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Caso Marielle: Réu criou empresa na região do crime em área da prefeitura

O ex-PM Élcio Vieira de Queiroz é acusado de dirigir o carro usado no atentado contra Marielle - André Toma/UOL
O ex-PM Élcio Vieira de Queiroz é acusado de dirigir o carro usado no atentado contra Marielle Imagem: André Toma/UOL

Flávio Costa e Marina Lang

Do UOL, no Rio, e Colaboração para o UOL, no Rio

10/10/2019 15h46Atualizada em 10/10/2019 17h25

Resumo da notícia

  • Acusado das mortes de Marielle e Anderson, ex-PM Élcio Vieira de Queiroz criou empresa distante 600 metros do local do atentado
  • O ex-PM afirmou que recebeu "concessão" para montar um estacionamento em terreno da prefeitura, mas desistiu do negócio
  • Terreno público fica na mesma rua onde Domingos Brazão tem um posto de gasolina. Ele é suspeito de ser mandante do atentado
  • Prefeitura do Rio diz que terreno está reservado para programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida"

Acusado de participar do duplo assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes, o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz abriu uma empresa que nunca saiu do papel, cujo endereço corresponde ao de um terreno de 2,8 mil metros quadrados da Prefeitura do Rio de Janeiro. A área pública no centro da cidade fica apenas a 600 metros, ou sete minutos de caminhada, do local do atentado.

O ex-PM está preso há seis meses, sob acusação de ter dirigido o carro de onde partiram os tiros que vitimaram a vereadora e o motorista. A empresa foi criada 51 dias após o crime ocorrido em 14 de março de 2018. Ele alegou à Justiça que recebeu "concessão" da prefeitura para explorar o terreno como estacionamento, mas depois desistiu do negócio. O advogado não explicou como ele recebeu "esse direito" do poder municipal.

Na mesma rua Frei Caneca, no bairro do Estácio, onde Élcio criou um estacionamento que nunca existiu, o conselheiro afastado do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro) Domingos Brazão tem um posto de gasolina, distante 550 metros do terreno municipal.

Brazão é apontado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e PF (Polícia Federal) como principal suspeito de ser o mandante do crime. Foi também denunciado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) por obstruir as investigações do Caso Marielle.

O conselheiro afastado do TCE-RJ prestou depoimento no dia 18 de junho de 2018 na DH da Capital (Delegacia de Homicídios do Rio), responsável pelo inquérito do atentado. Na ocasião, ele negou envolvimento no crime. Nessa mesma data, o ex-PM encerrou a empresa sem nunca ter desenvolvido qualquer atividade.

De acordo com a primeira resposta enviada pela Prefeitura do Rio, o terreno público na rua Frei Caneca será utilizado para um projeto do "Minha Casa, Minha Vida", programa habitacional do governo federal.

Ex-PM ganhou concessão da prefeitura, diz advogado

Questionado pelo UOL, Henrique Telles, advogado do ex-PM, afirmou que Élcio "havia recebido uma concessão para explorar o terreno como estacionamento". Só que as "coisas mudaram" e ele desistiu do negócio.

"Só que isso foi uma questão política. E você sabe que a política é que nem as nuvens, seja a política na esfera municipal, estadual ou federal. Hoje a política está de uma forma e depois muda", afirmou o criminalista.

"Enquanto ele estava providenciando a documentação, as coisas mudaram e ele percebeu que não teria mais as condições empresariais ou comerciais para ele explorar esse terreno. Aí então ele resolveu desfazer tudo e entregou o terreno", acrescentou.

O UOL questionou o advogado sobre as circunstâncias em que seu cliente teria recebido o direito de explorar um terreno público tão próximo do local do atentado, mas o criminalista afirmou que não tem conhecimento sobre esses detalhes.

"Eu não sei, me parece que foi pelos canais oficiais. Não sei a a forma como ele conseguiu, ele não entrou em detalhes a respeito."

Após publicação da reportagem, a Prefeitura do Rio negou que tenha concedido o terreno ao ex-PM ou à empresa dele.

Empresa foi registrada com endereço errado

O terreno da Prefeitura do Rio é localizado no número 511 da rua Frei Caneca. Encontra-se entre uma igreja batista (nº 525) e o Instituto Félix Pacheco (nº 505), onde ficam guardadas as impressões digitais dos cidadãos do Rio de Janeiro.

Ao registrar o CNPJ do estacionamento que seria montado no terreno da prefeitura, o ex-PM cometeu um erro e cadastrou o número 515, que não existe.

Caso Marielle 1 - Marina Lang/UOL - Marina Lang/UOL
Terreno da Prefeitura do Rio onde o ex-PM Élcio de Queiroz queria montar estacionamento
Imagem: Marina Lang/UOL

Ao UOL, a prefeitura informou que o terreno sediou o parque gráfico da antiga Editora Bloch, responsável pela publicação da extinta revista "Manchete".

Decretada em 2000, a falência da revista fez com que o prédio ficasse abandonado. Em seguida, ele foi invadido por famílias de sem-teto, que por lá ficaram nos 12 anos seguintes, até a retirada dessas pessoas por parte da prefeitura para implosão do edifício, em 2012.

Desde então, a prefeitura planeja a instalação de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida. A segunda licitação ocorreu em 2018 —não houve, contudo, empresas de construção interessadas no pregão. A "empresa fantasma" de Élcio ficou aberta por quase um mês e meio e não chegou a emitir alvará de funcionamento —o que é um pré-requisito para um negócio como um estacionamento funcionar.

Câmeras da região do atentado foram desativadas

Élcio abriu a empresa em 4 maio de 2018. Para este tipo de empreendimento, "empresa individual", o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) é obtido em poucas horas após o preenchimento do cadastro na internet.

No dia anterior, o jornal "Extra" revelou que cinco câmeras da então Secretaria de Segurança Pública que estavam no trajeto percorrido pelas vítimas e pelos assassinos foram desligadas no período entre 24 e 48 horas antes do duplo homicídio de 14 de março de 2018. (veja cronologia abaixo)

O contrato de manutenção das câmeras havia terminado em outubro de 2017, mas os equipamentos continuaram funcionando normalmente até serem desconectadas, segundo a colunista Berenice Seara.

Ainda de acordo com a jornalista, a câmera da estação do metrô gravava em 360º e ficava bem diante do ponto do atentado —o cruzamento entre as ruas João Paulo 1º e Joaquim Palhares.

MP questionou Élcio sobre empresa

Para quatro especialistas consultados pelo UOL os fatos apresentados nesta reportagem não são mera coincidência. Dois delegados aposentados da Polícia Civil do Rio, com experiência em investigações sobre milícias, um delegado da PF que atua em apurações contra o crime organizado e um advogado criminalista cuja banca é sediada em Brasília afirmaram que os dados "são altamente suspeitos e precisam ser investigados".

O UOL apurou que as promotoras do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público do Rio de Janeiro questionaram o acusado a respeito da empresa, na audiência realizada na última sexta-feira pela Justiça do Rio.

"O MP pareceu satisfeito com a resposta de meu cliente. Só perguntaram sobre o assunto, uma vez", disse o advogado Henrique Telles.

Também procurada, a Polícia Civil do Rio afirmou que a "investigação está sob sigilo".

A prefeitura do Rio afirmou que "em relação ao terreno localizado na Rua Frei Caneca, Nº 511, a Subsecretaria de Patrimônio Imobiliário informa que não há qualquer registro de concessão ou permissão de uso para estacionamento envolvendo o CNPJ citado [a empresa criada pelo ex-PM]. Trata-se de um próprio municipal cedido à Secretaria Municipal de Infraestrutura, Habitação e Conservação."

A reportagem também perguntou à defesa de Domingos Brazão se há relações entre ele e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz. Também não recebeu resposta.

Élcio Vieira de Queiroz alega inocência. Juntamente com o PM reformado Ronnie Lessa, acusado de efetuar os disparos que mataram Marielle e Anderson, ele está preso atualmente no presídio federal de Porto Velho.

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