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Atestados não contradizem versão da polícia em Paraisópolis, diz legista

Paraisópolis - Adriano Vizoni/Folhapress, COTIDIANO
Paraisópolis Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress, COTIDIANO

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

03/12/2019 17h01

As causas de morte indicadas nas declarações de óbito das vítimas de Paraisópolis (asfixia e trauma na medula) não são suficientes para descartar morte por pisoteamento afirmou ao UOL o médico legista aposentado José Josefran Berto Freire, presidente da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas.

Segundo a Polícia Civil, que registrou a ocorrência com base em informações da Polícia Militar, as vítimas morreram pisoteadas após uma ação da PM para dispersar o Baile da DZ7, realizado nas ruas da favela de Paraisópolis, uma das maiores da cidade de São Paulo.

Asfixia e trauma

O UOL obteve quatro das nove declarações de óbito e repassou as causas indicadas nos documentos ao legista. São as seguintes:

  • "asfixia mecânica por 'enforcação indireta'"
  • "asfixia mecânica por sufocação indireta"
  • "trauma raquimedular por agente contundente"
  • "a determinar" (aguarda resultado de exames).

Primeiramente, Freire informou que não existe "enforcação indireta", como constou numa das certidões de óbito. O termo correto é "sufocação indireta" e deve ter havido erro na transcrição da declaração de óbito, preenchida a mão pelo médico, para a certidão de óbito, documento entregue aos familiares da vítima para que possam providenciar o enterro.

Sobre a certidão que não determina a causa, isso é normal, afirma o especialista. Isso ocorre quando os elementos disponíveis são insuficientes para apontar uma causa e é preciso esperar pelos exames.

Só a necropsia vai determinar causas de mortes

"Somente os exames feitos na necropsia, cruzados com a perícia de local permitirão apontar o que causou a morte das vítimas", afirmou Freire.

Segundo Freire, os laudos necroscópicos (documento com o resultado da necropsia) podem demorar, pois podem ter sido feitos exames de imagem, como radiografias, e de análises clínicas (sangue, urina e líquor) que ajudarão a apontar as causas das mortes em Paraisópolis.

"Os atestados, em si, não são suficientes para descartar a hipótese de pisoteamento", afirmou o especialista. "São os laudos que mostrarão as lesões que o corpo recebeu", disse.

Segundo Brito, no pisoteamento podem ocorrer ou não múltiplas fraturas (politrauma). "Há casos em que a vítima, ainda que fique com a boca e o nariz livres, tem o peito pressionado pelo peso das outras pessoas de modo que impede a expansão do tórax e a respiração, causando a morte por asfixia".

Essa situação ocorre, segundo o especialista, quando as pessoas caem uma sobre as outras e o peso não é suportado.

A outra possibilidade de pisoteamento é quando várias pessoas passam por cima e pisam e machucam a vítima caída, o que pode causar fraturas ou outras lesões, como o trauma raquimedular apontado em uma das certidões, por exemplo.

O trauma raquimedular é uma lesão da medula causada por fratura, luxação da vértebra ou outra contusão que provoque hemorragia na medula.

Calça sem pegadas

Sobre a desconfiança apresentada pela família da vítima Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos, cuja calça jeans não apresentava marca de pisadas, o legista aposentado, que trabalhou 30 anos no IML de São Paulo, aponta que não é suficiente, isoladamente, para descartar o pisoteamento. "Ele pode ter sofrido apenas asfixia e, por isso, não ter marcas de pisadas na roupa", disse.

Quanto ao fato ocorrido com a família da vítima Luara Victoria, no IML Central, que não pôde ver o corpo da jovem por suposto risco de contaminação, a orientação dada pelos funcionários à família é correta, segundo o legista, especialmente caso a necropsia já tivesse sido realizada.

Freire não acredita que, hoje, o IML sofra interferência das polícias. Há mais de 20 anos, afirma, o Instituto Médico Legal em São Paulo, está dissociado da Polícia Civil.

"Hoje o IML é independente. No passado, foi um departamento da Polícia Civil, subordinado ao delegado-geral de polícia. Hoje, a Superintendência de Polícia Científica, a Delegacia Geral de Polícia Civil e o Comendo da PM são órgãos hierarquicamente equivalentes", afirmou.

Vídeo mostra agressões de PM em Paraisópolis

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