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Witzel ensaia retomada de UPPs com bases em Angra e microcâmera na Rocinha

20.set.2012 - Viatura policial após inauguração de UPP na Rocinha - Tânia Rêgo/Agência Brasil
20.set.2012 - Viatura policial após inauguração de UPP na Rocinha Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

15/01/2020 04h00

Um ano e meio após o Gabinete de Intervenção Federal no Rio anunciar a extinção de 12 UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), o governador Wilson Witzel (PSC) ensaia uma reformulação das unidades no estado.

O ano começa com a implementação de três novas bases de UPP em Angra dos Reis —cidade turística da Costa Verde do Rio que viu os confrontos por territórios entre facções criminosas aumentarem e espalharem violência na região. O governo fluminense não inaugura novas bases de UPP desde maio 2014.

Antes mesmo de a intervenção optar pelo fim de 12 UPPs, um estudo da Polícia Militar de 2017 já recomendava a extinção de unidades localizadas em áreas violentas. No entanto, a Polícia Militar informa agora que, além de estender o programa para Angra, outros investimentos vão incrementar o projeto de polícia pacificadora.

Um dos investimentos é a instalação de microcâmeras em uniformes de policiais em patrulhamento. As imagens serão enviadas diretamente para o CICC (Centro Integrado de Comando e Controle), onde já funcionam programas de vídeo monitoramento facial que permitem a identificação de suspeitos com mandado de prisão em aberto. A partir dessas imagens, será possível dar voz de prisão a foragidos, além de monitorar a ação policial e as abordagens realizadas.

De acordo com a PM, serão instaladas 200 microcâmeras até o fim do primeiro semestre. Os primeiros policiais a serem contemplados são os da Rocinha —comunidade da zona sul do Rio que conta com UPP. Posteriormente, PMs que atuam nos morros Santa Marta, em Botafogo, e Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme —todos na zona sul— também contarão com o equipamento.

O programa prevê ainda a substituição de câmeras instaladas em viaturas de UPPs. Os valores desses investimentos ainda não foram divulgados pelo governo Witzel.

A corporação disse ao UOL que a reformulação do programa de UPPs —originalmente concebido com a proposta de policiamento de proximidade em favelas do Rio— visa a segurança de policiais e moradores e a garantia do patrulhamento comunitário. No entanto, o recorde em letalidade policial verificado no ano passado vai de encontro a essa proposta.

Em 2019, o estado do Rio registrou o maior número de mortes em confronto com as polícias de sua história. Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública), entre janeiro e outubro, agentes de segurança mataram 1.546 pessoas.

Desde a campanha eleitoral, Witzel vem adotando política de enfrentamento contra o tráfico. Ele defende o "abate" de criminosos portando armas de uso restrito, como fuzis. O governador também chegou a defender o uso de snipers para matar criminosos. "A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro", disse ele em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Em maio, Witzel postou em suas redes sociais um vídeo em que participa de ação policial filmada em Angra, na qual policiais aparecem disparando em direção a um alvo. Na ocasião, uma tenda foi alvejada, mas não houve feridos. O vídeo provocou críticas quanto à sua conduta.

O governo diz que pretende também buscar parcerias com outros órgãos para implementação de ações sociais nas comunidades que contam UPP —objetivo original do programa que não foi alcançado nos governos passados.

A reportagem do UOL pediu entrevista e mais detalhes à Secretaria de Polícia Militar sobre o modelo de UPP que está sendo implantado em Angra, mas não obteve retorno.

"Não precisamos de incremento ao confronto", diz especialista

A tentativa de reformulação do projeto das UPPs ainda não convenceu especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL.

Para Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, o governo continua falhando em deixar áreas prioritárias da segurança sem investimentos como investigação e inteligência.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio destacou em 2015 apenas R$ 23,5 mil para área de investimentos em informação e inteligência policial. O número é 55% menor que o penúltimo estado colocado no ranking, o Tocantins, que gastou R$ 52,5 mil, enquanto no mesmo período, São Paulo e Minas Gerais, 1º e 2º colocados, investiram R$ 366,6 mil e R$ 128,5 mil, respectivamente, em ações de informação e inteligência. Em 2017, foram gastos R$ 2.469,50 na área.

Bandeira criticou a expansão do programa para Angra.

"Não precisamos de um incremento ao confronto, precisamos de mais investigações e ações de inteligência. O estado precisa entender que o tráfico, sem droga e sem armas, sucumbe. Hoje, não há recursos suficientes para mantermos essa ocupação proposta. As comunidades estão armadas e não conseguimos garantir a ocupação mais o policiamento ostensivo. É uma ação muito cara e difícil de manter. Se eu faço investimentos em investigações e em inteligência, eu consigo otimizar o combate ao crime."

Sobre os investimentos em câmeras de monitoramento, o especialista faz um alerta.

"A intenção é válida e necessária, mas não podemos instalar esses equipamentos sem trabalhar a conscientização do policial militar. São ferramentas que vão impedir abuso e garantir também a proteção do policial, mas isso precisa ser entendido e aceito. Senão, os equipamentos vão começar a dar defeito como ocorreu com as câmeras nas viaturas que misteriosamente param de funcionar."

Antes de qualquer tecnologia no trabalho da PM, precisa ser iniciado um treinamento para mudar a cultura do PM. O investimento tem que ser na formação do policial e em uma corregedoria forte capaz de punir qualquer desvio de conduta

Ricardo Bandeira, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina

Já Maria Laura Canineu, diretora do escritório Brasil da HRW Segurança (Human Rights Watch), organização internacional não governamental que faz pesquisas sobre direitos humanos, avalia como positivo o uso de câmeras em uniforme e diz que a iniciativa chegou a ser uma recomendação da instituição como medida para reduzir abusos e, ao mesmo tempo, proteger o policial que cumpre a lei.

No entanto, ela também destaca a necessidade de treinamento na PM. "Deve haver cuidado para proteger a privacidade das pessoas, de forma que é preciso que o programa seja precedido de protocolos de ação e treinamento."

Canineu enfatizou ainda que o uso ilegal da força e outros abusos por parte da polícia tiveram papel central no desmoronamento do projeto da UPP.

"Para que um programa de proximidade dê certo é preciso recuperar a confiança na polícia, o que não parece ser o caso do Rio de Janeiro até agora", disse.

O que está por trás do aumento da violência em Angra?

O agravamento dos episódios de violência em Angra dos Reis ocorre após o avanço de facções criminosas que disputam territórios divididos atualmente entre o CV (Comando Vermelho) e o TCP (Terceiro Comando Puro).

Segundo investigações da Polícia Civil, a região também recebeu traficantes do CV que foram expulsos pela milícia das favelas do Rola e Antares, localizadas na zona oeste da capital. Em 2018, a maior milícia do estado, a antiga Liga da Justiça, rendeu criminosos ligados à facção que posteriormente buscaram refúgio em Angra.

Dados do ISP mostram o aumento da letalidade violenta —o índice abarca homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte— em Angra nos últimos cinco anos. Em 2019, foram registrados 157 casos contra 128 em 2014. Os números de homicídios dolosos mostram que, desde 2003, o maior índice registrado foi em 2018, quando foram contabilizados 188 casos. Até novembro, foram registrados no ano passado 103 casos.

Por conta da violência, a Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) estima que quase 200 estabelecimentos fecharam as portas na região a partir do segundo semestre do ano passado.

Paulo Storani, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e especialista em segurança pública, explica que a expansão do tráfico na região de Angra também tem relação com o turismo e o fluxo de pessoas na cidade.

"Toda região com grande fluxo turístico acaba tendo problemas ligados ao narcotráfico. É sempre muito atrativo, pois há garantia de aumento no número de consumo e por isso o tráfico acaba tendo uma expansão natural. Sai do Rio saturado à procura de grandes negócios em outros pontos. Essa expansão também ocorre em outras cidades do estado, como no Norte Fluminense e Região dos Lagos, e há carência de estratégias efetivas para essa questão."

Para ele, as UPPs na região de Angra podem ser mais um fracasso na história do programa.

A metodologia inicial da UPP era a implantação de conceito de proximidade, mediadora de conflito, e hoje não consigo ver estabilidade no terreno para implantação desse projeto. O que pode acontecer é criarem os antigos postos de polícia nas regiões e retroagir à polícia de enfrentamento.

Paulo Storani, ex-capitão do Bope

Sete corpos em caçamba e mortes em confrontos

Em dezembro, sete corpos foram encontrados na caçamba de um caminhão de pequeno porte em frente ao batalhão dos bombeiros. O caso ocorreu no bairro do Frade, em Angra. A PM informou na ocasião que os corpos eram de suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas.

No mês passado, um tiroteio entre traficantes e criminosos fechou a rodovia Rio-Santos. De acordo com a PRF, um grupo de bandidos atacou uma viatura da PM na região e houve confronto. A rodovia frequentemente é alvo de troca de tiros.

Já em novembro, uma operação também no bairro do Frade terminou com oito criminosos mortos, entre eles, o chefe do tráfico da região, conhecido como JR.

Em 2018, um confronto entre facções se estendeu por 13 dias consecutivos entre janeiro e fevereiro. A PM precisou intervir e mais de dez pessoas morreram.

A disputa entre traficantes começou quando um grupo de ao menos 50 integrantes do Comando Vermelho chegou ao bairro Sapinhatuba I para tomar o controle do tráfico, até então dominado pelo TCP. Os confrontos se estenderam por mais de cinco horas, mesmo com a intervenção da PM. A disputa entre as duas facções se estendeu ao Parque Belém, de onde o CV conseguiu expulsar os rivais ligados ao TCP.