Topo

Caso Marielle

Caso Marielle: MP interrogou Curicica em 2018 sobre corrupção em delegacia

30.out.2019 - As promotoras de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio, Letícia Emili Alqueres Petriz, Simone Sibílio e Carmen Eliza Bastos de Carvalho dão informações sobre a investigação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes - Fernando Frazão/Agência Brasil
30.out.2019 - As promotoras de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio, Letícia Emili Alqueres Petriz, Simone Sibílio e Carmen Eliza Bastos de Carvalho dão informações sobre a investigação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Flávio Costa e Vinicius Konchinski

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Curitiba

12/12/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Promotoras tiveram um encontro com miliciano em presídio federal
  • Suspeita de corrupção na Delegacia de Homicídios do Rio foi abordada
  • Possibilidade de acordo de delação premiada do miliciano foi debatida
  • MP-RJ se recusa a comentar conversa obtida pelo UOL, mas não nega o fato

Ainda em 2018, as promotoras de Justiça Letícia Petriz e Simone Sibílio, responsáveis no MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) pelo Caso Marielle, tiveram um encontro com o miliciano Orlando Curicica durante o qual afirmaram que receberam informações sobre corrupção na DH (Delegacia de Homicídios) da Capital, órgão da Polícia Civil fluminense.

As integrantes do Gaeco (Grupo de Combate ao Crime Organizado) do MP-RJ nunca falaram publicamente sobre suspeitas de corrupção relacionadas à DH da Capital.

Durante o encontro, em 25 de setembro daquele ano, foi discutida também a possibilidade de Curicica firmar um acordo de delação premiada e obter proteção para si e para membros de sua família. O MP-RJ não respondeu ao UOL se isso aconteceu.

"A gente sabe também pelo que foi divulgado pela imprensa que, possivelmente, a DH está envolvida em alguma coisa, esquemas anteriores envolvendo corrupção. Então a gente reafirma aqui o propósito se você tiver alguma coisa para falar neste sentido que você nos fale também", afirmou Petriz, durante conversa que durou pelo menos três horas com Curicica, no presídio federal de Mossoró (RN), onde ele está preso.

Em abril deste ano, o UOL noticiou que a Polícia Federal havia encontrado evidências de propina na DH.

"Fique inteiramente à vontade, mas nós tivemos ciência, enfim, através de outras fontes de que isso pudesse estar acontecendo", acrescentou a promotora.

O UOL teve acesso exclusivo à transcrição da conversa entre as promotoras e o miliciano, que foi alvo de um falso testemunho que o apontou como mandante do atentado que resultou nas mortes da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.

curicica - Polícia Civil - Polícia Civil
O miliciano Orlando Curicica afirma que existe um esquema de corrupção na Polícia Civil do Rio
Imagem: Polícia Civil

Escritório do Crime e propina na delegacia

Na ocasião em que conversaram com Curicica, na prisão federal, as promotoras trabalhavam há menos de um mês no Caso Marielle.

Um defensor público da União que atuava na defesa do criminoso, um promotor de Justiça do Rio Grande do Norte e um delegado da Policia Civil lotado no Gaeco também participaram da reunião.

Transferido para o sistema penitenciário federal, o miliciano havia prestado, anteriormente, um depoimento a procuradores da República, no qual acusava o delegado Giniton Lages de pressioná-lo a assumir que era o mandante do atentado contra Marielle. Lages nega.

Curicica havia revelado também a existência do Escritório do Crime, um grupo de matadores de aluguel ligados a milicianos e cujos clientes preferenciais eram políticos e chefes do jogo do bicho. Ele acrescentou que agentes da DH da Capital recebiam há anos propinas para não investigar os homicídios cometidos pela organização criminosa.

As promotoras reafirmaram, mais de uma vez, que o trabalho delas era independente da DH da Capital. Pelo menos quatro casos de homicídios não solucionados pela Polícia Civil do Rio, entre eles o do presidente da Portela Marcos Falcon, se tornaram casos investigados pelo Gaeco, elas informaram.

Em determinado momento da conversa, Curicica perguntou:

"E se fosse o caso de você fazer um acordo, vocês fariam?"

A promotora Simone Sibílio, coordenadora do Gaeco, respondeu:

"Depende do acordo, depende das circunstâncias. A gente precisa saber o que você tem a nos falar".

O miliciano indaga:

"A senhora sabe que vai ter prender o chefe da Polícia Civil do Rio?"

As promotoras responderam que estavam dispostas a fazer possível para solucionar o Caso Marielle.

Em depoimento à Justiça, Ronnie Lessa negou ter matado Marielle e Anderson

UOL Notícias

PF apontou possível má conduta de delegado

Na época, o delegado Rivaldo Barbosa comandava a corporação estadual. Quase um ano depois dessa conversa, a Polícia Federal enviou um relatório reservado ao Gaeco, publicado pelo UOL, no qual afirma que Barbosa deveria ser investigado pela suspeita de receber R$ 400 mil, a título de propina, para obstruir o Caso Marielle. Ele nega.

Agora, uma coisa eu digo para a senhora, se eu resolver falar, acabou o Rio de Janeiro. Isso eu garanto à senhora. Se eu falar o que eu sei, não existe mais o estado do Rio de Janeiro a nível de Justiça (sic). Vai ter que reinventar a Polícia Civil, vai ter que reinventar a Polícia Militar.
Orlando Curicica, em conversa com promotoras do MP-RJ

"Eu quero dizer para o senhor o seguinte: Nós estamos estamos dispostos a isso", afirmou Sibílio.

O miliciano reafirmou sua denúncia contra a DH e descreveu novamente o encontro que ele teve com o major Ronald Paulo Alves Pereira, um dos chefes do Escritório do Crime, no qual teria sido discutido o assassinato de Marielle Franco.

O miliciano citou também o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa como um dos chefes de um núcleo do Escritório do Crime, mas sem relacioná-lo diretamente ao atentado de 14 de março de 2018.

Exatos 20 depois, a DH da Capital recebeu uma denúncia anônima que apontava Lessa como o assassino de Marielle e Anderson Gomes.

O PM viria ser preso em março de 2019, junto com o amigo, o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, como os autores do crime.

"A gente quer desbaratar o Escritório do Crime. Acabar com todos eles. Sabemos que é uma organização criminosa, são mercenários, sabemos que são incluídos em vários homicídios", afirmou Letícia Petriz.

Operação Intocáveis

Quatro meses depois dessa conversa, em janeiro deste ano, o Gaeco deflagrou a Operação Intocáveis, que prendeu membros do Escritório do Crime que agiam como milícia nas comunidades de Rio das Pedras e Muzema, na zona oeste do Rio.

O ex-oficial da Polícia Militar Adriano Magalhães da Nóbrega, tido como o chefe principal do Escritório do Crime, conseguiu escapar. Até hoje, ele está foragido da Justiça.

A defesa de Curicica pede à Justiça Federal o seu retorno a um presídio do Rio. O Gaeco não respondeu ao UOL se foi firmado, depois daquele encontro, um acordo de delação premiada com o miliciano.

"O Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPRJ) acompanha todos os atos de investigação relacionados ao Caso Marielle Franco e Anderson Gomes, cujas diligências tramitam sob sigilo, razão pela qual não pode se manifestar".

Caso Marielle