são alcançadas por um mínimo de políticas públicas e sistemas de segurança e justiça, as regiões metropolitanas se tornaram espaços privilegiados para atuação de grupos favorecidos tanto pela precarização de serviços".

O coordenador do Observatório de Violência Letal Intencional, ligado à Ufersa (Universidade Federal Rural do Semiárido), Thadeu Brandão, concorda que a expansão das regiões metropolitanas na região não veio acompanhada de planejamento ou estrutura - o que abre portas para a atuação de facções.

"Houve um crescimento na última década dessas regiões metropolitanas do Nordeste, com grande migração populacional e expansão por conta do 'Minha Casa, Minha Vida', mas especialmente por moradias precarizadas. Nelas houve uma ausência de equipamentos, policiamento ineficiente, fez com que 2017 se estourasse muito esse processo"

Ele afirma que "a criminalidade é migrante, não obedece fronteiras", o que faz com que grupos de capitais em locais de divisa das capitais.

Falta estrutura, sobram facções

Segundo o coordenador do Atlas da Violência, o pesquisador Daniel Cerqueira, o estudo encontrou "um verdadeiro abismo" entre os grupos de municípios mais e menos violentos.

"Os mais violentos tiveram uma taxa 15 vezes maior do que o conjunto dos menos violentos", diz. "Trata-se de uma diferença similar à taxa de Brasil para os países europeus".

Para Cerqueira, o Atlas deixa claro que os municípios mais violentos apresentam uma série de problemas socioeconômicos. "O percentual de jovens entre os 15 e 24 anos sem estudar ou trabalhar vivendo em áreas vulneráveis é 300% que no conjunto dos municípios mais violentos", completa

"Quando vamos verificar onde estão os cidadãos de segunda classe, eles estão nas periferias das regiões metropolitanas. Em particular no Nordeste, estão ao redor das capitais, que são municípios que têm essas condições e que foram pioradas pela presença de facções, que estão envolvidas no tráfico internacional de drogas", diz.

Brandão também atribui parte dessa alta de mortes à disputa por áreas de tráfico por facções. "Essas redes criminosas também atuaram na cooptação da juventude", conta, citando também a impunidade e a superlotação do sistema prisional como fatores que contribuíram para elevação dos índices.

A boa notícia é que os dados de 2018 dos estados já apontam para uma redução do número de mortes violentas. "Desde o ano passado se nota uma queda dessa criminalidade homicida. Em 2019, aqui no Rio Grande do Norte, por exemplo, temos uma queda de 25% a 30%", conclui.