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Aos 83, idosa é resgatada após 60 anos de trabalho análogo à escravidão

Idosa encontrada em fazenda trabalhou como empregada por pelo menos 60 anos sem salário - Reprodução/ MPT-MG (Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais)
Idosa encontrada em fazenda trabalhou como empregada por pelo menos 60 anos sem salário Imagem: Reprodução/ MPT-MG (Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais)

Do UOL, em São Paulo

22/06/2021 20h27Atualizada em 23/06/2021 08h20

Uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT), Auditoria Fiscal do Trabalho e Polícia Rodoviária Federal (PRF), resgatou uma idosa de 83 anos e mais três trabalhadores rurais que viviam em condições análogas à escravidão em uma fazenda no município de Rio Vermelho, interior de Minas Gerais.

O inquérito civil, classificado como sigiloso, começou em 21 de dezembro do ano passado, mas apenas hoje o MPT reportou o caso em seu site. Uma das pessoas resgatadas tem deficiência auditiva.

De acordo com MPT, a força-tarefa foi realizada para apurar a denúncia de que havia uma trabalhadora doméstica sob condições análogas à escravidão na fazenda.

Na sede da propriedade, a fiscalização confirmou a veracidade da informação e encontrou outros trabalhadores nas mesmas condições de trabalho, constatando que nenhum deles tinha registro na CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social).

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Além da idosa, outros três trabalhadores foram resgatados
Imagem: Reprodução/ MPT-MG (Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais)

Dentre outras irregularidades encontradas, estavam a falta de pagamento de salários e 13º, ausência de depósito do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e contribuição previdenciária, falta de férias, limitação de jornada de trabalho e EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).

As condições da moradia rural também eram precárias e não havia água potável, nem mesmo dormitórios limpos e locais adequados para preparar e guardar alimentos.

60 anos de trabalho sem salário

Segundo nota do MPT, a inspeção revelou ainda que a senhora de 83 anos havia chegado na fazenda aos 12 anos com a mãe, vivendo ali por toda sua vida, trabalhando continuamente nos serviços domésticos.

"Ela jamais foi reconhecida como trabalhadora: nunca recebeu salário, nunca tirou férias, não tinha limitação de jornada, folga semanal ou intervalos", disse o procurador da PTM (Procuradoria do Trabalho no Município) de Governador Valadares, Fabrício Borela Pena.

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As condições que viviam os trabalhadores eram extremamente precárias e insalubres
Imagem: Reprodução/ MPT-MG (Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais)

O procurador estima que a idosa trabalhou na localidade por no mínimo 60 anos "preparando as refeições, limpando e organizando a casa, lavando e passando roupas, cuidando das crianças, entre inúmeras outras tarefas".

"Nos últimos anos, com o avançar da idade, ela já não tinha condições físicas de trabalhar com a mesma intensidade, de modo que o proprietário passou a contratar pessoas para realizar o trabalho doméstico, em alguns dias da semana. No entanto, ela nunca parou totalmente de trabalhar na casa", afirmou Pena.

Segundo o procurador, os valores que a senhora recebia "eram contados" e geralmente destinados para despesas muito específicas como gastos com a saúde. Quando encontrada, ela estava com uma ferida na perna e com muita dificuldade para se locomover.

Demais trabalhadores

Os outros três trabalhadores resgatados viviam nas mesmas condições que a idosa de 83 anos. Um deles, de 49 anos, trabalhava na fazenda há mais de 30, segundo o MPT.

O trabalhador com deficiência auditiva nem sequer tinha direito ao descanso semanal, trabalhando 7 dias da semana e nunca recebendo férias ou salário regular.

Dois dos trabalhadores moravam em uma pequena casa a cerca de três quilômetros da propriedade, com três filhos. Eles iam trabalhar a pé, diariamente, atravessando um riacho.

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Trabalho análogo à escravidão foi constatado após operação conjunta do MPT-MG
Imagem: Reprodução/ MPT-MG (Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais)

"[Eles] Relataram que, quando o riacho está cheio, sequer conseguem sair de casa, pois não existe outro acesso. A casa em que residem é de pau a pique, subdimensionada, com diversas frestas no telhado que permitem a entrada de animais peçonhentos", disse Pena.

Após ver a situação dos trabalhadores, a fiscalização os resgatou e encaminhou para a rede de proteção especial do município.

Eles serão acompanhados e inscritos em programas sociais. Também já foram emitidas guias para recebimento de seguro desemprego.

Conforme informou o MPT, agora o órgão continua negociando com o empregador o pagamento das verbas salariais, rescisórias e indenizatórias dos trabalhadores, "além da compensação pelos danos sociais decorrentes da gravíssima conduta praticada".