Resumo da notícia
- UOL convidou vozes novas e consagradas para um exercício de reflexão
- Sob o mote "Como seria 2020, se em 2019...", os textos revisitam o ano passado e analisam o que chega
- Hoje, Edu Carvalho, escritor da Rocinha, faz um texto do ponto de vista de uma arma de fogo
- Durante a semana, haverá textos sobre a postura de Bolsonaro, educação, paz no Oriente Médio e meio ambiente
Já que ninguém me perguntou, resolvi mandar esse papo.
Eu posso atravessar tudo, podem por mim e comigo. Sou objeto que ostenta, dou poder.
Posso ser do gênero que você quiser, veja só, e da cor também.
Eu brilho e minha presença reluz, paradinha, num casamento perfeito com o sol que queima a pele.
É difícil você pensar que não me quer, apesar de não querer parecer alguém que cometa alguns errinhos por aí. Mas fazer o que, né? A vida tem dessas, ou você escolhe as boas companhias ou escolhe as más.
Eu mesmo me autointitulo um ''mal necessário''.
Sempre estive com esse peso, e hoje não é diferente. Aqui no país, igual a mim, quase 37,3 mil.
Só aqui no Rio, já hospedei munições fabricadas na China, nos EUA, na Rússia e até na Bósnia. Tem umas até que foram criadas para o uso durante a Guerra Fria.
E olha que só foi em 2019, agora imagine em 2020? Vou descer rasgando tão forte e rápido que vai ter muita gente que se acostumará a me escutar.
Aliás: tem uma galera que já consegue me decifrar em meio à desordem das coisas — os moradores de favela. Aconteça o que for, esteja nas mãos em que eu estiver, são eles que vivem diariamente comigo. Eles sabem de minha força, sabem registrar meu passo e compasso.
Chego mais rápido a esses locais, e por meios dos quais geral duvida.
Mas eu não sou cria dali, apenas chego.
E através de um sistema barato e prático para muitos, acabo disputando o protagonismo com outas questões. Não soluciono, mas é justamente onde há mais problemas que sou mais usada.
E se em 2019 eu já havia sido frequente companheira, ajudando a mirar em alguns, pode ter certeza que vou fazer mais.
A culpa não é minha parceira. Estou a serviço dos outros, e não venha imputar em mim a culpa pela morte de uma criança de oito, confundindo uma esquadria com uma irmã minha na mão de moto-táxi.
Não posso fazer juízo de valor, e só cabe a você que me usa pensar bem, ó, você, cidadão de bem. Se preparou para me dominar no ano que se inicia?
Se minha presença é "questão de livre arbítrio", como disse o Vice, tô pra jogo e não tá pouco.
Eu não posso fazer nada se o pensamento não começa comigo. O que eu só sei é que eu fui feita pra isso, e se prepare, hein? Posso acabar até com você que me apoia. Pá!
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