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Cresce o convívio de presos comuns com chefes de facções, denuncia DPU

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Imagem: iStock

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

07/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • DPU: só 20% dos detentos em presídios federais são chefes de facções criminosas
  • Relatório obtido pelo UOL diz que presos comuns são recrutados por facções
  • Para DPU, unidades de segurança máxima foram criadas para isolar chefões
  • Depen cita decreto presidencial para contestar relatório de defensoria

Os presídios federais de segurança máxima, planejados inicialmente para isolar chefes de facções, permitem hoje um maior convívio entre criminosos de alta periculosidade e presos comuns, criando cenário propício para a expansão de organizações criminosas dentro das prisões, segundo indica um relatório da DPU (Defensoria Pública da União) obtido com exclusividade pelo UOL.

O órgão aponta que apenas 20% dos internos da Penitenciária Federal de Catanduvas, no oeste do Paraná, tem perfil de liderança nas facções. Para a DPU, houve um desvirtuamento da finalidade desses presídios. Segundo o relatório, decisões da Justiça estadual, como transferências sem o devido embasamento para essas unidades e renovações automáticas de permanência de detentos comuns, facilitam que eles sejam cooptados pelo crime organizado.

Esse cenário foi constatado em vistoria entre 17 e 19 de setembro de 2019 no presídio que abrigava Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, encontrado morto na própria cela em 22 de setembro deste ano.

O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) contesta o relatório e cita o decreto presidencial 6.877, de junho de 2009, para justificar a presença de presos comuns nas cadeias federais. O órgão diz que a lei permite, por exemplo, a transferência de internos responsáveis por conflitos nos presídios estaduais.

A DPU afirma que, embora exista uma brecha legal para a permanência de presos comuns, há desvio de finalidade, já que as unidades federais foram criadas para desmobilizar facções ao isolar suas lideranças. Segundo a defensoria, detentos transferidos para lá porque se envolveram em rebeliões acabam permanecendo sem necessidade porque as prisões estaduais não têm interesse em recebê-los de volta.

O sistema penitenciário federal foi criado como apoio para os sistemas estaduais. Embora exista um amparo na interpretação da lei para manter presos comuns nessas unidades, isso acaba comprometendo o sistema. A entrada de presos precisa passar pela avaliação dos juízes federais

Alexandre Kaiser Rauber, defensor público federal

DPU: Vulneráveis, presos comuns se unem a facções

Segundo o relatório elaborado com base em depoimentos de agentes de inteligência, a falta de perspectiva do resgate dos vínculos com a família contribui para um cenário em que presos comuns ficam vulneráveis e acabam sendo seduzidos a integrar facções criminosas.

Proibidos de ter visita íntima desde agosto de 2017, os detentos de unidades federais também perderam o direito de manter contato físico com seus parentes em fevereiro do ano passado. Os encontros passaram a ocorrer em um parlatório, com um vidro entre o detento e a sua família.

A situação se agravou durante a pandemia, quando os contatos se limitaram a e-mails com três linhas por mensagem.

Essa dinâmica de não poder receber visita familiar e permanecer em isolamento facilita um cenário onde eles acabam integrando facções criminosas

Pedro Grossi, defensor público federal e um dos responsáveis pela inspeção

DPU contesta transferências de cadeias estaduais

Os defensores relacionam o problema ao que entendem ser um conflito de competência entre juízes estaduais e federais.

Quando há algum tipo de problema em cadeias estaduais, os promotores solicitam a transferência, ainda que os detentos envolvidos não tenham perfil de liderança em facções. Em alguns casos, a Justiça Federal recorre. Mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem mantido a decisão do juízo estadual, diz o relatório da DPU.

Constata-se que muitos juízes estaduais não se atentam criteriosamente à questão do perfil, não raras vezes, contrariando o parecer do setor de inteligência do Depen

Trecho do relatório da DPU em Catanduvas

O defensor Rauber citou o motim do presídio de Altamira (PA), que deixou mais de 50 mortos em julho de 2019, para ilustrar como entende que devam ser feitas as transferências. "Na época, havia a necessidade de desmobilizar. E a transferência fazia sentido, pelo ponto de vista de segurança pública. Depois de um ano, é preciso avaliar se esses presos precisam estar em presídios federais."

O juiz estadual faz a renovação automática e administrativa, com argumentações vagas e sem uma avaliação criteriosa do caso. Também é uma estratégia para impedir a progressão de pena, que fica bloqueada no sistema federal. Foi o caso do Elias Maluco, que estava há mais de 13 anos nesse sistema

Rita Cristina de Oliveira, defensora pública federal

Segundo ela, que também participou da inspeção em Catanduvas, o período de permanência dos presos nesse tipo de sistema não deveria passar de três anos. "É o suficiente para que ele rompa os vínculos com o crime organizado."

O que diz o Depen

Em nota, o Depen, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável pela gestão dos presídios federais, cita o decreto presidencial de 2009 para contestar a DPU.

Segundo o órgão, enquadram-se no perfil para transferência a unidades de segurança máxima réus com delação premiada, envolvidos em incidentes de fuga ou violência no sistema prisional de origem, detentos que praticaram crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem, submetidos ao RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) e membros de quadrilha envolvidos na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça.

Questionado pelo UOL sobre o relatório da DPU, que aponta predominância de presos comuns nesse tipo de unidade, o Depen afirmou que são medidas baseadas em ações judiciais. "A decisão pela inclusão ou transferência compete ao Judiciário", diz o órgão em nota.