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Caso Miguel: Sarí Corte Real vira ré por crime de abandono de incapaz

Sarí Corte Real pode pegar de 4 a 12 anos de prisão - Reprodução/RedeSocial
Sarí Corte Real pode pegar de 4 a 12 anos de prisão Imagem: Reprodução/RedeSocial

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

15/07/2020 11h43Atualizada em 15/07/2020 14h58

Resumo da notícia

  • Juiz José Renato Bizerra aceita denúncia do MPPE e torna Sarí Corte Real ré pela morte do menino Miguel
  • Garoto de cinco anos morreu ao cair do nono andar do prédio onde morava Sarí
  • Ele era filho de Mirtes Renata Santana de Souza, que trabalhava como doméstica de Sarí
  • A primeira-dama de Tamandaré (PE) pode cumprir de quatro a 12 anos de prisão se for condenada
  • Defesa de Sarí terá 10 dias para responder sobre o caso

O juiz da 1ª Vara de Crimes Contra a Criança e ao Adolescente da Capital, José Renato Bizerra, aceitou a denúncia do MPPE (Ministério Público de Pernambuco) contra a primeira-dama do município de Tamandaré (PE), Sarí Mariana Costa Gaspar Corte Real, apontada pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte. Ela estava com a guarda temporária do menino Miguel Otávio Santana da Silva, 5, que morreu ao cair do 9° andar de um dos prédios do condomínio Pier Maurício de Nassau, localizado no bairro São José, área central do Recife.

Miguel é filho da empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, que trabalhava com serviços domésticos para o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), e para a mulher dele, Sarí Corte Real. No dia 2 de junho, Mirtes precisou levar o filho para o trabalho porque a creche que a criança ficara estava com as atividades suspensas devido à pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19

Agora, Sarí passa de acusada para ré no processo. O juiz analisou a denúncia do MPE antes do prazo, que é de 48 horas a contar da oferta da denúncia ocorrida na manhã de ontem. O magistrado aceitou a denúncia na noite de ontem, e na manhã de hoje o Tribunal de Justiça de Pernambuco informou a decisão do juiz.

Juiz cita indícios de autoria do crime

Na decisão de aceitar a denúncia, o magistrado afirma que "há indícios de autoria e materialidade do delito, conforme se extrai do caderno policial, bem como a legitimidade do Ministério Público para propor a ação."

O MPPE denunciou Sarí pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte, com as agravantes de cometimento de crime contra criança e em ocasião de calamidade pública, dispostos no artigo 133, do CPB (Código Penal Brasileiro), com as agravantes do artigo 61, inciso 2, alíneas "h" e "j", do CPB. Os agravantes são: a vítima ser criança e o crime ter ocorrido em meio à calamidade pública, com a pandemia do novo coronavírus.

O crime de abandono de incapaz com resultado morte tem pena de quatro a 12 anos de prisão. Com os agravantes, neste caso, a ré poderá pegar a pena máxima, caso seja condenada.

Na decisão, o juiz destacou a narrativa do Ministério Público sobre a imputação do crime de abandono de incapaz com resultado morte afirmando que "Mirtes precisou se ausentar do apartamento para efetuar uma tarefa doméstica, qual seja, passear com o animal de estimação da sua patroa, na calçada do prédio, deixando Miguel aos cuidados de Sarí durante referido interregno, passando essa a ter o papel de garantidor sobre Miguel."

O texto ressalta ainda que Miguel teria entrado diversas vezes dentro dos elevadores do prédio, sendo que na última vez não foi retirado por Sarí do equipamento e foi deixado sozinho. "Todavia, após várias trocas de elevadores, Miguel teria apertado a tecla de alguns andares e Sarí permitido que a porta se fechasse, e fazendo com que o menor se deslocasse sozinho dentro do referido meio de transporte".

E agora? O que acontece?

O magistrado ordenou que a ré seja citada da acusação no prazo de dez dias, por escrito. Desta forma, os advogados de defesa de Sarí têm dez dias, a contar da entrega da intimação, para se pronunciar sobre o caso. Caso não haja resposta, o juiz determinou que a defesa da ré seja feita, neste primeiro momento, por um defensor público.

Segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco, a defesa de Sarí poderá oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo a sua intimação, quando necessário. "Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se a acusada, citada, não constituir defensor de imediato a Secretaria encaminhará os autos à Defensoria Pública para oferecê-la. Após os autos voltam conclusos para análise".

O que diz o advogado de defesa?

O advogado Pedro Avelino, do escritório contratado para fazer a defesa de Sarí Corte Real, informou ao UOL que só vai se pronunciar sobre a denúncia contra a cliente feita pelo Ministério Público depois que tiver acesso ao teor do documento do órgão ministerial.

O que diz o advogado da mãe de Miguel?

O advogado de Mirtes Renata, Rodrigo Almendra, contou que a mãe de Miguel tinha esperança que a denúncia do MPPE contra Sarí Corte Real fosse aceita pela Justiça. "Essa era nossa expectativa. Ontem, ela ficou bastante emocionada [com a denúncia do Ministério Público], hoje não falei com ela ainda", disse Almendra.

Almendra destacou que o resultado do trabalho do MPPE seguiu a mesma linha de entendimento da Polícia Civil de Pernambuco quando o inquérito foi finalizado.

"Mirtes está muito emocionada, era o resultado esperado por ela. Analisamos que o promotor agiu num tempo bom, nessa época de pandemia e com tantos processos, ele ofereceu a denúncia antes de vencer o prazo", comentou Almendra.

O advogado de Mirtes rebateu a alegação de Sarí feita à polícia e também reforçada em entrevista ao Fantástico de que não tirou a criança do elevador porque não tinha contato com ele.

"É um preconceito absurdo não poder interagir com a criança. Todo mundo que for ler o processo começará a entender que não foi acidente, que foi abandono de incapaz com resultado morte. Mas, para Mirtes, no entendimento dela, o abandono foi impaciência, mas também vemos o preconceito de ser filho da empregada, e tudo isso que resultou na morte de Miguel", enfatizou o advogado.

Almendra destacou ainda que depois que Sarí voltou ao apartamento sem Miguel afirmou à manicure que deixou o menino "passear no elevador e a mãe que ache."

"O problema de Sarí não é se ver nacionalmente como a pessoa que abandonou uma criança e isso resultou na morte do menino, mas ela não se ver racista. Pois, a partir do momento que ela não se dirige a palavra, não pratica a autonomia de tirar a criança do elevador porque é filho da empregada, isso é também racismo", destaca o advogado.

O advogado de Mirtes disse que Sérgio Hacker o procurou na delegacia, no dia que a mãe de Miguel esteve cara a cara com Sarí, para perguntar se ele era advogado trabalhista, "pois queria resolver logo" o caso da demissão da ex-funcionária.

"Achei uma falta de respeito aquela abordagem, pois não era o momento. Ali tinha uma mãe que perdeu o filho tragicamente e estava em busca de justiça pela morte da criança. Eles acham que tudo se resolve com dinheiro, mas a vida de Miguel dinheiro não trará de volta", ressalta.

A morte de Miguel

No dia 2 de junho, Miguel foi com a mãe para o trabalho dela porque a creche que ele ficara estava com as atividades suspensas devido à pandemia do novo coronavírus. Mirtes trabalhava para o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), e para a primeira-dama, Sarí Mariana Gaspar Corte Real, havia quatro anos.

A empregada doméstica precisou sair para passear com a cadela dos patrões e deixou o menino sob os cuidados de Sarí. Com poucos minutos, o menino quis ir atrás da mãe, sendo retirado por quatro vezes do elevador, mas na quinta vez foi deixado sozinho por Sarí no equipamento. Segundo a polícia, ela não fez o monitoramento do elevador para onde o menino estava indo e voltou a fazer o embelezamento das unhas com uma manicure dentro do apartamento, que fica no 5º andar.

Miguel caiu de uma altura de 35 metros enquanto estava perdido e procurava pela mãe. O delegado Ramon Teixeira, responsável pelas investigações, afirmou que possivelmente o menino não tinha noção que estava no 9º andar, avistou a mãe na calçada do condomínio e quis ir atrás dela, mas acabou caindo da grade em queda livre e morreu durante atendimento no hospital da Restauração, localizado na área central do Recife.

Mirtes afirmou, em entrevista ao UOL, que confiou o filho dela à ex-patroa da mesma forma que Sarí deixava os filhos aos cuidados da empregada doméstica. Ela disse que está vivendo o pior momento da vida dela ao perder o filho.

"Como pode um adulto não ter a capacidade de tirar meu filho do elevador? A primeira vez que eu confiei meu filho a ela ele foi terça, eu nunca tinha deixado ele com ela, e ele foi pra morte", questionou a mãe de Miguel.

A prisão e a soltura da patroa

Sarí Corte Real chegou a ser detida em flagrante pelo crime de homicídio culposo (quando não há intenção de matar), mas pagou fiança de R$ 20 mil e foi liberada para responder pelo crime em liberdade.

Em entrevista ao programa Fantástico, da Globo, na semana passada, a primeira-dama de Tamandaré diz ser alvo de perseguição e afirma ter medo de ser linchada.

"Terríveis [os dias]. Vivo no psiquiatra, preciso de remédio para dormir. As pessoas me julgaram antes mesmo de a Justiça me julgar, não tive nem tempo de me defender. Hoje eu não posso sair na rua, tenho medo de ser linchada. Não posso correr, não posso fazer nada. Eu, hoje, estou numa prisão dentro da minha casa", disse.

Prefeito teve bens bloqueados

Em 1º de julho, a Justiça determinou o bloqueio parcial de bens do prefeito Sérgio Hacker no valor de R$ 580 mil a pedido do Ministério Público Estadual porque ele colocou as três empregadas domésticas que trabalhavam para ele como servidoras comissionadas da prefeitura. Na ação, o prefeito é acusado de enriquecimento ilícito e atos de improbidade administrativa. O MPE pediu o bloqueio do dinheiro, equivalente ao valor de R$ 193 mil pagos as empregadas doméstica no período que elas foram empregadas pelo prefeito e multa para ressarcimento do dano ao erário.

O prefeito de Tamandaré também está sendo investigado pela Draco (Departamento de Repressão ao Crime Organizado), da Polícia Civil de Pernambuco, por supostamente empregar funcionários fantasmas na administração municipal. A Prefeitura de Tamandaré informou que Hacker devolveu os valores pagos pelos cofres municipais às empregadas domésticas do prefeito e que "não houve dano ao erário com a devolução da quantia".