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Jairinho pode ter influenciado médicos a não relatar agressão, diz polícia

Dr. Jairinho em foto no sistema prisional  - Divulgação/Seap
Dr. Jairinho em foto no sistema prisional Imagem: Divulgação/Seap

Tatiana Campbell

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

03/06/2021 19h01Atualizada em 04/06/2021 09h27

No relatório final da Polícia Civil sobre a investigação a cerca das agressões supostamente cometidas por Dr. Jairinho contra uma criança de 3 anos, em março de 2015, consta o envio de um ofício à Secretaria Municipal de Saúde para que seja explicado o motivo pelo qual a equipe médica não comunicou aos agentes sobre os sinais de violência encontrados no corpo da criança.

De acordo com o boletim médico do Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), o menino —cuja identidade é mantida em sigilo— apresentou, além de uma fratura no fêmur, hematomas nas bochechas e os glúteos assados, sinalizando, de acordo com a Polícia Civil, que havia sido agredido.

O delegado titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima, Adriano França, escreveu no relatório que existe a possibilidade de a equipe médica ter sido influenciada por Dr. Jairinho, vereador do Rio de Janeiro, para que o caso não fosse levado à polícia.

Raio-x mostra fratura na perna da criança; Dr. Jairinho é acusado  tê-la agredido - Reprodução - Reprodução
Raio-x mostra fratura na perna da criança; Dr. Jairinho é acusado tê-la agredido
Imagem: Reprodução

De acordo com os depoimentos prestados, Débora Saraiva, mãe da criança e ex-amante do vereador, disse que, ao saber que o filho havia se machucado, quis levá-lo para uma unidade particular de saúde, mas teria sido convencida por Dr. Jairinho para que ele fosse levado a um hospital público.

No relatório, França destaca: "Na condição de vereador do município e 'poderoso' poderia manipular os profissionais, não restando claro como isso ocorreu ou se de fato ocorreu. Todavia, a equipe médica que tem o dever legal de comunicar tais fatos às autoridades não o fez, somente fornecendo tal documentação após a instauração do inquérito policial e através do ofício encaminhado pela DCAV, solicitando a documentação".

No documento, o delegado anexou uma foto da fratura do fêmur do menino e também os registros feitos pela equipe que o atendeu. Segundo o boletim do hospital, o médico registrou os ferimentos da criança, como os hematomas nas bochechas e as assaduras nos glúteos. Já a psicóloga anotou que a criança chorava muito, dizia que não queria voltar para o carro —onde estava sozinha com Dr. Jairinho— e que chegou a vomitar.

Criança que teria sido agredida por Dr. Jairinho ficou imobilizada com gesso da cintura para baixo por cerca de dois meses - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Criança que teria sido agredida por Dr. Jairinho ficou imobilizada com gesso da cintura para baixo por cerca de dois meses
Imagem: Arquivo pessoal

Sinal de trauma

O delegado, então, salienta que "o vômito é um dos sinais do Transtorno de Estresse Pós-Traumático como fruto da convivência de crianças com acidentes, violências ou outros traumas". Devido à fratura no fêmur, o menino precisou ter ambas as pernas imobilizadas por quase dois meses. O gesso começava no abdome, descia por toda a perna fraturada, pegava metade da outra, sendo ambas unidas por outro gesso, com abertura somente para a criança defecar e urinar.

Após a morte de Henry Borel, 4 anos —da qual Dr. Jairinho é acusado—, em março deste ano, a polícia teve conhecimento desta e de outras agressões supostamente cometidas pelo vereador contra essa outra criança, filha de Débora Saraiva. Em depoimento, a mulher alegou que tinha medo do amante e por isso não o denunciou.

A Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima pediu que o Instituto Médico Legal produzisse um laudo sobre as lesões encontradas no corpo do menino e constatou que a ação que fraturou o fêmur da criança foi provocada por meio contundente. O resultado veio do chamado Exame de Corpo de Delito Indireto —feito baseado em exames clínicos e não diretamente na vítima, devido ao tempo transcorrido. Segundo o laudo, a lesão no fêmur é compatível ao tempo do evento alegado e que resultou em incapacidade motora temporária da criança.

Após estas provas, a Polícia Civil indiciou e pediu a prisão preventiva de Dr. Jairinho por tortura contra o menino, que atualmente tem 10 anos. Esta é a terceira criança que o vereador teria torturado. Procurada pelo UOL, o advogado Braz Sant'Anna, que defende o parlamentar, disse: "O inquérito, até onde é do meu conhecimento, está com o Ministério Público. Caso o MP ofereça denúncia, poderei dar algum posicionamento".

A mãe do menino foi indiciada por omissão, já que não teria protegido o filho. Ela e o vereador também foram indiciados por falsidade ideológica já que, no hospital, informaram que o menino teria sofrido um "acidente automobilístico".

Relembre o caso

Em março de 2015, Débora Saraiva, então amante de Dr. Jairinho, estava no Barra Shopping (zona oeste do Rio) com o filho de 3 anos. O vereador ligou para a mulher e pediu para levar a criança a uma festa, sozinho. A mãe autorizou. Apenas 15 minutos depois de ter pegado o garoto, o parlamentar ligou novamente para Débora e avisou que ele havia fraturado o fêmur.

Os dois, então, foram para o hospital, e o parlamentar alegou que ele havia torcido o joelho ao descer do carro. Mesmo constatada uma fratura no osso mais resistente do corpo humano, a mãe corroborou com a versão de Jairo.

"As informações colhidas nos serviços médicos e de psicologia do Hospital Municipal Lourenço Jorge indicam que Jairinho submeteu [...], neste episódio, a momentos de intenso sofrimento físico e psicológico", diz um trecho do relatório, referindo-se à criança.

Dr. Jairinho está preso desde o dia 8 de abril acusado de tortura e homicídio triplamente qualificado contra Henry Borel.

O UOL procurou a Secretaria Municipal de Saúde do Rio. Em nota, a pasta informou que "o Hospital Municipal Lourenço Jorge já atendeu a solicitação feita pela Polícia Civil e enviou cópia de todo o prontuário do atendimento à criança para a delegacia. A direção da unidade está à disposição da autoridade policial para auxiliar nas investigações, e todos os pedidos que venham a ser feitos serão analisados".