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MP investiga delegado e policiais em caso de jovem morta com tiro na cabeça

Mãe folheia álbum de fotos da vítima Isabele, morta aos 14 anos com um tiro na cabeça - Reprodução/TV Globo
Mãe folheia álbum de fotos da vítima Isabele, morta aos 14 anos com um tiro na cabeça Imagem: Reprodução/TV Globo

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, no Recife

14/08/2020 00h31Atualizada em 03/09/2020 10h59

As condutas de um delegado, dois policiais civis e um policial militar que estiveram no condomínio de Cuiabá, onde a adolescente Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, foi morta com um tiro na cabeça, estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, pela corregedoria geral de polícia e também pela Polícia Civil de MT.

As autoridades investigam se o local em que Isabele morreu foi alterado e, ainda, se os policiais que foram até a mansão de forma não oficial intervieram na investigação inicial do fato.

Isabele morreu atingida por um tiro na cabeça na noite do dia 12 de julho. Ela tinha ido ao local por ser amiga dos donos do imóvel para fazer um bolo. Uma das filhas do proprietário da mansão, também de 14 anos, é investigada por supostamente estar com duas pistolas no momento em que Isabele foi baleada e morta.

O caso é investigado pela DEA (Delegacia Especializada do Adolescente) e pela Deddica (Delegacia dos Direitos da Criança e do Adolescente de Cuiabá). Inicialmente, a polícia informou que a morte de Isabele era tratada como acidente, mas atualmente afirma que "todas as circunstâncias envolvendo o crime são objeto de apuração".

Isabele Guimarães Ramos morava no mesmo condomínio local do crime. Ela é filha do neurocirurgião Jony Soares Ramos, que morreu aos 49 anos, em 2018, em um acidente na MT-251. Ele era conhecido no Mato Grosso porque realizou a primeira cirurgia para curar um paciente acometido pelo mal de Parkinson.

Policiais investigados

As autoridades investigam por que os três policiais foram ao local, de forma particular, após a morte da garota.

"A investigação identificou que, logo após os fatos, estiveram no local dois policiais civis e um militar, que já foram ouvidos em depoimento. O fato relacionado à presença dos policiais civis na residência em que ocorreu a morte da adolescente está sendo apurado em procedimento próprio instaurado pela Corregedoria da Polícia Civil", disse a Polícia Civil de Mato Grosso.

suspeita de que a cena do crime foi modificada, pois duas testemunhas relataram, durante oitivas, que a limpeza do espaço em que o corpo estava era incompatível com o local de uma morte com tiro na cabeça e com grande derramamento de sangue.

Além disso, testemunhas relataram que a arma de onde partiu o disparo que atingiu Isabela não estava no local próximo ao corpo, e outros armamentos, que estariam em uma mesa, foram recolhidos durante a chegada do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Isabele morreu antes de receber o socorro do Samu.

Os laudos periciais de balística e do local da morte de Isabele apontaram que o disparo da arma de fogo foi a curta distância e não aconteceu de forma acidental. Segundo perícia, a arma que disparou contra Isabele teve o gatilho acionado e, "no ato do disparo, o agente agressor posicionou-se frontalmente em relação à vítima, sustentou a arma a uma altura de 1,44 m do piso".

Logo após o crime, em um telefonema para o Samu, o pai da menor investigada afirmou que Isabele tinha levado uma queda e batido com a cabeça no chão do banheiro. Ainda na ligação telefônica, ele disse que a vítima estava perdendo muito sangue, contrariando a cena que foi encontrada pelo médico neurocirurgião Wilson Guimarães Novais.

Delegado investigado

O delegado de plantão que atendeu a ocorrência é investigado por ter arbitrado o valor de R$ 1 mil de fiança para o pai da adolescente investigada responder pelo crime de posse ilegal de arma de fogo em liberdade provisória. O valor é incompatível com a condição financeira do empresário, que é milionário. O UOL tentou localizar o delegado, na noite de ontem, mas não conseguiu.

"O ato envolvendo o arbitramento de fiança na fase inicial da apuração da morte de Isabele, realizada pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, e que fora posteriormente objeto de revogação por decisão judicial, além de outras circunstâncias apontadas na investigação inicial, também estão sendo apurados pelo órgão de controle interno, a fim de zelar pela total transparência dos trabalhos prestados pela instituição à sociedade mato-grossense", informou a Polícia Civil.

O valor da fiança mudou três vezes — majorou para R$ 209 mil, depois minorou para R$ 10 mil e a última decisão judicial elevou o valor a ser pago para R$ 52,2 mil. O Ministério Público solicitou que a fiança alcance o valor de 100 salários mínimos, mas a Justiça ainda não analisou o pedido.

O pai da suspeita de efetuar o disparo foi preso em flagrante e indiciado pelos crimes de porte e posse ilegal de arma de fogo, além de fornecimento de arma a menor de 18 anos. Segundo a polícia, foram encontradas sete pistolas na casa do empresário, sendo apenas uma regular. Duas pistolas pertencem ao pai do namorado da investigada — o jovem de 16 anos levou as armas para o local e uma delas foi a que disparou matando Isabele.

Defesa da família da menor investigada

O advogado Ulisses Rabaneda, contratado para fazer a defesa da menor investigada e do pai dela, disse ao UOL, na noite de ontem, que um dos policiais é o presidente da Federação de Tiro do Mato Grosso e que ele esteve lá na condição de representante da instituição, pois a família do empresário é praticante de tiro esportivo.

"Os outros dois policiais são amigos [do empresário] e lá estiveram, assim como amigos da família da vítima lá compareceram", informou.

Sobre o resultado da perícia, Rabaneda enfatizou que a análise pericial converge com a afirmação da adolescente de que "o gatilho foi acionado" e tal fato foi "admitido", em depoimento colhido pela polícia durante as investigações.

"A constatação do laudo de local de fato de que o disparo ocorreu a pequena distância e de maneira frontal, ao contrário do que sugerido em algumas publicações, não diverge da disposição fática do evento relatada por B. de O. C.", afirmou o texto de Rabaneda.

A defesa informou que ainda está analisando os laudos que foram concluídos e que podem "antecipar a existência de algumas imprecisões, as quais serão alvo de pedido de esclarecimentos em momento oportuno".

Reconstituição do crime

O inquérito que investiga a morte da adolescente deveria ter sido concluído na última terça-feira (11), mas o prazo foi prorrogado porque as investigações não foram concluídas.

Na próxima terça (18), equipes da DEA, da Deddica e da Politec devem realizar uma reprodução simulada da morte de Isabele no condomínio de Cuiabá, baseada nos depoimentos de pessoas envolvidas no caso, além do exame pericial empregado para tirar possíveis dúvidas que surgiram ou possam surgir durante a análise do conjunto de provas coletadas no inquérito — como laudos, relatórios, depoimentos, entre outros.

A polícia não informou se a reconstituição contará com a participação dos investigados e nem o horário em que ocorrerá. "O detalhamento das investigações deve ser mantido em resguardo com o objetivo de não causar prejuízo aos trabalhos desenvolvidos", informou a Polícia Civil.

A Polícia Civil de Mato Grosso ressaltou que está utilizando todos os "recursos investigativos e técnicos existentes para esclarecer o crime que chocou a sociedade mato-grossense e todo o Brasil."