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Associação pede flexibilização de uso de máscara em autistas em Salvador

Leonardo Martinez, vice-presidente da AMA, e seu filho Vinícius - Arquivo pessoal
Leonardo Martinez, vice-presidente da AMA, e seu filho Vinícius Imagem: Arquivo pessoal

Aurélio Nunes

Colaboração para o UOL, em Salvador

23/04/2020 22h03Atualizada em 23/04/2020 23h47

A Associação de Amigos do Autista da Bahia (AMA-BA) protocolou uma solicitação de flexibilização da fiscalização do decreto municipal que obriga o uso de máscaras a partir de hoje para todas as pessoas que saírem às ruas em Salvador, e que começou a vigorar hoje (23).

O ofício assinado pelo vice-presidente da entidade, Leonardo Martinez, reivindica que a Superintendência de Trânsito do Município oriente os agentes de trânsito a não adotar medidas administrativas contra os passageiros ou condutores de veículos automotivos que não estejam utilizando a máscara no interior dos veículos e que sejam identificados com autismo.

A alegação da entidade é que muitas pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) necessitam sair de suas residências para caminhar, praticar exercícios, mudar de ambiente, porém sofrem a reatividade sensorial a texturas, objetos ou qualquer contato externo com a sua pele, o que pode gerar dor, sofrimento e pode desencadear crises seríssimas.

Segundo a entidade, que tem 250 associados, o espectro é amplo e alguns aceitam e podem até usar a máscara, mas outros sequer compreendem a situação. "No caso do meu filho, por exemplo, é simplesmente impossível obrigá-lo a colocar a máscara. Se eu forçar, ele vai ficar nervoso, vai se machucar e pode até me machucar. E se eu conseguisse, logo em seguida ele a arrancaria", disse ao UOL Leonardo Martinez, pai de Vinícius, 15.

A Secretaria Municipal de Comunicação (Secom) informa que a Prefeitura de Salvador ainda vai analisar o pedido. O órgão pontuou, no entanto, que não existe nenhum tipo de pena prevista no decreto para quem não estiver usando a máscara, e que por enquanto a fiscalização tem caráter meramente educativo.

Na opinião de Martinez, a Prefeitura de Salvador deveria considerar a possibilidade de incluir o caso dos autistas como uma excepcionalidade à obrigatoriedade do uso de máscaras, a exemplo do que fez o presidente Francês, Emmanuel Macron. "Na França, o confinamento proíbe que as pessoas saiam por mais de duas vezes por semana e que andem além de uma distância permitida até a farmácia, o supermercado ou o hospital. Lá os autistas estão livres para andar a uma distância maior, por mais vezes", compara.

Por ora, a flexibilização solicitada pela AMA aos autistas se restringe ao uso de máscaras no interior de veículos privados. Não abrange os usuários de transporte público. "Este é um caso que precisa ser estudado porque uma pessoa sem máscara no transporte público está se arriscando e colocando outras em risco. É diferente de um carro em que ela utiliza com as mesmas pessoas que convive em casa", justifica.

Leonardo Martinez não acredita que o precedente solicitado pela AMA compromete as medidas sanitárias de combate à propagação do novo coronavírus e acredita que outros que entendam que precisam também devem recorrer a este expediente. "Não se trata de um capricho. É uma necessidade médica", afirma.

Especialistas concordam

A tese dele é corroborada por duas especialistas: a neuropediatra Adriana Marques de Mattos recomenda o equilíbrio das medidas de segurança e afastamento social para pessoas com autismo, com a necessidade de saídas do ambiente domiciliar e desobrigação do uso de máscaras de forma a preservar "a coletividade e as condições individuais da pessoa com autismo".

Já terapeuta ocupacional Ana Marta Vieira Pontes aponta que as dificuldades sensoriais, ou seja, a reatividade incomum a aspectos sensoriais do ambiente, atingem até 96% das crianças com TEA. "Comportamentos inadequados como choro excessivo, auto e/ou heteroagressão em respostas a alguns estímulos sensoriais é comum em pessoas com TEA.

Segundo a médica Helena Pimentel, presidente da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Salvador (APAE), pessoas com outros tipos de transtornos também estão sujeitas à rejeição ao uso das máscaras. No entanto, ela descarta a hipótese de requerer o mesmo precedente da AMA para os pacientes atendidos pela instituição que preside.

"A Apae Salvador indica o uso de máscaras como um elemento de proteção contra o coronavírus para pessoas com deficiência mental e autismo, dentre outros. Como especialistas, entendemos que algumas pessoas com essas condições podem apresentar dificuldade no uso da máscara. Orientamos as famílias a exercer o diálogo para tentar convencê-los, e evitar ao máximo condições de risco. Creio que o uso de máscaras com motivos conhecidos ou da preferência do jovem ou criança poderá ajudar", pontua.