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Vice de Dodge livra Witzel de denúncias por defesa de abate e uso de sniper

Wilson Witzel, governador do Rio, participa de operação policial em Angra dos Reis (RJ) - Reprodução
Wilson Witzel, governador do Rio, participa de operação policial em Angra dos Reis (RJ) Imagem: Reprodução

Igor Mello

Do UOL, no Rio

24/09/2019 15h45

Resumo da notícia

  • Às vésperas do fim do mandato de Raquel Dodge na PGR, o vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia arquivou representações contra Witzel
  • Representações de diversos políticos, órgãos de direitos humanos e entidades da sociedade civil estavam paradas desde maio
  • Maia avaliou não ser possível dizer que as falas de Witzel são ordens diretas para a polícia, e que se pode afirmar que ele estivesse no helicóptero

O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, arquivou as representações feitas por cidadãos, parlamentares de oposição e entidades da sociedade civil contra o governador Wilson Witzel (PSC) por conta de suas declarações em defesa do abate de criminosos e sua participação em uma operação policial em Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense. Na ocasião, um sniper disparou uma rajada de tiros contra uma tenda usada por evangélicos. Os documentos foram obtidos com exclusividade pelo UOL.

As decisões de Maia ocorreram dias antes do fim do mandato de Raquel Dodge à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República). Maia foi mantido na função pelo subprocurador Alcides Martins, que assumiu interinamente a PGR enquanto o Senado não aprova a nomeação de Augusto Aras --escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL)-- para chefiar o Ministério Público.

A política de segurança pública do governo Witzel vem sendo posta em xeque desde a última sexta-feira (20), quando a menina Ághata Felix, 8, foi morta com um tiro de fuzil nas costas enquanto chegava em casa com a mãe, em uma Kombi. Os moradores e familiares da menina dizem que PMs fizeram um disparo contra uma moto que passava no local e atingiram a criança. Após mais uma morte durante ações policiais, especialistas, militantes sociais e autoridades cobraram uma reformulação das diretrizes de ação da PM.

Tramitavam na PGR duas notícias de fato (procedimentos preliminares de investigação) contra Witzel por conta de suas declarações e da política de segurança de seu governo. A primeira notícia de fato foi feita com base em representação do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) no dia 2 de abril e foi arquivada em 16 de setembro —último do mandato de Dodge na PGR.

A segunda englobava representações diferentes feitas pela deputada estadual Benedita da Silva (PT), a deputada estadual Renata Souza (PSOL), pelo CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), pelas ONGs Educafro e Conectas e pela Comissão Arns, entre outros atores. Foi iniciada em 5 de maio e arquivada no dia 13 de setembro.

Em ambos os casos, as representações acusavam Witzel de uma série de condutas ilícitas, como apologia ao crime e violações aos direitos humanos. A consulta processual do MPF mostra que não houve nenhuma movimentação interna para dar seguimento às apurações desde maio. Até hoje, o arquivamento também não consta no sistema público.

"Snipers sabem distinguir vozes populistas", diz Maia

Maia argumentou que as declarações de Witzel, embora sejam inadequadas, não configuravam ordem direta e específica para as forças policiais --ponto que é questionado frequentemente por especialistas em segurança pública. Até agosto, o estado teve 1.249 mortes em confronto com a polícia, um recorde desde que esse tipo de ocorrência começou a ser contabilizada no estado, em 1998. Witzel e seus auxiliares afirmaram que a atual diretriz de confronto em comunidades será mantida. "Não iremos recuar. O governo do estado está no caminho certo", afirmou o coronel Mauro Fliess, porta-voz da PM, ao comentar a morte de Ághata, no último sábado (21).

Maia faz críticas à postura pública de Witzel, descrita por ele como "vozes populistas". Porém, para o vice-procurador-geral da República, as palavras do governador não têm peso para influenciar a ação de policiais treinados.

"É verdade que o governador é o comandante supremo das forças de segurança do Estado, e que sua palavra pode ser interpretada como orientação de conduta. Mas os snipers - porque atiradores de elite -, sabem distinguir vozes populistas, dirigidas a emular a turba, de vozes de comando, orientadas para o agir responsável, o agir da lei, em defesa da sociedade. O atirador de elite, por conta de um rigoroso e respeitado treinamento rígido a que se submete, sabe quando agir em defesa de outrem, que se encontre diante de perigo irresistível. A ação ponderada, refletida, orientada para a defesa de bem jurídico legitimamente referido em norma é excludente de ilicitude", relata em ambas as decisões de arquivamento.

Maia ainda postula que a reiterada defesa para que policiais matem criminosos não configura apologia ao crime: "O tipo descrito no art. 287 do CP - a apologia - é a manifestação do pensamento consistente no elogio de um fato criminoso ou do seu autor. Se tendo havido referência elogiosa a qualquer tipo de infração penal e nem a qualquer criminoso, não há que se cogitar sequer da ocorrência da infração penal".

O vice da PGR também comentou especificamente as denúncias do CNDH e da Educafro. As entidades acusaram o governador do Rio de propagar "discurso de ódio, visando a criminalização de grupos sociais vulneráveis" e incitar "o uso desproporcional da força e o desrespeito dos direitos à vida e à presunção de inocência".

Contudo Maia diz entender que não há crime na acusação de discurso de ódio. "Também o alegado discurso de ódio não configura crime no caso concreto", afirma.

PGR não vê ilegalidade em vídeo dentro de helicóptero

O vice-procurador-geral da República também não viu nenhum ato ilícito no fato de Witzel ter participado, de dentro de um helicóptero, de uma operação da Polícia Civil em Angra dos Reis, em maio.

O governador gravou um vídeo dentro da aeronave da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), força de elite da corporação, em que é possível ver um sniper armado com fuzil. Em imagens editadas filmadas de dentro do helicóptero, reveladas pela TV Globo, é possível ver o atirador de elite disparando uma rajada contra uma tenda usada por evangélicos para orações em uma área de mata na cidade —na ocasião, ela estava vazia.

Apesar do flagrante, Maia entendeu que as cenas não representam nenhuma irregularidade. E diz que não é possível saber se Witzel estava na aeronave naquele momento. O documento não revela se houve alguma diligência para apurar esse fato.

"A associação de imagens, nos contextos mencionados, expressa atitude de evidente apelo popular do Chefe do Executivo estadual. As imagens não evidenciam ordem direta e expressa dele para que fossem realizados os disparos, em contexto em que houvesse risco a terceiros", argumentou. "Com relação aos tiros disparados contra pessoas que correm na mata, não há como aferir do vídeo trazido que WILSON WITZEL se encontrava no helicóptero nem que se tratava da mesma ação policial em que o governador se referiu ao gravar mensagem para sua rede social."

Na ocasião, Witzel atacou a PGR ao ser questionado pela imprensa sobre a possibilidade de ser denunciado pelo órgão por conta da participação na operação.

"O fato de eu utilizar o helicóptero da Polícia Civil juntamente com delegados, para poder, junto com o prefeito, fazer o reconhecimento de uma área que está tomada pelo tráfico de drogas e de armas, esta sim deveria ser a preocupação da PGR. Se preocupar com quem está colocando armas e drogas dentro da comunidade. E não quem está querendo tirar de dentro da comunidade essa ameaça à nossa cidadania", disse a jornalistas durante uma agenda oficial.

Antes de determinar o arquivamento do caso, Maia deixou em aberto a possibilidade de que o sobrevoo em Angra dos Reis resulte em uma ação de improbidade administrativa contra Witzel.

"A narrativa trazida não configura ilícitos criminais. A apreciação de possível responsabilidade por ato de improbidade administrativa não é matéria de competência originária da Corte Especial do STJ, pelo que, sendo os fatos aqui narrados de domínio público, são passíveis de apreciação no âmbito próprio, pela autoridade competente."