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Com medo de violência, pedreiro morto em ação da PM queria voltar para MG

O pedreiro José Pio Baía Junior, 45, morto na Vila Kennedy, comunidade da zona oeste carioca, durante ação da PM - Arquivo Pessoal
O pedreiro José Pio Baía Junior, 45, morto na Vila Kennedy, comunidade da zona oeste carioca, durante ação da PM Imagem: Arquivo Pessoal

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

04/09/2019 12h58

Nascido em Cachoeira Alegre, interior de Minas Gerais, o pedreiro José Pio Baía —baleado e morto na Vila Kennedy, zona oeste carioca, enquanto trabalhava em uma laje— tinha planos de retornar à sua cidade natal e abandonar o Rio com medo da violência. A comunidade em que Baía foi baleado era considerada um "laboratório da intervenção federal" no estado. Moradores protestaram ontem fechando a avenida Brasil, principal via que liga o centro à zona oeste do Rio, e incendiando um ônibus.

Pio tinha 45 anos e, segundo a família, chegou à capital fluminense há 22 anos para tentar uma vida melhor. No entanto, a rotina de violência da cidade fez com que o pedreiro fizesse planos para retornar à cidade mineira.

Na Vila Kennedy, ele trabalhava com obras de segunda a sábado e, aos domingos, dava expediente em um estabelecimento que vendia frango assado para inteirar a renda. Em Minas, Pio se dedicava ao trabalho em uma fazenda e fazia bicos em restaurantes da região.

A irmã dele Juliana de Fátima Pio, 41, disse que estava com viagem programada para o Rio na próxima sexta-feira (6) para visitá-lo e conversar sobre o retorno dele para Minas Gerais.

"Ele saiu daqui [Cachoeira Alegre] pois capinar roça não dá dinheiro pra ninguém. Pelo menos aí no Rio de Janeiro ele ganhava um dinheiro melhor, mas não estava mais aguentando essa rotina de violência. Reclamava muito. Eu estava disposta a ajudá-lo. Queria que ele voltasse. A última vez que estive na Vila Kennedy me assustei com o tanto de gente armada", contou a irmã dele ao UOL.

Moradores mostram o local em que o pedreiro foi morto no Rio

bandrio

José Pio Baiá era de uma família de cinco irmãos. Divorciado, ele vivia com a filha e o neto de um ano em uma casa na comunidade. A irmã o descreveu como uma pessoa muito trabalhadora.

"Ele vivia estressado pois trabalhava muito. Todo dia. Quase não tinha descanso, era uma excelente pessoa. Muito trabalhador e ajudava sempre o próximo."

Juliana disse que soube da notícia da morte de Pio por outro irmão. "Ligou dizendo que ele tomou um tiro no trabalho e morreu na hora", relata.

O pedreiro foi baleado na manhã de ontem enquanto trabalhava na construção de uma laje de um bar. Moradores acusam a PM de ter efetuado os disparos. O proprietário do imóvel gravou um vídeo e publicou na internet relatando que a vítima foi morta no momento em que "batia uma laje".

"Acabaram de matar um trabalhador em cima da minha laje. Tava batendo a laje e foi morto. O cara estava trabalhando. O policial atirou, não tinha ninguém, o policial saiu dando tiro. É impressionante como estamos sofrendo aqui na Vila Kennedy com esse tiroteio, PMs entrando a qualquer hora. Criança indo para a escola. A gente tá aqui acabado com isso. A gente não aguenta mais."

Procurada, a corporação informou que policiais realizavam uma operação contra roubo de carga e veículo na avenida Brasil, localizada às margens da Vila Kennedy, quando uma equipe foi atacada por criminosos na esquina da rua Tunísia com a rua Gana, em um dos acessos à comunidade.

Segundo a corporação, houve confronto e a PM foi avisada sobre a vítima através da central 190. "O Comando do 14º BPM (Bangu) abriu procedimento apuratório para verificar as circunstâncias do fato", disse a PM através de nota.

A Polícia Militar ainda não informou se os policiais envolvidos na ocorrência foram afastados.

Já a Polícia Civil informou que "a Delegacia de Homicídios instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias da morte (...) equipes da delegacia estão em diligências para esclarecer o caso".

Laboratório da intervenção

Após o governo federal decretar, em fevereiro do ano passado, intervenção na área de segurança do Rio, a comunidade da Vila Kennedy localizada às margens da avenida Brasil foi ocupada permanentemente por soldados das Forças Armadas e considerada laboratório da intervenção.

No local, foram feitas operações frequentes contra o tráfico de drogas com retiradas de barricadas e maior policiamento.

O trabalho dos militares era garantir mais segurança aos moradores e a entrada de serviços à população. No entanto, a atuação dos homens do Exército não foi suficiente para inibir o tráfico de drogas nem a rotina de tiroteios na região.

Durante o período de intervenção, moradores viram índices de criminalidade aumentarem na região entre março e dezembro.

Foram registrados aumento de crimes contra a vida e contra o patrimônio:

  • Latrocínios: + 20%
  • Homicídios dolosos (com intenção): + 14%
  • Registros de tiros ou tiroteios: + 182%
  • Roubos de celulares: + 32%
  • Roubos em coletivos: + 13%
  • Roubos de rua: + 5,3%
  • Roubos a estabelecimentos comerciais: + 4,5%
  • Furto de bicicletas: + 320%

Na outra ponta, caíram o número de mortes pela polícia e roubos de carga, um problema considerado crônico nas principais vias de acesso à capital fluminense:

  • Mortes por agentes de segurança: - 30%
  • Roubos de carga: - 16%
  • Roubos de veículos: - 24%
  • Tentativas de homicídio: - 25%