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Milionário alega problema financeiro, e Justiça reduz fiança em R$ 199 mil

Condomínio de luxo em Cuiabá onde uma adolescente de 14 anos teria atirado na amiga de forma acidental - Reprodução / Google Maps
Condomínio de luxo em Cuiabá onde uma adolescente de 14 anos teria atirado na amiga de forma acidental Imagem: Reprodução / Google Maps

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Recife

21/07/2020 00h46

O desembargador plantonista do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Rondon Bassil Dower Filho, minorou em R$ 199 mil — de R$ 209 mil para R$ 10 mil — o valor da fiança a ser paga por um empresário milionário preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo. A filha do empresário, de 14 anos, é suspeita de ter atirado e matado a adolescente Isabele Guimarães Ramos, também de 14 anos, no último dia 12, na mansão da família, localizada em um condomínio de luxo em Cuiabá.

O nome do empresário não será divulgado para preservar a identidade da filha dele, a adolescente suspeita de ter atirado na amiga.

A morte da adolescente é investigada como acidente pela Polícia Judiciária Civil do Mato Grosso. A polícia encontrou sete armas de fogo na casa do empresário, sendo duas delas sem registro no nome do empresário. Preso em flagrante delito, ele pagou R$ 1 mil de fiança, valor estipulado pela polícia, após prestar depoimento, para responder pelo suposto crime em liberdade provisória. Dias depois, a Justiça majorou para R$ 209 mil o valor da fiança.

A defesa do empresário recorreu dessa decisão e alegou que ele passa por dificuldades financeiras e não teria condições de pagar o montante. O desembargador Rondon Bassil Dower Filho, que estava no plantão de anteontem (19), deferiu a tutela de urgência a pedido dos advogados do empresário para suspender os efeitos da decisão do juiz João Bosco Soares da Silva, da décima vara criminal de Cuiabá. Dessa forma, o valor foi reduzido para R$ 10 mil.

No pedido acatado pelo desembargador, a defesa do empresário afirma que ele "está passando por severa dificuldade de liquidez financeira em período de pandemia, o que está afetando a todos, impossibilitando-o de dispor da soma de R$ 209 mil".

Segundo pesquisa realizada por fontes do UOL, o empresário é sócio-proprietário de uma empresa de telecomunicações que presta serviço ao governo federal e tem contratos diversos com estados e órgãos públicos, com capital de R$ 10,4 milhões; possui um avião particular, modelo 58 Beech Aircraft, um carro importado esportivo modelo Lamborghini G Spyder, de cor amarela, avaliado em R$ 640 mil, além de seis imóveis de luxo no nome dele, sendo um deles a mansão no condomínio onde a adolescente morreu.

Fiança de R$ 1 mil é 'irrisória', disse juiz

O Ministério Público Estadual e a família da vítima questionaram na Justiça o valor inicial de R$ 1 mil, por ser desproporcional à condição financeira do empresário. A família da adolescente Isabele pediu o reforço da fiança no valor de R$ 1 milhão, e a manifestação do Ministério Público foi pelo valor correspondente a 100 salários mínimos.

O juiz João Bosco Soares da Silva majorou a fiança para R$ 209 mil (equivalente a 200 salários mínimos) a ser paga pelo empresário no prazo de cinco dias, a contar do dia de entrega da citação, que foi na última quarta-feira (15). O prazo se encerraria ontem (20). Na decisão, o magistrado afirma que, caso haja descumprimento da ordem, o empresário poderá perder a liberdade provisória.

O juiz Silva destacou que o valor da fiança estipulada em R$ 1 mil pela autoridade policial é "irrisório" e "incompatível" com a realidade financeira do empresário. O magistrado afirmou ainda que o valor sequer "cobre as custas do processo criminal, quanto mais de suportar a devida reparação dos danos sofridos por terceiros".

A morte da adolescente com um tiro

Isabele Ramos tinha ido à casa da colega para fazer um bolo no domingo (12), e acabou atingida por um tiro na narina que saiu pela cabeça. A adolescente morreu antes do socorro, dentro de um dos banheiros do imóvel.

A polícia afirmou que a cena do crime teria sido modificada e investiga o porquê. Investiga também a responsabilidade do empresário pela filha ter manuseado uma arma de fogo e pelas armas não registradas em seu nome.

Segundo o advogado do empresário, Rodrigo Pouso, o namorado da filha do empresário levou duas pistolas para casa da família. Elas estão no nome do pai do rapaz de 16 anos, e de uma delas teria partido o tiro que matou a adolescente de 14 anos.

O namorado da filha do empresário e o pai dele, que não tiveram os nomes divulgados, prestaram depoimento à polícia na tarde de ontem — o conteúdo não foi divulgado. O empresário e a filha foram ouvidos pela polícia no último dia 14.

A família do empresário diz que a adolescente estaria com as armas para guardá-las no cofre da casa, mas teria se desequilibrado e uma das pistolas caiu no chão, disparando contra Isabele Ramos.

O caso começou a ser investigado pela DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), mas foi repassado para a DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente). A Polícia Judiciária Civil do Mato Grosso informou que não repassará detalhes da investigação até a conclusão do inquérito.

O advogado da defesa, Rodrigo Pouso, afirmou que nenhuma arma é ilegal. "Todas são legais e as seis já foram devolvidas. Todas são esportivas. As únicas que estão apreendidas são as duas, que são legais, mas estavam no endereço errado. São do pai do namorado da menina", justificou. Pouso destacou que as armas "eram para estar na casa dele, mas estavam na casa da menina. Não tem isso de armas ilegais".

O UOL tentou contato com a família de Isabele e com o advogado Helio Nishiyama, que representa a família da adolescente, mas não conseguiu. Na semana passada, após a majoração da fiança, Nishiyama afirmou ao UOL que a família da garota classificou como "absurdo e ofensivo" o valor de R$ 1 mil arbitrado pela autoridade policial para que o empresário fosse liberado para responder pelo crime em liberdade.

"Ele mora num condomínio de alto padrão, tem um carro de luxo, modelo Lamborghini, na garagem, que eu próprio vi, tem avião para uso próprio e é sócio de uma empresa com capital avaliado em R$ 10,4 milhões", pontuou o advogado.

Na ocasião, Nishiyama afirmou que na decisão do juiz João Bosco Soares da Silva "houve um equilíbrio" de valores e que a família "aceita a decisão do magistrado", quando ficou definida uma fiança de R$ 209 mil.

Isabele é filha do médico neurocirurgião Jony Soares Ramos, que morreu aos 49 anos, em 2018, depois que uma vaca atravessou a MT-251 e ele não conseguiu desviar do animal. O médico estava em uma motocicleta BMW e morreu no local do acidente. Ele era conhecido no Mato Grosso porque realizou a primeira cirurgia para curar um paciente acometido pelo mal de Parkinson.

'Coação ilegal', afirma defesa do empresário

A defesa do empresário afirmou em juízo que ele "vem sendo submetido a coação ilegal" desde que o juízo da 10ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá majorou o valor da fiança arbitrada e que, "no mesmo ato, determinou que a autoridade policial o indiciasse nas sanções do crime de homicídio culposo", destacou o desembargador Dower Filho.

"Sob a ótica dos impetrantes, essa decisão padeceria de nulidade pelos seguintes motivos: a) ao paciente não foi oportunizado prévio exercício do contraditório; b) o indiciamento é ato privativo da autoridade policial e c) desproporcionalidade entre o valor da fiança arbitrado judicialmente e a natureza da conduta criminosa", afirma o desembargador, completando que o Ministério Público "olvidou-se de ouvir quem iria suportar a medida, em manifesta violação ao princípio do contraditório."

Na decisão, o desembargador prossegue destacando o indiciamento "pelo suposto cometimento do crime de homicídio culposo, no seio dos autos de uma posse ilegal de arma de fogo, revela-se nulo, uma vez que determinado pelo juiz de 1ª instância, o qual, assim como o Ministério Público, não detém legitimidade para imiscuir-se na discricionariedade privativa do delegado de polícia, a quem exclusivamente cabe a prática deste ato administrativo".

O desembargador reforça ainda que o pronunciamento contra o empresário "não veio precedido de prévia oitiva" e "nem mesmo contemplou as razões pelas quais a garantia do contraditório prévio precisou ser afastada".