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Chileno preso sem provas no RiR ganha liberdade após 4 negativas em 1 mês

Enzo Oliva Tell, 27, preso por suspeita de furto no Rock in Rio. A família alega inocência e a defesa diz que ele não teve amplo direito de defesa - Arquivo Pessoal
Enzo Oliva Tell, 27, preso por suspeita de furto no Rock in Rio. A família alega inocência e a defesa diz que ele não teve amplo direito de defesa Imagem: Arquivo Pessoal

Lola Ferreira

Colaboração para o UOL, no Rio

08/11/2019 15h48

Resumo da notícia

  • O chileno Enzo Oliva Tell, 27, foi acusado de furto por 2 supostas vítimas
  • A defesa diz que ele não teve um intérprete em Juizado no Rock in Rio
  • O Tribunal de Justiça diz que Enzo, que não fala português, dispensou o intérprete
  • O produto do furto não foi encontrado com o rapaz
  • No Chile, Enzo tem emprego fixo e não possui antecedentes criminais
  • Juiz criticou decretação de prisão preventiva (por período indeterminado)

Era 3 de outubro quando o chileno Enzo Valentino Oliva Tell, 27, chegou ao Rio. Acompanhado de amigos, o programador veio à cidade para assistir ao Rock in Rio, mas a viagem transformou-se em um pesadelo: Enzo foi preso na Cidade do Rock por suspeita de furtar um celular e uma carteira com R$ 70. Ontem, mais de um mês depois, a Justiça do Rio mandou soltá-lo após quatro negativas. A família diz que o jovem foi preso injustamente.

O pesadelo de Enzo começou na Cidade do Rock, na Barra da Tijuca, na zona oeste. Por ocasião do evento, o Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos estava de plantão em todos os dias do Rock in Rio para auxiliar em "casos de competência cível e criminal, como conflito com a organização do evento, direito do consumidor, furtos, cambismo e violência física". A juíza Simone de Araújo Rolim, responsável pela audiência de custódia de Enzo, disse que ele abriu mão de um intérprete.

Carlos Torres, advogado de Enzo, alega contudo que a própria defensora pública de plantão na Cidade do Rock designada para atender Enzo não conseguiu recolher as informações necessárias, exatamente pela falta de domínio da língua portuguesa por parte do rapaz. Segundo o advogado, a barreira da língua sem a intermediação de um intérprete ferem o direito à ampla defesa.

Em contato com o UOL, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirmou que Enzo dispensou um intérprete, mas a defesa refuta essa tese. "Eu tive dificuldades de falar em português com ele, imagine se ele iria dispensar um intérprete naquela situação", confronta o advogado.

Enzo foi acusado de furto apenas pelos depoimentos das supostas vítimas. E, apesar de os produtos do suposto furto não terem sido encontrados com ele, Enzo teve a prisão preventiva (por período indeterminado) decretada ainda dentro da Cidade do Rock. Durante o mês em que o rapaz esteve preso, quatro habeas corpus foram negados, sendo um deles no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Com o alvará de soltura expedido na tarde de ontem pelo juiz Bruno Monteiro Ruliere, a expectativa da família é de que Enzo seja liberado ainda hoje.

Na decisão, Ruliere argumenta que a prisão preventiva do rapaz é injustificável. Se somados os dois crimes de furto imputados a Enzo, a pena seria de cerca de quatro anos e, dificilmente, deveria ser cumprida atrás das grades, de acordo com o próprio juiz.

"Nada justificaria prender alguém preventivamente para garantir a futura aplicação da lei penal se, em virtude do crime praticado, a provável pena a ser imposta não será privativa de liberdade ou, se privativa, será suspensa", disse o juiz no despacho.

A viagem ao Rio foi uma forma de comemoração: em 7 de outubro, Enzo completou 27 anos, mas passou o aniversário na cadeia e longe de seu país.

Justiça pelo filho

Oscar Tell, pai do rapaz, falou com o UOL a caminho da Cadeia Pública Tiago Teles, em São Gonçalo, onde Enzo ficou preso no último mês. "Agora estou feliz, mas é extremamente estressante um pai ter que passar por essa situação", afirmou.

Para Oscar, o problema principal não é estar preso em solo estrangeiro, mas a forma injusta que se deu a detenção. "Não pode ser sério que alguém seja acusado e preso só porque alguém disse que lhe roubou algo."

Oscar chegou ao Rio no dia 8 de outubro e, desde então, tenta provar a inocência do filho. Trouxe com ele documentos comprobatórios de que o rapaz não tem antecedentes criminais e uma vida comum em Santiago. Há mais de dois anos, Enzo tem emprego fixo como programador. Além disso, namora e não tem movimentação bancária incompatível com sua renda. Por esses motivos, um mês em regime fechado fez com que Oscar perdesse o sono.

Já no Rio, coube a ele fazer articulações com o Consulado do Chile para tentar visitar o filho. Carlos Torres, advogado do rapaz, explicou que o pai só conseguia visitar Enzo com interferência do consulado, uma vez que ele não tem documentos brasileiros para expedição de uma carteira de visitação.

A demora na comunicação entre o Tribunal de Justiça do Rio e o Consulado do Chile no Rio de Janeiro, aliás, foi motivo de crítica da defesa. Somente em 14 de outubro houve determinação da Justiça para que o consulado fosse comunicado oficialmente da prisão de Enzo. O artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares determina que essa comunicação deve ser feita "sem tardar", mas a juíza que determinou a prisão preventiva de Enzo justificou que, ao aguardar um representante do consulado, a demora poderia prejudicar o rapaz, "que poderia vir a permanecer por mais tempo do que o necessário acautelado até que se fizesse presente".

Agora, com a decisão judicial, ficou decidido que o Consulado do Chile deverá emitir um documento de identificação que não possa ser usado como meio de sair do país.

A decisão também explicita que Enzo deve comparecer em Juízo mensalmente enquanto tramitar o processo, entregar seus documentos de identificação e passaporte e um valor de fiança de R$ 2.000, a ser pago em até dez dias.

Procurado, o Consulado do Chile não respondeu até a publicação dessa reportagem.