Topo

Polícia vai esperar 2 meses para apurar morte por espancamento, diz defesa

Diogo foi encontrado caído em uma rua com sinais de espancamento - Arquivo Pessoal
Diogo foi encontrado caído em uma rua com sinais de espancamento Imagem: Arquivo Pessoal

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

08/01/2021 04h00

O 5º Distrito Policial de São Paulo, no bairro da Aclimação (zona sul), deve esperar até dois meses para começar as investigações sobre a morte de um homem de 30 anos espancado no mês passado em via pública e que quase foi enterrado como indigente pelo Hospital do Servidor Municipal.

A reclamação sobre a demora é da defesa da família da vítima. Procurada, a Secretaria Estadual da Segurança Pública nega e diz que o caso já está sendo apurado.

No dia 13 de dezembro, o visual merchandising Diogo da Silva Paz foi levado pelo Corpo de Bombeiros ao Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, depois de ter sido encontrado caído em uma rua da Liberdade, no centro. Apesar de relatar o espancamento e informar seu nome, endereço e os dados da mãe antes de morrer, naquela mesma tarde, o rapaz só não foi enterrado como indigente porque seu melhor amigo encontrou o corpo no dia do sepultamento.

Segundo o advogado da família, Musslim Ronaldo Vaz de Oliveira, o delegado do 5º DP, Octavio Mascarenhas, informou que só iniciará as investigações depois que receber o laudo do IML (Instituto Médico Legal). Também ao advogado, o IML teria dado prazo de dois meses para entregar o documento.

"O IML me informou que precisaria de 60 dias para a conclusão do laudo. Se precisar aguardar esse tempo para abrir o inquérito, provavelmente as imagens terão se perdido", diz o defensor em referência às gravações capturadas pelas câmeras de segurança da rua.

"Ele morreu no início da manhã, à luz do dia na rua Pirapitingui. Conversei com quatro testemunhas que confirmam", afirma Oliveira. "Mas precisamos de imagens."

Precisa de uma investigação da via inteira, que não é extensa. Alguns sistemas de monitoramento têm backup [salvam as gravações], outros não. Alguns gravam por cima de outras imagens, outros as guardam por dias. O que não sabemos é se conseguiremos esperar dois meses.
Musslim Ronaldo Vaz de Oliveira, advogado

Diogo foi encontrado caído em uma rua com sinais de espancamento - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Diogo, 30 anos
Imagem: Arquivo Pessoal

A reportagem tentou falar com o delegado, mas ele não quis se pronunciar.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública —que responde pela delegacia e pelo IML— afirmou ao UOL que a morte é investigada "desde o registro da ocorrência" e que o DP está agendando o depoimento de testemunhas. Os policiais também teriam apreendido "imagens de um posto de combustível localizado próximo do endereço em que o rapaz foi socorrido".

Para o advogado da família, a responsabilidade é "da burocracia estatal, que dificulta o trabalho da polícia". "De repente o delegado do caso se vê impedido porque os instrumentos precisam ser manejados de acordo com a burocracia", diz Oliveira.

Já para o criminalista Euro Bento Maciel Filho, "não é normal a Polícia Civil 'aguardar o laudo' para dar início às investigações".

"Nos casos de 'morte suspeita', a investigação começa imediatamente após o fato, sem laudo. Testemunhas podem ser ouvidas, imagens podem ser obtidas, diligências podem ser feitas para tentar esclarecer os fatos", diz.

Então se esse rapaz estivesse em coma as supostas agressões não seriam apuradas?
Euro Bento Maciel Filho, advogado criminalista

Diogo foi levado pelos bombeiros para o Hospital do Servidor Público Municipal  - Robson Ventura/Folhapress - Robson Ventura/Folhapress
Diogo foi levado ao Hospital do Servidor Público Municipal, que quase o enterrou como indigente
Imagem: Robson Ventura/Folhapress

Maciel Filho confirma que "de fato o IML está demorando" para entregar seus laudos. "Mas acho que esses 60 dias estão um pouco exagerados. Mesmo assim, investigar não tem nada a ver com finalizar o laudo."

A secretaria não justificou a demora na expedição do laudo ao afirmar "que estão em andamento, são peça do inquérito e serão analisados assim que forem disponibilizados à autoridade policial".

Para o amigo que encontrou o corpo de Diogo prestes a ser enterrado como indigente, a polícia teria sido negligente já no início do caso, quando se recusou a transferir a investigação do 5º DP para o DHPP, o braço da Polícia Civil responsável por investigar assassinatos.

"A polícia se isentou. Como o Diogo era um homem gay, negro, não deram o tratamento que dariam a um playboy caído na esquina dos Jardins", afirma o empresário Jared Baungartner, 32.

Para a mãe de Diogo, a diarista Dalva Gonçalves da Silva Paz, 56, a vida não será como antes.

"A gente se falava por telefone toda a semana. Agora não vai mais ter Natal, aniversário. Ninguém vai ligar para mim no meio da semana", diz ela, que não pôde velar o filho. O enterro no dia 19 de dezembro foi rápido em razão do estado do corpo, já em decomposição.