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Vítimas de golpe com droga em bebida têm BO negado em três delegacias de SP

Gustavo Rodrigues, Paula Malta e Márcio Henrique Monteiro, vítimas do golpe "Boa noite, Cinderela" - Reprodução/Instagram
Gustavo Rodrigues, Paula Malta e Márcio Henrique Monteiro, vítimas do golpe "Boa noite, Cinderela" Imagem: Reprodução/Instagram

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

29/10/2019 16h51Atualizada em 30/10/2019 09h39

Dois rapazes e uma jovem vítimas do golpe conhecido como "Boa noite, Cinderela" foram roubados e sofreram vários ferimentos, após serem dopados, mas não conseguiram registrar o boletim de ocorrência em três delegacias de São Paulo. Eles afirmam que foram tratados com indiferença e ironia pelos funcionários das unidades policiais, que se negaram a atendê-los e a dar orientações nos dois dias seguintes ao crime. A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública) lamentou o ocorrido (leia nota oficial ao final da matéria).

"A gente se sente sem ajuda. Fomos vítimas de um golpe, de um cara que está solto. Ninguém quis saber de nada", diz o assistente administrativo Gustavo Rodrigues, 31.

O crime aconteceu na noite de sábado (26), em um bar na região da Consolação (área central da capital). De acordo com Rodrigues, um homem aparentando por volta de 30 e poucos anos de idade se aproximou e puxou papo com ele e os dois amigos que o acompanhavam: os consultores de vendas Márcio Henrique Monteiro, 30, e Paula Malta, 24.

Para ganhar a confiança dos três, o homem disse que não era de São Paulo, que acabara de chegar do Nordeste e que precisava de algumas dicas.

"Eu ainda disse para ele: 'Você que não é de São Paulo tome cuidado, porque as pessoas podem tirar vantagem'", afirma Rodrigues.

Os quatro ficaram conversando, e o homem queria levar os três amigos para outro bar. Dizia que tinha dinheiro para pagar a bebida, que isso não era problema, mas não conseguiu tirá-los do local.

Se mostrando gentil, ele comprou uma cerveja e serviu os copos de todos. "Quando ele viu que ia conseguir dopar a gente, ele pegou uma cerveja e foi até o banheiro. Lá, ele deve ter colocado a droga na bebida. Voltou e pôs a cerveja nos nossos copos", diz Rodrigues.

A ação do criminoso foi registrada pela câmera de segurança. No dia seguinte, Rodrigues voltou ao local para conversar com o dono do bar, que se disponibilizou a ajudar. "Dá para ver no vídeo que ele vai para o banheiro com a cerveja e fica lá por um minuto e meio, foi muito rápido".

O "Boa noite, Cinderela", droga geralmente oferecida misturada com uma bebida, faz a vítima perder a consciência e não se lembrar, mais tarde, do que aconteceu.

Cerca de 40 minutos depois de serem dopados, os três amigos caíram na rua, em frente ao bar. O primeiro a desmaiar foi Márcio, e as outras vítimas tentaram socorrê-lo.

"O homem ficava fingindo que era nosso amigo. Dez minutos depois, eu e a Paula desmaiamos também", diz Rodrigues.

O criminoso levou dois celulares e cerca de R$ 100.

"Acordei sem saber o que tinha acontecido"

O homem retirou Márcio do local usando um carro e deixou a vítima em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na região da Sé.

"A gente acha que ele não estava sozinho, porque seria difícil ele carregar o Márcio até o carro sem ninguém ajudar", afirma Rodrigues.

Ao perceber que Gustavo e Paula estavam passando mal, o dono do bar chamou o socorro médico. Os dois foram levados de ambulância para hospitais. Ele para a Santa Casa, em Santa Cecília, e ela para o bairro de Santana.

"Eu só acordei umas 9h30, 10h do dia seguinte, de cueca e com um colar cervical no pescoço", diz Rodrigues. "Não me lembro de nada do que aconteceu".

"Vai procurar o governador"

As três vítimas tiveram vários ferimentos no rosto, levaram pontos em cortes na cabeça e perderam dentes com o impacto da queda na calçada. Ao se reunirem no dia seguinte ao crime, sem entender o que havia se passado, decidiram fazer um boletim de ocorrência.

Rodrigues diz que Paula esteve na Delegacia do Bom Retiro, onde foi informada que o movimento estava muito grande e que ela não poderia registrar o BO. Quando insistiu sobre a necessidade de fazer a queixa pois poderia ter sido vítima de um estupro, ouviu a seguinte explicação: "Vai procurar o governador".

Na segunda-feira, as vítimas ainda passaram por outras duas delegacias, no 4º DP e no 78º DP, onde foram informadas que não seria possível fazer o BO porque era "feriado do funcionário público" e o delegado não estava presente.

A moça conseguiu tomar os remédios indicados a possíveis vítimas de violência sexual no hospital Pérola Byington, mas os dois rapazes, ao procurarem atendimento médico no hospital Emílio Ribas, não foram medicados porque não tinham o boletim de ocorrência.

Eles também não puderam fazer exame de corpo de delito.

Somente na tarde desta terça-feira os três conseguiram ser ouvidos em uma quarta delegacia, no 77º DP, em Santa Cecília, onde seriam encaminhados à delegada. Foi neste momento que Rodrigues conversou com a reportagem do UOL.

"A gente fica sem chão", ele critica. "A gente é vítima de um crime e fica por isso mesmo. A gente fica largado, com dente quebrado, pontos no rosto. Não é só a gente que passa por isso".

A Secretaria de Segurança Pública recebeu o pedido de comentários sobre o que aconteceu nas delegacias com as três vítimas, mas ainda não respondeu.

Outro lado

Em nota enviada ao UOL no início da noite, a SSP lamentou o ocorrido e disse que a Corregedoria da polícia está disponível caso as vítimas do golpe queiram apresentar reclamações sobre o atendimento recebido nas delegacias. Leia a nota completa:

"A Polícia Civil lamenta o ocorrido e esclarece que o 2º e 78º Distritos Policiais são centrais de flagrante - delegacias responsáveis pelos registros de ocorrências nos finais de semana e feriados. No período mencionado pela reportagem, os DPs registraram 46 ocorrências, sendo oito flagrantes.

A ocorrência foi registrada nesta terça-feira (29) no 77º Distrito Policial e é investigado pelo 4º DP, responsável pela área dos fatos.

A Corregedoria da Polícia Civil está à disposição das vítimas para registrar denúncia sobre o atendimento prestado nas delegacias."