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Gerente do AM diz que governador articulou compra irregular de respiradores

Wilson Lima, governador do Amazonas - Maurilio Rodrigues/Secom
Wilson Lima, governador do Amazonas Imagem: Maurilio Rodrigues/Secom

Rosiene Carvalho

Colaboração para o UOL, em Manaus

25/07/2020 04h04Atualizada em 26/07/2020 14h06

Alcineide Figueiredo Pinheiro, ex-gerente de compras da Secretaria de Saúde do Amazonas, declarou em depoimento que a compra superfaturada de 28 respiradores inadequados foi articulada diretamente pelo governador Wilson Lima (PSC). Os equipamentos foram negociados com uma loja de vinhos em meio ao caos gerado pelo coronavírus no estado, como noticiou o UOL.

Em depoimento prestado à PF (Polícia Federal) em 30 de junho, Alcineide afirmou que "Alencar", como é apontado o operador da negociação, foi indicado pelo governador para "ajudar" nas compras, como mediador entre a secretaria e os fornecedores durante a pandemia. Através da Secretaria de Comunicação, o governo de Amazonas nega a participação de Lima. "Alencar" foi procurado pelo UOL, mas não respondeu.

Fontes do UOL no meio jurídico e político no Amazonas informam que o "Alencar" citado seria Guttemberg Alencar, empresário e militar da reserva da Polícia Militar, conhecido por ser uma pessoa que circula entre políticos do estado há vários governos.

Segundo a ex-gerente de compras informou à PF, Alencar foi apresentado a ela pelo então secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, e pelo secretário executivo da pasta, João Paulo, na própria secretaria. Ambos não responderam a tentativas de contato do UOL.

O depoimento acrescenta que Alencar "compraria" os respiradores para o estado pagá-lo posteriormente.

"Que como a Susam (Secretaria de Saúde do Amazonas) não tinha meios de comprar à vista, Alencar compraria os respiradores ou ventiladores para o estado; que posteriormente o estado deveria pagá-lo; que não foi esclarecida a forma de pagamento por parte do estado; que Alencar estaria oferecendo sua ajuda a pedido do governador".

Gerente afirma que alertou secretário de Saúde sobre respiradores

Alcineide declarou à PF que durante as tratativas da compra, suspeitou do esquema e verificou que os respiradores não serviam para entubar pacientes com covid-19 em UTIs. Ela afirmou ter alertado os secretários, e que recebeu a orientação de continuar o negócio porque era uma ordem do governador.

O governo do Amazonas informou que as secretarias possuem autonomia administrativa e de gestão e não há a necessidade de consulta ao governador para a aquisição de produtos ou serviços. "Desta forma, não procede a informação de que o governador tenha ordenado ou interferido no processo de aquisição desses equipamentos", informou a Secretaria de Comunicação.

A gerente de compras afirma que Alencar passou a ligar inúmeras vezes ao dia para passar a ela contatos e propostas. Alcineide diz que o homem que ela diz ser operador do governador a questionava sobre quais propostas preenchiam requisitos da Susam. Em caso positivo, ele compraria os produtos, afirma o depoimento.

De acordo com Alcineide, Alencar fez o contato entre a Susam e as duas empresas suspeitas de participarem do esquema de fraude e superfaturamento na compra. A ex-gerente de compras afirmou que o contato com uma das sócias da empresa Sonoar foi feito por Alencar na presença de Alcineide e dos dois secretários no dia em que foram apresentados, em 21 de março.

Equipamentos passaram por duas empresas em duas horas e meia

A Sonoar é a empresa que mais lucrou no negócio e vendeu os respiradores à Vineria Adega duas horas e meia antes da mesma vender os aparelhos ao Governo do Amazonas.

A Operação Sangria descobriu que o marido da ex-secretária de Comunicação e amiga de Wilson Lima, Daniella Assayag, é sócio da Sonoar. A suspeita é que a loja de vinhos tenha entrado na compra para evitar que o negócio envolvesse uma pessoa próxima a uma secretária de estado.

A ex-secretária o marido Luiz Avelino negam envolvimento na irregularidade, bem como que ele seja sócio da Sonoar.

O contato entre a Susam e o dono da loja de vinhos, segundo a gerente de compras, também foi feito por Alencar e com a anuência dos secretários. "Que em nenhum momento Rodrigo Tobias e João Paulo falaram no nome de Fábio Passos (dona da loja de vinhos), mas deixaram claro que Alencar seria a pessoa que resolveria a questão", diz o depoimento.

"Fábio queria receber", aponta gerente em depoimento

A gerente de compras descreve no depoimento etapas do processo que tinham problemas e eram corrigidas para enquadrar os respiradores da Sonoar e a venda pela loja de vinhos. Ela também afirma que sofreu pressão para dar agilidade na compra dos aparelhos inadequados. Disse que a justificativa era que "Fábio queria receber".

Segundo a gerente, a cobrança veio até do presidente da CGL (Comissão Geral de Licitação) do Estado do Amazonas, Walter Siqueira.

Siqueira negou que tenha cobrado a gerente de compras pelo pagamento de Fábio Passos e disse ao UOL que, ao contrário, ele foi procurado por ela para agilizar o pagamento do dono da loja de vinhos na Sefaz. Ele afirmou ainda que não tem relação com Passos e que a CGL emitiu parecer indicando que a empresa não tinha atestado de capacidade técnica para a venda. Ele também afirmou que de fato mantinha contato com a Susam para acompanhar compras da pandemia, que é sua função.

PF chegou a pedir a prisão do governador

O governador Wilson Lima é alvo da investigação que tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, segundo a Subprocuradoria-Geral da República, comanda e orienta fatos ilícitos no governo estadual e tinha conhecimento das irregularidades na compra de respiradores.

Para a subprocuradoria, uma organização criminosa se instalou no governo do Amazonas e se aproveitou do momento de calamidade para desviar recursos públicos. A PF chegou a pedir a prisão do governador do Amazonas, mas o ministro do STJ Francisco Falcão negou o pedido.

O UOL revelou em abril que os aparelhos foram adquiridos com sobrepreço que ultrapassava os 300%. Em outra reportagem, mostrou que o governo ignorou uma proposta mais barata.

A Sonoar comprou os respiradores de fornecedores em outros estados a um total de R$ 1 milhão e os vendeu por R$ 2,4 milhões num intervalo de seis dias.