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De origem quilombola e umbandista, Negão do Bope não tinha medo do amanhã

Sargento Luiz Paulo Costa, o "Negão do Bope"; assassinado em 2020, foi incluído na lista de personalidades da Fundação Palmares Imagem: Arquivo pessoal

Waleska Borges

Colaboração para o UOL, do Rio

08/12/2020 04h00

Nem sempre ele foi o "Negão do Bope". Mas o policial militar Luiz Paulo Costa combatia o racismo com autoestima.

Em fevereiro deste ano, foi assassinado, aos 39 anos, em um crime ainda não desvendado. Recentemente, foi inserido na lista de personalidades negras da Fundação Cultural Palmares.

Homenageado enquanto a fundação excluiu outras personalidades negras, como Gilberto Gil e Elza Soares, Costa foi usado por Sergio Camargo, presidente da entidade, como exemplo da suposta seletividade de movimentos de direitos humanos.

Mas ele era mais do que policial. Foi sacerdote do templo de umbanda gerido pela família, descendente de quilombolas da região dos lagos no Rio e, com seu 1,88 m de altura, desfilou em um espaço cultural.

Nascido em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, era filho de uma manicure e um marceneiro. Separada, Elizabeth Cristina da Costa, hoje com 64 anos, criou sozinha os cinco filhos, três homens e duas mulheres. Eles se mudaram para Iguaba Grande quando Costa tinha cinco anos.

Para ela, a homenagem é justa e motivo de orgulho: "O nome dele está no mesmo lugar onde está o do cantor Wilson Simonal" [1938-2000].

Irmão mais velho do PM, Juarez Costa, 49, conta que Costa era uma pessoa religiosa. Com ele e a mãe, fundou o Centro Espírita de Caridade Casa Inhasã de Umbanda. "Meu irmão tinha um alto cargo sacerdotal."

Paula Martins, 26, companheira de Costa, diz que ele acreditava que tinha o corpo fechado, por isso era destemido em ações perigosas. "Não tinha medo de morrer", diz. Para o irmão, a razão da coragem era outra. "Ele simplesmente fazia o que era preciso, não temia o amanhã."

Colegas policiais contam terem presenciado o amigo ser chamado de macaco por bandidos e familiares de marginais diversas vezes, mas ele não dava ouvidos aos insultos.

Reservado com estranhos, mas extrovertido e brincalhão com os íntimos, o "Negão do Bope" deixou quatro filhos —de 18, 6, 5 anos e um bebê de 7 meses. Ele não chegou a conhecer este último. Paula estava grávida quando Costa foi morto.

Eles se casariam em dezembro e já tinham pagado o ensaio fotográfico de gestante. Paula acabou fazendo as fotos sozinha, mas fez questão de inserir uma imagem de Costa. Ela conta que ele adorava conversar com o filho em sua barriga.

Dói muito saber que meu filho não vai conhecer o pai. Ele escolheu o nome do nosso bebê e o chamava de Pedrão. Converso com meu filho sobre o pai dele. Estou guardando tudo o que sai na mídia sobre o Luiz em uma pasta. Quero mostrá-la ao nosso filho algum dia.
Paula Martins, companheira de Luiz Paulo Costa

Luiz Paulo Costa, o 'Negão do Bope', morreu antes do ensaio fotográfico de gestante de sua companheira, Paula Martins, mas ela incluiu sua imagem em uma das fotos Imagem: Arquivo Pessoal

Entre 2006 e 2015, virou o "Negão do Bope". Mas teve de suar para entrar na PM. Trabalhou na construção civil para juntar dinheiro e pagar um curso preparatório.

"Ele foi trabalhar de pedreiro. Me dava todo o dinheiro que ganhava e pedia para eu guardar. Falava assim: 'Mãe, tira só o que eu preciso para comida e a passagem'", conta Elizabeth Cristina.

Comoção e protestos

No dia 16 de fevereiro, Costa foi morto por criminosos quando trafegava em seu carro em Cabo Frio após terminar seu turno. Ele foi atingido por pelo menos nove tiros. Foi sepultado sob forte comoção.

Meses depois, sua morte foi lembrada quando outro negro morreu. Após protestos em repúdio ao espancamento que levou à morte de João Alberto Silveira Freitas em uma loja do Carrefour em Porto Alegre, influenciadores de direita foram às redes sociais reclamar.

Sargento da Polícia Militar Luiz Paulo Costa, o "Negão do Bope"; assassinado no começo de 2020, ele foi incluído na lista de personalidades negras da Fundação Cultural Palmares Imagem: Arquivo Pessoal

Foi o caso do youtuber e ex-PM Gabriel Monteiro (PSD), que se tornou o terceiro vereador mais votado do Rio nas últimas eleições. "Todas as vidas negras importam? Mesmo? Sgt Paulo ou Negão do Bope. Assassinado a tiros de fuzil. 0 protestos ou comoção. Bando de hipócritas!!! (sic)"

Até o domingo (6) a postagem havia sido compartilhada 32 mil vezes. Procurado pela reportagem para comentar o assunto, Monteiro não se manifestou. Ecoando o discurso, Sérgio Camargo comentou em sua página no Twitter:

Ao contrário do que diz a esquerda, a Polícia Militar não persegue e executa pretos só porque são pretos. A instituição os respeita e defende. Para a PM, vidas negras importam.
Sergio Camargo, presidente da Fundação Palmares

A Fundação Palmares não se manifestou. Para o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Oliveira Negrogun, as declarações de Monteiro e de Camargo ignoram a realidade, pois a morte de policiais já motivou protestos:

A fala deles tenta justificar o injustificável. Quando falamos 'vidas negras importam', estamos falando que todas as vidas importam, inclusive as vidas negras periféricas aniquiladas por esta sociedade racista. Nós fizemos manifestação no ano passado quando uma comandante da PM morreu no Morro do Alemão (zona norte do Rio), assassinada por marginais. Estamos morrendo nas duas pontas da violência.
Luiz Eduardo Negrogun, presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro

Dados do Fórum de Segurança Pública mostra que negros são quase 8 a cada 10 pessoas mortas pela polícia. Entre os fardados, 65% dos mortos em serviço são negros.

"Para nós, tem que ser enaltecido. Foi um herói assassinado, mas não vamos usar a memória dele contra nossa postura de defesa intransigente pela vida."

Suspeitos por crime são traficantes

Em agosto, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou a prisão preventiva de cinco pessoas suspeitas de envolvimento na morte do policial. De acordo com a denúncia do MPRJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro), o mandante, três executores e o motorista do carro utilizado no crime pertencem ao tráfico da Favela do Lixo, em Cabo Frio.

Os autores foram identificados após análise de imagens de câmeras de segurança e quebra de sigilo telefônico. As acusações são de homicídio qualificado, porte ilegal de munições de uso restrito e receptação. Somadas, as penas podem chegar a 45 anos de prisão. Uma audiência para ouvir testemunhas está marcada para o próximo dia 17.

Os acusados do crime que tiveram prisão preventiva decretada são Wagner Teixeira Carlos, conhecido como Bigode ou Waguinho, Jonathan França Guimarães dos Santos, o Fred, Vitor Santos Maia, o Vitinho, Daniel da Silva Ferreria, o Filinho, e Vinícius Cascardo da Silva. O UOL procurou a defesa dos acusados, mas não obteve resposta.

Vitinho é apontado como chefe do tráfico de drogas da comunidade do Lixo, em Cabo Frio. O traficante também é assíduo na comunidade Nova Holanda, Complexo da Maré, zona norte do Rio, também dominadas pelo Comando Vermelho.

Conforme informações de policiais militares amigos de Costa, depois de sua morte, Vitinho chegou a ser baleado em troca de tiros com a polícia, mas conseguiu escapar. Waguinho, que está preso, teria sido o mandante do crime mesmo estando dentro da prisão. Fred teria morrido, recentemente, em confronto com policiais militares na avenida Brasil. Filinho continua solto. O paradeiro de Vinícius Silva é desconhecido.

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