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MP investiga médico que indicou hidroxicloroquina inalável; paciente morreu

Lourenço Pereira morre no RS após fazer tratamento com hidroxicloroquina inalável - Arquivo pessoal
Lourenço Pereira morre no RS após fazer tratamento com hidroxicloroquina inalável Imagem: Arquivo pessoal

Lucas Azevedo

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

05/04/2021 17h17

O MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) investiga o procedimento de um médico e de uma unidade hospitalar, no noroeste do estado, após um paciente de 69 anos morrer de covid-19. O aposentado recebeu hidroxicloroquina inalável durante o tratamento. O uso da substância não tem comprovação cientifica no combate ao novo coronavírus.

A denúncia foi feita pela família do aposentado Lourenço Pereira, de 69 anos. Ele foi internado em 19 de março no Hospital de Caridade de Alecrim, a 540 km de Porto Alegre na região noroeste do estado, após passar mal. A família alega que a cloroquina foi ministrada no dia 20 sem o seu conhecimento, sendo informada só após a morte do aposentado que ocorreu no dia 23.

O hospital foi procurado pelo UOL, mas disse que aguarda reunião ainda hoje sobre o caso. A reportagem ainda tenta contato com o médico.

"Naquela semana, meu pai apresentou sintomas gripais, até que na sexta-feira (19) ele teve muita falta de ar. Liguei para o hospital e pedi para que fossem buscá-lo", conta Eliziane Pereira, filha de Lourenço. Ela explica que o pai estava sozinho no momento em que precisou de auxílio, já que a família estava em Porto Alegre para tratamento médico.

Já no hospital, Lourenço foi diagnosticado com covid-19. "Depois que ele foi internado, nós não tivemos qualquer contato do hospital ou do médico. No dia seguinte, meus irmãos estiveram no hospital, mas foram informados apenas que o caso do meu pai era de covid avançado", recorda a filha. No mesmo dia, Eliziane recebeu uma mensagem do pai dizendo que estava se sentindo pior.

No domingo, o hospital requisitou que um dos filhos de Lourenço o acompanhasse na internação. Entretanto, segundo Eliziane, a situação era precária. "O hospital não entregava alimentação no leito. O meu pai tinha que levantar para buscar. E para isso tinha que retirar o oxigênio, ficava sem ar e acabava desmaiando. Meu irmão foi chamado para acompanhar ele no quarto, mas não recebeu qualquer tipo de informação de como proceder. Entrou no quarto e só tinha uma caixa de luvas para usar. Até o dia 22 (segunda-feira) ficamos sem informações se o caso estava evoluindo ou não".

De acordo com os boletins médicos, Lourenço foi piorando gradativamente. No dia seguinte à internação, a hidroxicloroquina passou a ser ministrada oralmente, mas a família alega que não foi informada no dia, sendo comunicada apenas quando Lourenço morreu, no dia 23.

Solicitamos o prontuário médico e só ficamos sabendo por ali. Não foi realizado nenhum exame nele. Só deram oxigênio e hidroxicloroquina inalável
Eliziane Pereira, filha de Lourenço

Segundo os registros, o médico que receitou o tratamento experimental e ainda sem comprovação científica para covid-19 é Paulo Gilberto Bochi Dorneles. "Queremos saber, de fato, se a medicação contribuiu para que o quadro do meu pai tivesse uma piora. Em momento algum fomos contatados ou informados de quais procedimentos ou medicamentos estavam sendo ministrados", reclama Eliziane. Além da denúncia no MP, a família registrou boletim de ocorrência na delegacia da cidade.

O MP-RS afirmou que recebeu dos familiares de Lourenço uma comunicação do ocorrido e que foi instaurado um expediente de investigação. Ainda segundo o órgão, o promotor Manoel Figueiredo Antunes deve requisitar instauração de inquérito policial para averiguar a situação em âmbito criminal.

Já o Cremers (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul) informou que todas as denúncias que são recebidas são investigadas e que está aguardando uma posição interna para se manifestar.

Por meio de sua assessoria, o Hospital de Caridade de Alecrim informou que deve realizar uma reunião nesta segunda-feira para avaliar o ocorrido. A reportagem tentou contato com o médico Paulo Gilberto Bochi Dorneles, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Outros casos

No final de março, três pacientes que passavam por um tratamento experimental à base de hidroxicloroquina morreram no hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã (a 130 km de Porto Alegre), no sul do estado. A instituição investiga as causas das mortes.

As vítimas tiveram pioras dos seus estados de saúde e não resistiram. Todos estavam sendo nebulizados com uma solução de hidroxicloroquina diluída em soro.

O tratamento experimental era administrado pela médica Eliane Scherer, que foi demitida da instituição no dia 10. O hospital chegou a denunciar a profissional ao Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) e ao MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) alegando 17 supostas infrações. Tanto MP-RS quanto o Cremers permanecem investigando. Eliane foi procurada pelo UOL, mas não respondeu.