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Caso Miguel: Justiça de PE prorroga prazo para ex-patroa apresentar defesa

Sarí Mariana Gaspar Corte Real, em entrevista ao Fantástico - Reprodução/Globo
Sarí Mariana Gaspar Corte Real, em entrevista ao Fantástico Imagem: Reprodução/Globo

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, no Recife

03/09/2020 17h50

Os advogados da primeira-dama do município de Tamandaré (PE), Sarí Mariana Gaspar Corte Real, ré no processo da morte de Miguel Otávio Santana da Silva, 5, conseguiram adiar por mais dez dias o prazo para apresentar a defesa definitiva dela sobre o caso. O menino morreu ao cair do 9º andar de um prédio do condomínio Pier Maurício de Nassau, localizado na área central do Recife, após ser abandonado no elevador por Sarí, que era patroa da mãe dele, Mirtes Renata Santana de Souza.

A decisão do TJPE (Tribunal de Justiça de Pernambuco) ocorreu na última terça-feira (1º), após o encerramento do prazo inicial, que era dia 29 de agosto. Agora, os advogados têm até o dia 10 deste mês para apresentar o documento em definitivo.

Sarí assinou a citação da Justiça no dia 19 de agosto e tinha o prazo de dez dias a contar do recebimento da intimação para que os advogados apresentassem a defesa dela ao juiz de direito José Renato Bizerra, titular da 1ª Vara dos Crimes Contra Criança e Adolescente da Capital. O TJPE informou que o mandado de citação de Sarí Corte Real foi expedido no dia 28 de julho.

Os advogados de Sarí apresentaram uma defesa, mas também ingressaram com pedido de prorrogação do prazo à Justiça para que uma nova resposta fosse produzida. Eles alegaram não ter conseguido acessar o processo corretamente porque há partes digitais e partes físicas, sem seguir ordem, para que fosse produzida defesa "robusta." Os advogados de Sarí informaram que deverão apresentar uma nova defesa dentro do novo prazo.

"Apresentamos uma resposta, mas também a alertamos que tivemos dificuldade de acesso ao processo todo, em ordem, porque a peça não está compilada totalmente. Vimos que não tem uma sequência lógica de páginas, pois partes estão em forma física e outras digitalizadas", justificou o advogado Pedro Avelino.

O TJPE admitiu que os autos do processo podem estar com peças fora da sequência e, por isso, atendeu ao pedido de prorrogação da defesa de Sarí para que a resposta da ré não seja prejudicada.

"Os motivos para o deferimento da extensão do prazo referem-se ao fato de que a ação judicial, apesar de ter o seu trâmite disponibilizado digitalmente, trata-se de um processo físico, e o juízo entendeu ser um direito da defesa a concessão da carga dos autos para não dificultar a produção da resposta para a acusação, uma vez que digitalmente as peças podem encontrar-se sem a sequência de numeração correta", justificou o TJPE.

Sarí foi denunciada pelo Ministério Público Estadual pelo crime de abandono de incapaz com resultado morte. Caso seja condenada, o crime prevê a pena de quatro a 12 anos de prisão. Ela aguarda julgamento em liberdade provisória após ter sido presa em flagrante e pagar R$ 20 mil de fiança.

Campanha

Uma campanha em vídeo intitulada "Ouçam Mirtes, mãe de Miguel" foi divulgada ontem, dia que completou três meses da morte do menino. Familiares de Miguel, artistas, militantes, ativistas e advogados gravaram vídeo com frases ditas pela mãe do menino durante o enfrentamento da morte do menino.

Dentre as pessoas que participaram do vídeo, estão Mirtes Renata, Marta Santana, avó de Miguel, e artistas, como Lia de Itamaracá, Erika Januza, Mariana Ximenes, Débora Falabela, Gio Ewbank, Fabiana Carla, Julia Lemmertz e a apresentadora Angélica. No vídeo, elas vestiram blusas com frases ditas por Mirtes.

O vídeo foi realizado conjuntamente pela Articulação Negra de Pernambuco, Mana Bernardes e a família de Miguel, em parceria com o Gajop (Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares), o Coletivo Negritude do Audiovisual em Pernambuco e outros movimentos sociais. A produção musical do vídeo foi do músico, cantor e compositor Marcelo Jeneci. "Há o temor de que o poder financeiro e a influência política de Sarí interfiram no julgamento do caso", dizem os produtores da campanha.

A artista plástica Mana Bernardes é responsável pela concepção artística da camiseta usada pelas artistas. "A fala de Mirtes precisa ser ouvida. Ela quer Justiça por amor ao filho. Essa narrativa tem o poder de mover as estruturas", ressalta Mana Bernardes.

"A forma como a vida de Miguel foi ceifada é mais um exemplo das consequências das profundas desigualdades que marcam o Brasil. Todas as pessoas precisam pensar sobre isso e se posicionar", defende Mônica Oliveira, da Anepe (Articulação Negra de Pernambuco).

Ataques virtuais

Na semana passada, a família de Miguel sofreu ataques virtuais em redes sociais depois que ingressou com ação civil pedindo indenização por danos morais e materiais no valor de R$ 987 mil a Sari Corte Real. A ação foi ajuizada na 3ª Vara Cívil da Capital.

"Muito grata a todos que estão participando da campanha, que vai fortalecer a nossa batalha e nossa busca de Justiça por Miguel", afirmou Mirtes.

Além desse processo, a mãe e a avó de Miguel ingressaram com uma ação trabalhista referente ao vínculo de emprego que não foi formalizado pelo casal Sarí e Sérgio Hacker.

A morte de Miguel

Mirtes de Souza precisou sair para passear com a cadela dos patrões e deixou o menino sob os cuidados de Sarí. Com poucos minutos, o menino quis ir atrás da mãe, sendo retirado por quatro vezes do elevador, mas na quinta vez foi deixado sozinho por Sarí no equipamento. Segundo a polícia, ela não fez o monitoramento do elevador para ver a trajetória do menino e voltou a fazer o embelezamento das unhas com uma manicure dentro do apartamento, que fica no 5º andar.

Miguel caiu de uma altura de 35 metros enquanto estava perdido e procurava pela mãe. O delegado Ramon Teixeira, responsável pelas investigações, afirmou que possivelmente o menino não tinha noção de que estava no 9º andar, avistou a mãe na calçada do condomínio e quis ir atrás dela, mas acabou caindo da grade em queda livre e morreu durante atendimento no hospital da Restauração, localizado na área central do Recife.

Mirtes afirmou, em entrevista ao UOL, que confiou o filho dela à ex-patroa da mesma forma que Sarí deixava os filhos aos seus cuidados. Ela disse que está vivendo o pior momento da vida ao perder o filho.

"Como pode um adulto não ter a capacidade de tirar meu filho do elevador? Foi a primeira vez que eu confiei meu filho a ela, eu nunca tinha deixado ele com ela, e ele foi para a morte", disse a mãe de Miguel.

Sarí Corte Real chegou a ser detida em flagrante pelo crime de homicídio culposo (quando não há intenção de matar), mas pagou fiança de R$ 20 mil e foi liberada para responder pelo crime em liberdade provisória.

Em entrevista ao programa Fantástico, da rede Globo, Sarí disse ser alvo de perseguição e afirma ter medo de ser linchada.

"Terríveis [os dias]. Vivo no psiquiatra, preciso de remédio para dormir. As pessoas me julgaram antes mesmo de a Justiça me julgar, não tive nem tempo de me defender. Hoje eu não posso sair na rua, tenho medo de ser linchada. Não posso correr, não posso fazer nada. Eu, hoje, estou numa prisão dentro da minha casa", relatou.

Prefeito teve bens bloqueados

A Justiça determinou o bloqueio parcial de bens do prefeito Sérgio Hacker no valor de R$ 580 mil, a pedido do MPE, no dia 1º de julho, porque ele colocou as três empregadas domésticas que trabalhavam para ele como servidoras comissionadas da prefeitura — sendo Mirtes Renata, mãe de Miguel, e Marta Santana, avó de Miguel.

Na ação, o prefeito é acusado de enriquecimento ilícito e atos de improbidade administrativa. O MPE pediu o bloqueio do dinheiro, equivalente ao valor de R$ 193 mil pagos às empregadas domésticas no período em que elas foram empregadas pelo prefeito e multa para ressarcimento do dano ao erário.

O prefeito de Tamandaré também está sendo investigado pela Draco (Departamento de Repressão ao Crime Organizado), da Polícia Civil de Pernambuco, por supostamente empregar funcionários fantasmas na administração municipal.

A Prefeitura de Tamandaré informou que Hacker devolveu os valores pagos pelos cofres municipais às empregadas domésticas e que "não houve dano ao erário com a devolução da quantia".