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Coalizão Negra quer que Carrefour seja investigado por racismo após morte

Douglas Porto

Do UOL, em São Paulo

20/11/2020 15h43Atualizada em 20/11/2020 23h46

A Coalizão Negra por Direitos entrou com representação no MPF (Ministério Público Federal) e no MPRS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) para investigação da morte de João Alberto Silveira Freitas. Ele, homem negro, foi espancado até não resistir mais, na noite de ontem, véspera do dia da Consciência Negra. A agressão foi realizada por dois seguranças, sendo um deles policial militar temporário, no supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre.

"O Carrefour é o principal responsável por essa violência e por essa morte. Deve ser responsabilizado judicialmente em todos os âmbitos e em todos os níveis. Ao mesmo ponto, cobramos que o Ministério Publico Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Sul se posicionem, aceitem a denúncia, investiguem institucionalmente o Carrefour e a empresa de segurança privada que eventualmente tem o contrato da pessoa que agrediu", afirma Douglas Belchior, representante da Coalizão Negra por Direitos e da Uneafro Brasil em entrevista ao UOL.

Isso serve para que a gente possa fazer e ter uma postura exemplar das instituições brasileiras no sentido de não aceitar que esse genocídio continue
Douglas Belchior

O MPF, por meio do procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, instaurou inquérito civil para apurar o funcionamento dos mecanismos de fiscalização da Polícia Federal para a fiscalização de empresas de segurança privada no enfrentamento do racismo estrutural.

Ainda foi solicitado pelo órgão à Polícia Civil do Rio Grande do Sul cópia do inquérito policial instaurado para apurar a morte de Freitas, incluindo filmagens coletadas e laudos produzidos. Já ao Carrefour foram requisitadas informações gerais sobre a contratação da empresa de segurança, o critério de contratação, os vídeos referentes ao momento do espancamento e a identificação dos seguranças e demais pessoas envolvidas no fato.

Em nota, o MPRS explica que "acompanhará com atenção a apuração dos fatos relacionados à morte de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, ocorrida na noite desta quinta-feira, 19 de novembro, em um supermercado de Porto Alegre. O órgão reitera "que todas as medidas necessárias para o esclarecimento das circunstâncias serão tomadas na tarefa de prontamente levar o caso à Justiça para a responsabilização dos agressores."

Boicote ao Carrefour

Reunindo 150 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista no Brasil, a Coalizão Negra por Direitos pede o boicote ao supermercado. Na argumentação, são citados outros exemplos de violência racial no Carrefour.

"No ano de 2009, seguranças da rede de supermercados espancaram Januário Alves de Santana na unidade de Osasco, com o argumento de que o homem foi confundido com um ladrão e em 2018, na unidade de São Bernardo do Campo, seguranças espancaram Luís Carlos Gomes porque ele teria aberto uma lata de cerveja no interior da loja", explica em nota.

"Nós temos que construir uma cultura de boicote no Brasil. E se há um motivo extremamente relevante para impulsionar a cultura do boicote é exatamente a necessidade do enfrentamento ao racismo, a provocação de uma sensibilidade mais aprofundada com relação à vida negra. É preciso que a sociedade brasileira se mobilize para que as vidas negras tenham valor, sejam signatárias e tenha respeitada sua humanidade", completa Belchior.

O Carrefour assegura em nota que "todo o resultado de lojas Carrefour no Brasil nesta sexta-feira, 20 de novembro, será revertido para projetos de combate ao racismo no país. O valor será destinado de acordo com orientação de entidades reconhecidas na área. Essa quantia, obviamente, não reduz a perda irreparável de uma vida, mas é um esforço para ajudar a evitar que isso se repita."

A rede de supermercados também alega que amanhã (21) "todas as lojas do Grupo em todo o Brasil abrirão duas horas mais tarde para que neste tempo possamos reforçar o cumprimento das normas de atuação exigidas pela empresa a seus funcionários e empresas terceirizadas de segurança. Também ratificam que estão "buscando contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário neste momento difícil".

Carrefour rompe contrato com empresa de segurança

Após o caso vir à tona, o Carrefour decidiu romper o contrato com a empresa de segurança e fechará a loja. Em nota, o mercado afirmou que "adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso".

"O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada. Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário", disse a empresa em nota.

O Carrefour, ainda em nota, disse "lamentar profundamente o caso" e afirmou que iniciou uma "rigorosa apuração interna".

"Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais."

O grupo de segurança Vector, que prestava serviço na unidade, comunica "que rescindiu por justa causa os contratos de trabalho dos colaboradores envolvidos na ocorrência. Não obstante, a empresa tomará as medidas cabíveis, estando à disposição das autoridades e colaborando com as investigações para apuração da verdade."

Ainda informa "que a empresa não atuava na área de vigilância do supermercado, mas sim na fiscalização de prevenção e perdas."

Entenda o caso

João Alberto Silveira Freitas teria discutido com a caixa do estabelecimento e foi conduzido por seguranças da loja até o estacionamento, no andar inferior. Um deles é policial militar temporário - funcionário contratado pela Brigada Militar por tempo determinado, para atividades administrativas -, acompanhou o deslocamento, e colaborou no espancamento de Freitas.

Durante o percurso, acompanhado por uma funcionária do Carrefour, Freitas teria desferido um soco contra o PM, segundo afirmou a trabalhadora, em depoimento à polícia.

"A partir disso começou o tumulto, e os dois agrediram ele na tentativa de contê-lo. Eles (os seguranças) chegaram a subir em cima do corpo dele, colocaram perna no pescoço ou no tórax", disse o delegado plantonista Leandro Bodoia.

Os agressores foram presos, suspeitos de homicídio doloso. A cena vem sendo comparada nas redes sociais ao que aconteceu com George Floyd, que morreu sufocado por policiais nos Estados Unidos.