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Após mortes por covid, moradores de rua acampam na prefeitura

Moradores de rua acampam em frente à prefeitura de SP - Marcelo Oliveira/ UOL
Moradores de rua acampam em frente à prefeitura de SP Imagem: Marcelo Oliveira/ UOL

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

08/07/2020 16h24

Moradores de rua acamparam por 24 horas em frente à Prefeitura de São Paulo, no Viaduto do Chá, em um protesto pelas mortes por covid-19 e por melhorias no atendimento aos moradores de rua na pandemia.

Os integrantes do MNPR (Movimento Nacional da População de Rua), do Movimento Estadual da População de Rua e do Fórum da Cidade chegaram ontem à noite ao local, acamparam no Viaduto do Chá e saíram do local às 19h, após serem recebidos na prefeitura pelas secretárias municipais Berenice Gianella (Assistência Social) e Claudia Carletto (Direitos Humanos).

Eles reivindicam a implementação de hotéis sociais para moradores de rua previstos como medida para a pandemia. O programa foi lançado hoje pela Prefeitura de São Paulo, com 100 vagas, mas somente para idosos.

Segundo o MNPR, o diálogo com a prefeitura prossegue, apesar do fim do protesto. Segundo o movimento, a prefeitura prometeu ampliar o programa dos hotéis sociais para outros moradores de rua vulneráveis e não apenas os idosos, e que vai prorrogar o contrato das sete estações para higiene e banho criadas para moradores de rua no centro histórico da cidade, cuja desativação estava prevista para 30 de julho.

Segundo o Movimento Nacional da População de Rua, pelo menos 40 moradores de rua morreram de covid-19 desde o início da pandemia na capital paulista. Em junho, a prefeitura informou que 28 moradores de rua morreram devido à doença na cidade. Hoje, não respondeu ao UOL sobre o dado apresentado pelo MNPR.

O MNPR foi criado em São Paulo após a chacina da Sé, em 2004, uma série de homicídios ocorridos entre 19 e 22 de agosto no centro da Capital. O movimento depois se expandiu para outros estados e hoje é presente em quase todo o país.

Tensão mediada

Durante a tarde houve uma tensão com a GCM, devido à grande movimentação de tropas. A Comissão de Direitos Humanos da OAB foi acionada e conversou com a equipe da GCM na prefeitura de houve apenas uma troca de guarda e que não havia ordem para a retirada dos manifestantes, que seguiram no local até o final do protesto, conforme previsto.

Expulsa de abrigo

Eureni Aparecida de Oliveira, 39 anos, olha os filhos em um carrinho de bebê e participa de protesto de moradores de rua em frente à prefeitura de São Paulo - Marcelo Oliveira/UOL - Marcelo Oliveira/UOL
Eureni Aparecida de Oliveira, 39 anos, olha os filhos em um carrinho de bebê e participa de protesto de moradores de rua em frente à prefeitura de São Paulo
Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

A cabeleireira Eureni Aparecida de Oliveira, 39 anos, vive em situação de rua desde quando estava no final da gestação de sua filha mais velha, há 2 anos e meio. Nesse período, passou por diferentes instituições.

Ela morava numa casa alugada em Santo André, com o ex-marido, mas teve de deixar o imóvel e ir para a rua, pois perdeu o emprego informal.

Logo após o nascimento da primeira filha, o marido a agrediu e eles se separaram.

Apesar disso, a cabeleireira o aceitou de volta e ficaram juntos por mais um tempo. A união durou até o nascimento da segunda menina, ocasião em que ele foi embora e Eureni resolveu processá-lo.

O paradeiro do pai das duas crianças é desconhecido. "Ele foge para não arcar com as obrigações com as meninas", contou Eureni.

Há cerca de 6 meses ela estava morando em um albergue para mulheres no bairro do Bixiga, no centro de São Paulo, mas foi expulsa do local em 18 de junho e substituída por duas mulheres sem filhos.

Eureni afirma que foi expulsa pois a assistente social não a quis incluir num plano de autonomia. "Com o auxílio emergencial de R$ 600, as cestas básicas das crianças e a ajuda de uma amiga eu conseguiria voltar a morar sozinha", diz, mas, segundo ela, o abrigo não aceitou a proposta e a desligou.

A desempregada passa parte do dia na rua com as duas filhas, uma de 2 anos e 6 meses e outra de 11 meses, e dorme no apartamento de uma amiga.

No abrigo, Eureni conheceu uma colega obesa que pegou covid-19 e se recuperou após um período internada em UTI.

Problemas nos albergues

Segundo Edvaldo Gonçalves de Souza, 51, coordenador estadual do Movimento Nacional da População de Rua, os moradores de rua querem que os hotéis sociais saiam do papel, pois histórias como a de Eureni nos albergues são muito comuns.

"Os albergues estão falidos. Mas o maior problema é o da falta de respeito, de humanização e as humilhações pelas quais passam as pessoas em situação de rua", conta.

Segundo Souza, os albergues têm problemas de saneamento, com banheiros quebrados e infestação de piolho. Enquanto a reportagem o entrevistava, um dos manifestantes se queixava dos sanitários no equipamento de som usado pelos manifestantes: "vazam fezes dos banheiros dos albergues. Exigimos mais banheiros públicos".

Mas para o coordenador do movimento, pior que os problemas sanitários são as dificuldades causadas pelas regras dos albergues: casais não são aceitos e os moradores de rua que conseguem oportunidades perdem trabalhos por causa dos horários rígidos dos abrigos, afirma Souza.

"Esses dias mesmo conheci um casal que o marido foi para um canto e a mulher para outro", contou.

A principal mudança conseguida pelos moradores de rua organizada nos últimos anos, afirma, foi diminuir a influência religiosa nos albergues. "A presença de entidades religiosas diminuiu, mas antes muitos desses albergues obrigavam os moradores a rezar, hoje não pode mais", conta.

Prefeitura abriu hotéis sociais hoje

A prefeitura de São Paulo anunciou na tarde de hoje (8) que deu início ao programa de hotéis sociais. Dois hotéis do centro da cidade receberão, cada um, 50 moradores de rua idosos.

"São idosos que fazem parte do grupo mais vulnerável neste período de coronavírus", disse o prefeito Bruno Covas, em visita a um dos hotéis, segundo nota divulgada pela prefeitura.

Quatro secretarias atendem moradores de rua na pandemia

Segundo a Prefeitura de São Paulo, as pessoas em situação de rua estão sendo atendidas desde o início da pandemia com ações integradas pelas Secretarias Municipais de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e de Saúde, com o apoio das pastas de Esportes e Lazer (SEME) e Educação (SME).

As Secretarias Municipais de Assistência e Desenvolvimento Social, Esporte e Lazer (SEME) e Educação (SME), criaram 1.072 novas vagas para acolhimento de pessoas em situação de rua desde o início da pandemia, sendo 672 em oito equipamentos emergenciais, e outras 400 foram criadas em quatro Centros Educacionais Unificados (CEUs), "todos com funcionamento 24 horas", afirma a prefeitura em nota.

Dois centros de acolhida foram criados na Lapa (zona oeste) e na Vila Clementino (zona sul) para atender casos suspeitos e confirmados de covid-19, respectivamente.

11 pias e higiene

Na região central da cidade, a Secretaria Municipal das Subprefeituras instalou 11 pias no centro da cidade para higienização das mãos. De acordo com censo realizado pela prefeitura ano passado, 24.344 pessoas estão em situação de rua na cidade de São Paulo. Desse total, pouco menos da metade (11.693) são acolhidos nos serviços municipais. Ou seja, 12651 estão em total situação de rua.

A SMADS abriu dois núcleos de convivência no centro, onde se concentram os moradores de rua que participavam da manifestação, ampliando a oferta para 3172 vagas. Nos núcleos são servidas refeições.

O Serviço Especializado de Abordagem Social da SMADS orienta sobre a higienização das mãos e distribui sabonetes perto das pias comunitárias instaladas na cidade. A prefeitura afirma que abriu sete estações com banheiros e espaços para banho para pessoas em situação de vulnerabilidade social no Centro Histórico, cinco delas com lavanderia.