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Mortes por arma de fogo são 97% de casos durante motim de policiais no CE

Veículos da Polícia Militar do Ceará em frente a batalhão da corporação durante motim de PMs em Fortaleza - Reuters
Veículos da Polícia Militar do Ceará em frente a batalhão da corporação durante motim de PMs em Fortaleza Imagem: Reuters

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A média de mortes violentas mais que triplicaram em comparação a janeiro
  • Média de assassinatos nos dias de motim foi de 28,1 por dia
  • Dos 197 mortos, 185 eram homens e 18 eram adolescentes
  • Ao todo, o interior registrou 129 das mortes violentas, enquanto 68 foram em Fortaleza

A alta no número de assassinatos durante o motim de policiais militares no Ceará revela uma explosão no uso de armas de fogo no total de homicídios.

Das 197 mortes violentas registradas nos sete primeiros dias de motim (de 19 a 25 de fevereiro), 191 foram causadas por armas de fogo, ou 97% do total — índice superior à histórica dos CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais) no estado, que nos dois últimos anos teve média anual de 78%.

Os dados foram obtidos pelo UOL em pesquisa no relatório nominal de vítimas de mortes violentas disponibilizado pela SSPDS (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social) do Ceará. A partir do dia 26, não há mais divulgação dos dados pela SSPDS.

A média de mortes violentas mais que triplicaram em comparação a janeiro, quando foram 261 assassinatos durante os 31 dias —o que dá uma média de 8,4 assassinatos por dia. Nos dias de motim, essa média saltou para 28,1.

Dos 197 homicídios, 185 vitimaram pessoas do sexo masculino. Ainda segundo os dados, 50 cidades do interior do Ceará registraram homicídios entre os sete primeiros dias do motim dos policiais. Ao todo, o interior registrou 129 das mortes violentas, enquanto 68 foram em Fortaleza.

Dentre o total de mortos, 18 eram adolescentes. Um bebê também foi assassinado em casa, ao lado do pai, enquanto dormia na madrugada do último sábado (22), em Beberibe, no litoral cearense.

"Arma de fogo indica execução"

Para Luiz Paiva, professor de sociologia e pesquisador do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC (Universidade Federal do Ceará), os números de mortes por arma de fogo são "característica clara de execução".

Para ele, essa alta percentual deve ter ocorrido porque grupos se aproveitaram da ausência de militares nas ruas para assassinar rivais.

"É o que chamamos aqui de acerto de contas. Há ainda relatos de ações de homens encapuzados atuando especialmente na periferia, mas ainda são necessárias investigações para a confirmação [desses casos]", diz.

Sobre a interiorização das mortes, Paiva afirma que é possível que isso também tenha relação direta com o motim, mas que o fenômeno já era conhecido dos especialistas locais.

"Já vínhamos registrando essa tendência de aumento proporcional no interior [em relação a Fortaleza]. São locais que já têm fragilidade no policiamento e, com a paralisação, a coisa ficou ainda pior", afirma.

A professora e pesquisadora de juventude e violência urbana da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Camila Marinho, acredita que o motim de PMs tenha causado uma espécie de aquecimento no mercado de drogas controlado por grupos criminosos.

"Essa alta [no percentual de mortes por armas de fogo] tem a ver com essa crise porque há uma aceleração desse mercado ilegal de armas que circulam entre grupos criminosos", diz.

Ela avalia que a quantidade de jovens mortos nesse período também chama a atenção. "São números muito fortes, e em todas as situações as crianças e adolescentes estão entre as vítimas", comenta.

Entretanto, ela diz que, percentualmente, os jovens já são vítimas da violência em proporção similar, especialmente em locais mais pobres e onde o estado atua de forma precária.

"Não acredito que essas mortes sejam só por acerto de contas. A gente vive em um tempo em que a perspectiva de projeto de vida desses jovens é muito mais dramático e desafiador", pontua.