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Relatos contradizem Bolsonaro sobre não haver mortes por falta de UTI

Mai.2020 - Com falta de estrutura, o taxista Manoel Geraldo Chaves, que veio a morrer em 6 de maio, fica ao lado de um corpo no Hospital de Emergências de Macapá - Arquivo pessoal
Mai.2020 - Com falta de estrutura, o taxista Manoel Geraldo Chaves, que veio a morrer em 6 de maio, fica ao lado de um corpo no Hospital de Emergências de Macapá Imagem: Arquivo pessoal

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/06/2020 04h00Atualizada em 18/06/2020 14h39

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deu mais uma declaração especulativa sobre como o país tem enfrentado a pandemia de covid-19. Em entrevista à BandNews TV, ele afirmou não saber de nenhuma morte no Brasil por falta de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) ou aparelhos respiradores.

"Não temos informações que qualquer pessoa tenha falecido por falta de UTI ou de respiradores. Abastecemos estados e municípios com recursos", disse Bolsonaro.

Até então, o Brasil registra oficialmente mais de 44 mil óbitos em decorrência do novo coronavírus. Não há um registro oficial de quantas mortes se deram por falta de leitos ou equipamentos, mas diversos relatos de cidadãos brasileiros e funcionários da Saúde contradizem o presidente.

Parentes e profissionais relatam mortes por falta de aparelho

Ao contrário do que o presidente declarou, o UOL encontrou diversos registros de familiares e profissionais de saúde que relatam ter perdido pacientes por falta de acesso a leitos em UTIs ou a equipamentos básicos nos hospitais.

No Amapá, o Hospital de Emergências de Macapá, o único pronto-socorro da cidade, chegou a abrigar pacientes e corpos de pessoas que morreram pela covid-19 no mesmo espaço.

"É assustador. Morreram cinco ao nosso lado ao longo desses dias. Meu pai via aquela situação e se desesperava, ficando muito nervoso. Parecia que alguma uma hora seria a nossa vez", relatou o filho do taxista José Chaves, 63, que morreu em decorrência do vírus.

"Anunciam que tem leito, respiradores, remédios, centros de [tratamento para] covid, mas não conseguimos em nenhum momento ter acesso a uma estrutura para meu pai ter mais chances de vida. Eles alegavam que estavam lotados, tanto que fomos para uma lista. Ele era o 35º da fila", contou o filho do taxista.

No Amazonas, durante o pico de coronavírus que ocasionou o colapso do sistema público no meio de abril, o UOL teve acesso não só a relatos como a vídeos de pacientes que morreram por falta de leito e de respiradores.

O manauara Wollace Lima mostrou seu pai deitado em maca dentro do SPA de São Raimundo, uma unidade de pronto atendimento do bairro da zona oeste de Manaus, sem acesso a leito de UTI. "Negligência médica aqui. Meu pai morrendo. Não tem leito. Não tem urgência. Não tem enfermeiro. Não tem nada", reclamou. Segundo ele, o pai morreu naquela madrugada.

Sem acesso a UTIs

Patrícia Sicchar, vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, relatou a morte do marido de uma enfermeira, que não conseguiu atendimento em UTI.

"Não tinha nem oxímetro para ver a saturação do oxigênio. Ela [a mulher da vítima, que é enfermeira] teve de trazer de casa o equipamento para mostrar que o marido precisava de oxigênio porque o SPA não tinha", contou a médica. "Sem respiradores. Sem vagas. Crítico para pacientes que precisam de intubação."

O UOL teve acesso a uma foto de um paciente em Manaus que foi atendido com um saco plástico com ventilação, improvisando um equipamento usado como respirador artificial, pela falta do equipamento. Segundo relatos, este paciente não morreu porque a família, sem conseguir vaga na UTI, transferiu-o para um hospital particular.

Pernambuco também registrou óbitos em decorrência de falhas no sistema. Em maio, a médica Roberta Verçoza relatou ao UOL o desespero de um paciente idoso em situação crítica sem acesso a equipamentos.

"Quando ele chegou, toda a equipe ficou bem preocupada, porque se ele precisasse ser intubado, não tinha respirador", contou a profissional.

"Conseguimos um leito para ele com uma máscara que oferecia oxigênio suplementar, na tentativa de melhorar o padrão respiratório e a saturação de oxigênio. A gente medicou o paciente, tentou acalmá-lo, continuou oferecendo oxigênio. Mas de manhã ela me mandou uma mensagem dizendo que ele tinha falecido por falta do respirador que tanto precisou", relatou Verçoza.