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Sociólogo diz que morte de Ecko não freia milícias: 'têm poder na União'

Colaboração para o UOL

21/06/2021 11h38Atualizada em 21/06/2021 13h50

A morte de Ecko, que era chefe da maior milícia do Rio de Janeiro, foi anunciada pelo governo estadual como uma grande vitória. Mas especialistas que participaram hoje do UOL Debate explicaram que isso está longe de resolver os problemas ligados a esse tema. O sociólogo José Cláudio Souza Alves afirmou que as milícias têm poder dentro da União e do Congresso, então não é a morte de Ecko que vai acabar com toda estrutura.

"A milícia tem uma dimensão econômica, urbana e sobretudo política, favorecendo uma estrutura poderosa. Não é um cara morto por ação policial que vai frear uma estrutura de cinco décadas, com poder na União e no Senado. Isso é uma estrutura muito consolidada. Para mudar isso tem que fazer ações muito mais fortes. Estamos patinando", analisou Alves.

Segundo ele, existe até um interesse eleitoral na morte de Ecko. Na visão do sociólogo, ele foi morto agora para aumentar os conflitos entre policiais e traficantes, o que reforço o discurso de "bandido bom é bandido morto", o que é interessante para muitos políticos durante as eleições.

"Sempre souberam onde o Ecko estava. Decidiram matar agora porque é um cronograma de agenda política. Você mata agora, abre disputa interna, com novos arranjos econômicos e vê quem vai pagar mais já visando o ano eleitoral. Abre instabilidade na milícia com Comando Vermelho. Amplia a tensão e, com isso, fortalece a lógica do extermínio praticada no Rio de Janeiro. Isso vai fortalecer o discurso de 'bandido bom é bandido morto'. Isso é discurso político para 2022", apontou.

Daniel Hirata, também sociólogo, reforçou essa visão no debate. Ele explicou que as milícias se sustentam com base em atividades ilegais de diversas áreas - roubos, contrabando e transporte alternativo, por exemplo -, controle de atividades legais - dos setores de imobiliária, água e luz, por exemplo - e também pelo poder político.

"Há uma rede de sustentação política da milícia, que vai se associar a políticos nos 3 níveis de poderes que temos. A morte de Ecko é a morte de alguém que organizava, mas há uma rede miliciana muito mais extensa, sobre a qual deveríamos nos deter muito mais para entender as milícias", explicou Hirata.

A jornalista Cecília Oliveira também participou do debate e explicou que o poder de Ecko não vai acabar - apenas passará para outro chefe, que ainda não foi definido.

"O Ecko é só mais uma peça nesse tabuleiro. Com a morte dele, tem duas opções. Uma opção de a milícia que ele dominava ir para mãos do Tandera, que era seu sucessor natural até ano passado, quando eles romperam. E há possibilidade que fique com a família do Ecko. Mas um irmão dele está preso. Então Tandera sai na frente porque está livre, tem conhecimento dos negócios e sabe como Ecko trabalhava. É mais fácil ele sentar nesse trono que está temporariamente vago", disse Cecília.

Sobre possíveis soluções para o enfrentamento das milícias, os sociólogos apresentaram diversas propostas, mas ressaltaram que nada está sendo feito na prática. Cecília indicou que é importante "seguir o dinheiro" e aumentar a fiscalização das condutas dos policiais - exatamente o contrário do que foi feito recentemente.

"Precisa ver o controle financeiro. Siga o dinheiro. Boa parte dos milicianos está na folha de pagamento do Estado, então seria mais fácil. Mas não podemos deixar de citar o enfraquecimento da fiscalização da má conduta policial, depois do fim do grupo que fiscalizava isso no Ministério Público. Só depois de muita pressão, o Ministério Público recriou um grupo similar temporário. Mas esse grupo de investigação precisa ser reforçado, não enfraquecido", opinou a jornalista.

Já o sociólogo José Cláudio Souza Alves apontou que os conflitos dentro das comunidades, que são vistos como solução por alguns políticos, deviam ser interrompidos e substituídos por ações mais educativas.

"Você não disputa jovens do Jacarezinho dando tiro e matando 28 pessoas. Disputa dando emprego, possibilidades de educação, cultura, dando acesso à saúde e construindo políticas de ação social", destacou Alves, lembrando da operação militar que resultou em mortes na favela do Jacarezinho.