Topo

Esse conteúdo é antigo

'Me ajuda', gritou à esposa homem antes de ser morto por segurança e PM

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

20/11/2020 09h41Atualizada em 20/11/2020 15h58

Das compras no supermercado até a cena de um crime. Duas cenas ficaram marcadas na memória da cuidadora de idosos Milena Borges Alves, 43, esposa de João Alberto Silveira Freitas, 40, morto ontem após ser agredido por dois seguranças do Carrefour - um deles policial militar temporário - em Porto Alegre. Os agressores foram presos.

Milena contou que ela e o marido foram ao mercado após passarem o dia fora, com o pai dele. O Carrefour fica a cerca de 600 metros do apartamento do casal, na Vila Iapi. Freitas queria um pudim de pão e o casal foi ao mercado comprar os ingredientes, além do necessário para o jantar. Compraram beterraba, alface, tomate, ovos, leite, pão e leite condensado. Gastaram cerca de R$ 60.

O casal ficou poucos minutos no interior do estabelecimento escolhendo os produtos. Ao chegar ao caixa, o homem acenou para uma segurança. Para Milena, isto teria desencadeado as agressões.

João Alberto Silveira Freitas e a esposa, Milena Borges Alves; ele foi espancado em uma loja do Carrefour em Porto Alegre e morreu - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
João Alberto Silveira Freitas e a esposa, Milena Borges Alves;
Imagem: Arquivo pessoal
"A segurança se sentiu ofendida e chamou os colegas. Mas ele sempre foi muito brincalhão", diz a esposa. Em seguida, outros seguranças passaram a segui-lo enquanto ele estava indo em direção ao estacionamento. Milena ficou no caixa para pagar.

Quando ela se dirigiu ao estacionamento, viu seguranças correndo e passando por ela. Não sabia que estavam atrás de seu marido. Ao chegar à garagem, deparou-se com dois homens imobilizando Freitas. Àquela altura, eles já o haviam espancado.

Quando eu fui tentar ajudar o segurança me empurrou e aconteceu essa tragédia. A última coisa que ele falou para mim foi: 'Milena, me ajuda'
Milena Borges Alves

A cuidadora de idosos conta que, só viu o vídeo das agressões minutos depois. "Não esperava aquilo ali, que acontecesse aquilo ali. É complicado. Achei muito forte a cena, o que fizeram com ele foi absurdo", disse.

Como foi

Freitas teria discutido com a caixa do estabelecimento e foi conduzido pelos seguranças da loja - o vigilante e o PM - até o estacionamento, no andar inferior.

Durante o percurso, acompanhado por uma funcionária do Carrefour, Freitas teria desferido um soco contra o PM, segundo afirmou a trabalhadora, em depoimento à polícia. "A partir disso começou o tumulto, e os dois agrediram ele na tentativa de contê-lo. Eles (o PM e o segurança) chegaram a subir em cima do corpo dele, colocaram perna no pescoço ou no tórax", disse o delegado plantonista Leandro Bodoia. A cena vem sendo comparada nas redes sociais ao que aconteceu com George Floyd, que morreu sufocado por policiais nos Estados Unidos.

Vídeos que mostram o espancamento e a tentativa de socorristas de salvarem o homem circulam nas redes sociais desde a noite de ontem. As imagens mostram Freitas recebendo de um dos homens vários socos na região do rosto, enquanto o outro tenta segurá-lo. Uma mulher que estava usando proteção facial é vista perto deles, assistindo às agressões. Funcionários do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegaram a se deslocar até o local, fizeram massagem cardíaca, mas ele acabou não resistindo.

Freitas era participante de uma torcida organizada de futebol em Porto Alegre, do clube São José, e foi homenageado com posts com mensagens como "vidas negras importam" e a convocação de um protesto: "Amanhã estaremos no Carrefour Passo D'areia o dia todo, não vai ficar assim, queremos justiça, fizeram covardia com 1 irmão, agora segurem o Bonde Da ZONA NORTE!"

Prisão dos agressores

Em nota, a Brigada Militar informou que prendeu os agressores, inclusive o PM temporário, e que a conduta dele será investigada. Disse ainda que o policial não estava em serviço no momento das agressões.

"Cabe destacar ainda que o PM temporário não estava em serviço policial, uma vez que suas atribuições são restritas, conforme a legislação, à execução de serviços internos, atividades administrativas e videomonitoramento, e, ainda, mediante convênio ou instrumento congênere, guarda externa de estabelecimentos penais e de prédios públicos", diz o comunicado.

"A Brigada Militar, como instituição dedicada à proteção e à segurança de toda a sociedade, reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos e garantias fundamentais, e seu total repúdio a quaisquer atos de violência, discriminação e racismo, intoleráveis e incompatíveis com a doutrina, missão e valores que a Instituição pratica e exige de seus profissionais em tempo integral", conclui a nota.

Ao UOL, o advogado de defesa do PM disse que ele estava em seu primeiro dia de trabalho no Carrefour, fazendo serviço temporário.

Carrefour rompe contrato com empresa de segurança

Após o caso vir à tona, o Carrefour decidiu romper o contrato com a empresa de segurança e fechará a loja. Em nota, o mercado afirmou que "adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso".

"O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada. Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário", disse a empresa em nota. O Carrefour, ainda em nota, disse "lamentar profundamente o caso" e afirmou que iniciou uma "rigorosa apuração interna".

"Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais."