Topo

Witzel diz que decisão do STF aumentou criminalidade; dados o contradizem

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) - Tânia Rêgo - 25.jan.2019 /Agência Brasil
O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC) Imagem: Tânia Rêgo - 25.jan.2019 /Agência Brasil

Igor Mello e Nathan Lopes

Do UOL, no Rio e em São Paulo

05/08/2020 04h00Atualizada em 05/08/2020 07h48

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), enviou ao STF (Supremo Tribunal Federal) manifestação em que culpa decisão da Corte —que proibiu operações policiais em favelas durante a pandemia— por suposto aumento de ações da criminalidade em comunidades. Para a polícia do Rio, a decisão do Supremo cria uma "zona de proteção ao crime organizado".

Enviado nesta semana, o documento não apresenta contudo dados concretos que relacionem a suspensão das incursões policiais à suposta maior incidência de crimes. Pesquisa da UFF (Universidade Federal Fluminense) e dados do próprio governo do Rio apontam que a decisão do Supremo provocou o efeito contrário.

Em 5 de junho, o ministro Edson Fachin concedeu medida cautelar para que "não se realizem operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia da covid-19". Na segunda, o plenário do STF formou maioria a favor da liminar de Fachin. Hoje, o sistema do Supremo informou que a votação sobre a cautelar, com nove votos a favor da medida e dois contra, dos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. A medida do ministro foi uma resposta à ação do PSB para que Witzel explique sua política de segurança.

Pesquisa aponta menos mortes e crimes

Na contramão do que diz o governo do Rio, estudo da UFF (Universidade Federal Fluminense) apontou que caiu 72,5% o número de mortes decorrentes de ações da polícia em comunidades. O dado é referente ao primeiro mês após a decisão de Fachin.

Segundo a pesquisa, entre 5 de junho e 5 de julho, o número de operações policiais diminuiu 78%. No mesmo período, houve queda de cerca de 40% na quantidade de crimes contra a vida e o patrimônio.

Mas, para o governo fluminense, a decisão de Fachin resultou em:

  • "aumento expressivo de disputas territoriais entre grupos criminosos";
  • "utilização de instituições de ensino dentro das comunidades, esvaziadas pelo isolamento social, em áreas de preservação do crime, inatingíveis por policiamento, no momento, em razão do deferimento da liminar";
  • "intensificação da ação de milícias";
  • "tiroteios entre facções rivais de narcotraficantes";
  • "fatos que apontam o efeito reverso do pretendido com a presente ação";

A restrição da atuação policial fortalece as estratégias de expansão das organizações criminosas, colocando a vida dos moradores em risco, com a ocorrência de disputas entre narcotraficantes de facções rivais, assim como permitindo o livre trânsito de milicianos armados dentro das comunidades

Trecho do documento assinado pela Procuradoria-Geral do Estado

Apesar de dados do ISP (Instituo de Segurança Pública) apontarem queda nas mortes violentas durante o período com restrições nas operações, o governo do Rio sustenta no documento que "qualquer conclusão sobre a relação entre os índices criminais e a letalidade nas ações operacionais, ou qualquer outro fator, depende de uma análise por período de tempo maior do que alguns meses do corrente ano, ainda mais sob circunstâncias tão peculiares como as atuais (PANDEMIA COVID-19)".

Porém, em menos de um ano da gestão Witzel, o governo fluminense já atribuía —sem evidências— queda da criminalidade ao aumento de homicídios cometidos por policiais. Esse argumento é novamente citado na manifestação ao STF. Levantamento feito pelo UOL em fevereiro mostra contudo que a redução de homicídios foi maior em áreas onde as mortes por intervenção de agentes do estado também caíram.

Sem dados precisos

Para embasar seu posicionamento, o governo fluminense utiliza um relatório de 87 páginas feito pela SSPIO (Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional), da Polícia Civil. O documento, em tese, analisa os efeitos da cautelar de Fachin entre 5 de junho e 3 de agosto. Ele, porém, não apresenta dados concretos e precisos referentes ao período.

A subsecretaria diz que, nos últimos dois meses, houve registros de "mais de 50" disputas territoriais entre milicianos e traficantes ou entre facções criminosas. Contudo, o agravamento dos conflitos entre facções já vinha ocorrendo antes mesmo da decisão do STF.

Com algumas fotos, mas sem revelar informações que permitam mensurar a situação, o relatório diz que instituições de ensino estão sendo utilizadas "como bases operacionais para guarda de armas e drogas, de carga roubada, comércio de drogas".

Da mesma forma, o documento cita que "dados do Disque Denúncia apontam que aumentou sobremaneira a instalação de barricadas" pelo crime organizado em comunidades, restringindo acesso a serviços essenciais. Somente reportagens são utilizadas como base para os argumentos e há referência a dados de antes da proibição de operações.

Opiniões

De forma opinativa, o relatório diz que os autores da ação estariam movidos por questões "ideológicas".

"Com o completo domínio de 1.413 favelas por cerca de 56.520 criminosos fortemente armados, chega-se à conclusão de que quaisquer organizações sociais e ditos ativistas que atuam nesses locais podem vir a sofrer intervenções violentas ou não, verbais, ameaçadoras, de conivência ou de identificação ideológica, que nos leve a suspeitar e a fazer maior depuração sobre as duras críticas que fazem ao trabalho policial", escreveu o delegado de polícia Felipe Lobato Curi, subsecretário da SSPIO.

Segundo a pasta, as 1.814 ocorrências de "morte por intervenção de agente de estado" em 2019 deveriam ser vistas como "1.814 tentativas de homicídio, tendo como vítimas os policiais civis e militares, os quais estariam mortos se não conseguissem neutralizar os seus opositores".