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Briga de trânsito: mulher acionou 190 antes da morte e soldado desligou

Rafael Zanetti Silva, (d), a esposa dele, Fabiana, e o filho do casal, Gabriel, que morreram após uma discussão de trânsito em Porto Alegre - Arquivo pessoal
Rafael Zanetti Silva, (d), a esposa dele, Fabiana, e o filho do casal, Gabriel, que morreram após uma discussão de trânsito em Porto Alegre Imagem: Arquivo pessoal

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

30/01/2020 22h50

Segundos antes de três pessoas da mesma família serem mortas a tiros após uma discussão de trânsito em Porto Alegre, uma das vítimas entrou em contato com o 190, telefone de emergência da Brigada Militar. Entretanto, o operador desligou o telefonema por não entender o que se passava do outro lado da linha. A ligação, de menos de 20 segundos, foi feita por Fabiana da Silveira Innocente Silva, 44. Ela, o marido, Rafael Zanetti Silva, 46, e o filho do casal, Gabriel da Silveira Innocente Silva, 20, foram mortos com tiros na cabeça.

O crime aconteceu no último domingo (26) após o Aircross da família raspar na lataria de um Ecosport. Em seguida, o carro das vítimas foi interceptado na Estrada do Varejão, no bairro Lami, e teve início uma discussão entre a família e o motorista do Ecosport, Dionatha Bitencourt Vidaletti, 24, que estava acompanhado da mãe no veículo.

Ao se apresentar à polícia na terça-feira, o suspeito alegou legítima defesa e argumentou que agiu para proteger sua mãe, que teria sido agredida. Além disso, afirmou que a arma não era dele, mas de Zanetti. Uma jovem de 18 anos, nora do casal morto, considerada testemunha ocular, contesta a versão. Ela, que também estava no Aircross, diz que Vidaletti desceu do carro "exaltado" e puxou uma arma em direção à família. Em seguida, disparou. O filho mais novo do casal também estava no veículo e não foi ferido.

A transcrição da ligação ao 190 foi repassada à reportagem pela Polícia Civil. No diálogo, Fabiana diz ao atendente que outra mulher estava apontando uma arma na sua direção e reforça que havia uma criança em seu carro. "Tu vai fica aqui 'véia'. Ela tá me apontando a arma", disse Fabiana. A mulher é a mãe de Vidaletti. Em duas circunstâncias, o operador repete várias vezes "alô" e, por último, diz que vai desligar, pois não está escutando nada. Em seguida, Fabiana larga o telefone e se ouvem gritos e tiros.

Confira a transcrição:

Soldado: Soldado [e cita sua identificação], qual a emergência?

Fabiana: Eu quero falar uma emergência, eu tô onde Rafael (Rafael responde: Na Estrada do Lami)... Na Estrada do Lami tem uma "véia" me apontando a arma...

Soldado: Alô? Alô? Alô?

Fabiana: Com uma criança dentro do meu carro...

Soldado: Alô? Alô? Alô?

Fabiana - Tu vai fica aqui "véia"...ela tá me apontando a arma...

Soldado: Eu vou ter que desligar senhora, porque não consigo escutar nada, eu não tô entendo nada.

(No fundo escutam-se alguns gritos e disparos de arma de fogo)

Tiro para o alto

Segundo o delegado Rodrigo Pohlmann Garcia, responsável pela investigação, o telefonema ocorreu após a mãe de Vidaletti dar um tiro para o alto com a pistola 9 milímetros. Na versão apresentada pelo suspeito, ele afirmou que Zanetti o teria deferido agredido com coronhadas com a arma. Vidaletti, então, teria conseguido desarmá-lo e jogar a pistola para longe. A mãe do suspeito pegou a arma e efetuou um disparo para o alto.

A Polícia Civil já conseguiu comprovar que Vidaletti comprou uma pistola 9 milímetros no dia 10 de janeiro em uma loja de Porto Alegre. Ele chegou a tirar uma fotografia e compartilhar com um amigo no Whatsapp.

"Foi encaminhada um pouco antes do fato, pois a emissão da nota foi no dia 10 de janeiro. O amigo do autor do crime disse que fazia pouco tempo", afirmou Pohlmann.

"Complicado julgar", diz diretor de serviço

Em Porto Alegre, o 190 funciona no Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI) na Secretaria da Segurança Pública (SSP). O diretor do departamento, coronel Regis Rocha Rosa, argumentou que a ligação tinha muitos ruídos, o que comprometeu o entendimento do operador, que era um soldado da Brigada Militar. Além disso, o oficial disse que Fabiana "proferia frases confusas".

"O atendente não conseguiu entender nada. Ele não estava ciente do contexto, não teve a localização exata e reputou a má qualidade do áudio à ligação. Eu tive que ouvir várias vezes para entender o que era falado. Já ele (o atendente) ouviu apenas uma vez e num ambiente com 15 atendentes. É complicado julgar", afirmou o coronel.

Ainda segundo o oficial, a conduta do operador não será investigada. "Não será, porque já analisamos e entendemos a conduta dele."

O que diz a defesa

Em nota, os advogados Marcos Ribeiro de Sousa e Michelle Costa Brião de Sousa, que defendem Vidaletti, afirmaram que ele está sendo "condenado pela mídia e opinião pública antes mesmo de ter sido indiciado, processado e julgado".

"Nosso cliente exercerá o seu direito à ampla defesa e contraditório, os fatos serão demonstrados com clareza. Ninguém tem o direito de matar, mas ninguém tem a obrigação de morrer sem defender sua mãe e a si próprio. A perícia irá demonstrar a veracidade quanto às alegações de violência física sobre o acusado e sua mãe", diz a nota.

A defesa afirma ainda que vai entrar com um pedido de revogação da prisão preventiva e, se necessário, ingressará com um habeas corpus no Tribunal de Justiça do RS.

"Nossas alegações serão no sentido de que Dionatha Bitencourt Vidaletti é réu primário (ex-militar, sem nenhum antecedente criminal ou policial), possui residência fixa, trabalho lícito, além de ter se apresentado espontaneamente e estar disposto a colaborar com as investigações."