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Homem vítima de homofobia por usar short curto diz não conseguir dormir

Juliana Almirante

Colaboração para o UOL, de Salvador

22/09/2020 18h31

O estudante de psicologia Pascoal Oliveira disse, em entrevista ao UOL, que perdeu peso e que está sem conseguir dormir bem desde o dia que foi repreendido por um segurança de um supermercado em Salvador pelo tamanho do short que usava. Para ele, foi um discurso homofóbico.

O caso, que ocorreu no último sábado (19) na unidade Walmart do bairro de Itapuã, foi gravado em vídeo e viralizou ao ser publicado nas redes sociais. Pascoal contou que um outro funcionário tentou barrar a entrada dele ao entrar no estabelecimento e que ele precisou abaixar a peça para entrar. Na saída, foi advertido pelo segurança.

"Desde que aconteceu, perdi 4 kg, porque não consigo comer nem dormir. Creio que essa experiência traumática me deixou em um estado de tensão constante, sem querer ter contato com o mundo por receio de acontecer de novo. A perda de um patrimônio pode ser recuperada, mas e o constrangimento causado? E o impacto na psique? A violência psicológica também aparece no corpo em forma de sintomas", relata.

Ele destaca que o segurança, ao citar que "ele é homem" e que deveria utilizar um short "composto", demonstra um discurso homofóbico.

"A homofobia age assim, usando um objeto que, no primeiro momento parece ser o centro da questão, mas que serve apenas como válvula de escape para o discurso homofóbico, porque não era sobre o short. O short foi um objeto que serviu de passagem para o verdadeiro discurso dele, que por eu ser homem não posso usar um short daquele e, portanto, não posso adentrar lá", afirma.

O short utilizado pelo estudante Pascoal Oliveira, que foi repreendido em mercado na Bahia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O short utilizado pelo estudante Pascoal Oliveira, que foi repreendido em mercado na Bahia
Imagem: Arquivo Pessoal

Pascoal cita que, na ocasião, várias outras pessoas usavam short curto no supermercado também.

"Foi sobre ser eu usando aquele short. E quem sou eu? Um homem gay, negro e pobre. O comprimento da peça não era a questão, porque outras pessoas usavam o mesmo comprimento. O tipo de vestimenta não era a questão porque não era traje de banho, era um short de cintura alta com bolsos. A questão era o preconceito sendo externalizado, tentando utilizar uma norma que nem mesmo existe. Se eu estivesse infringindo qualquer uma das normas, eu acataria. Mas eu não estava quebrando nenhuma das regras", diz.

O estudante ainda questiona a fala do segurança de que haveria crianças no local, já que apenas ele foi censurado pelo comprimento da peça de roupa.

"Você já se perguntou se uma criança nasce achando short curto em mulher aceitável e em homem não? Ou será que você, cuidador, projeta e ensina seus preconceitos a ela? Utilizar crianças como um argumento para negar a minha entrada no estabelecimento é dizer que eu não posso ser visto por elas. Por que eu ou pessoas como eu não podemos ser vistas? Vamos corromper a pureza delas? Somos um mau exemplo por quê?", pergunta.

Em nota ao UOL, o Grupo Big afirmou que solicitou o imediato afastamento do segurança, que era funcionário terceirizado. A empresa disse ainda que o fato ocorrido "é inadmissível e não corresponde aos procedimentos e valores da empresa. O grupo está em contato com o cliente, colocando-se à sua disposição para toda assistência necessária nesse momento. A empresa reitera que esse tipo de situação é inaceitável e reforça o seu pedido de desculpas".

A organização declarou ainda que deve investir em treinamentos de pessoal para que casos como esse não voltem a ocorrer.

"Consciente da importância da causa e da gravidade do problema, o Grupo BIG buscará o apoio de instituições ligadas à causa LGBTQIA+ para intensificar os treinamentos de equipes e terceiros para que situações como essa não voltem a se repetir. Por fim, a empresa reforça que o seu código de ética não tolera nenhuma forma de discriminação", afirmou, no comunicado.

Entenda o caso

De acordo com o relato divulgado nas redes, na saída do supermercado, ao ser repreendido pelo segurança, Pascoal resolveu questionar o motivo de o mercado não permitir a entrada dele com o short da maneira que usava. O diálogo foi gravado em vídeo por uma amiga do estudante.

"Porque até esse momento o senhor é homem. O senhor é homem e tem que ajeitar o seu short. Até esse momento", afirmou o segurança na gravação. Pascoal então perguntou se "homem não pode usar short curto". O segurança respondeu que o short "tem que estar composto" e alegou que no local haveria crianças.

"Mas porque as mulheres estão com o short mais curto que o meu?", perguntou Pascoal, em seguida. O segurança voltou a alegar que o estudante não poderia usar a peça por ser homem. "Estamos falando de homem. Se o senhor me disser alguma coisa o contrário disso, isso vai mudar. Mas até agora o senhor é homem", afirmou, no vídeo.