Topo

24 das 30 maiores cidades do RJ têm média de mortes acima da nacional

Operação da PM em comunidade de Angra dos Reis, cidade turística na Costa Verde fluminense, em 2019 - Reprodução/ Youtube
Operação da PM em comunidade de Angra dos Reis, cidade turística na Costa Verde fluminense, em 2019 Imagem: Reprodução/ Youtube

Igor Mello

Do UOL, no Rio

16/07/2021 04h00

A expansão das facções de traficantes e milicianos na última década fez com que o Rio de Janeiro chegasse a um cenário dramático: 24 de suas 30 cidades com mais de 100 mil habitantes têm índices de violência superiores à média brasileira. A informação consta no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicação organizada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

Segundo os dados do estudo, o Brasil teve em 2020 uma taxa de MVI (mortes violentas intencionais) de 23,6 mortos a cada 100 mil habitantes —a categoria abrange homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, mas não considera mortes por intervenção policial.

Em seis cidades fluminenses espalhadas por todo o estado essa taxa é superior ao dobro da média nacional: é o caso de Japeri, na Baixada Fluminense, com 60,6 mortos por 100 mil habitantes; Angra dos Reis, famoso destino turístico na Costa Verde, tem 52,2; Macaé, polo petroleiro no Norte Fluminense, tem 50,9; Itaguaí, na Baixada Fluminense, tem 49,7; Cabo Frio, na Região dos Lagos, tem 48,2; e São Pedro da Aldeia, também na Região dos Lagos, 47,1.

Municípios do Rio têm taxas de mortes violentas intencionais acima da média nacional - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

A cidade do Rio de Janeiro não figura na lista —segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), a taxa de letalidade intencional foi de 14,89 por 100 mil habitantes no ano passado. Já o estado registrou índice de 28,3, com 4.907 mortes violentas intencionais.

Na última década, a capital fluminense passou por dois momentos de quedas nas taxas de homicídios: primeiro com a expansão do programa de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), entre 2008 e 2014, e novamente a partir de 2018.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, o Rio de Janeiro tem um contexto específico que pode explicar esses números. O principal motivo é a existência de diversas facções criminosas em constante confronto por territórios. Também é citado o fato de a polícia fluminense ser uma das mais violentas do país, o que amplifica conflitos; a falência do governo do estado a partir de 2015 e a política das UPPs na capital também são fatores relevantes.

Segundo Daniel Hirata, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e coordenador do Geni (Grupo de Estudos Novos Ilegalismos), que acompanha a dinâmica dos grupos criminosos no estado, o Rio viveu um processo de expansão dos grupos criminosos para áreas da região metropolitana e do interior que antes não eram ocupadas por quadrilhas. Com isso, vieram a reboque guerras de facções.

Tivemos a expansão dos conflitos faccionais para além da região metropolitana. Mesmo nela, havia vários locais onde isso não era tão comum. Ocorreu um fenômeno de migração de facções e expansão das milícias nesse período, o que acirrou esses conflitos

Daniel Hirata, professor da UFF

Embora as mortes decorrentes de intervenção policial não entrem nessa conta, Hirata afirma que a ação das forças de segurança também provoca indiretamente um maior número de homicídios.

"É bem verdade que houve um problema grave, ainda não solucionado, que tem a ver com a falência do Rio desde 2015, mas também uma série de equívocos na forma de atuação contra os grupos armados. Muito baseada em operações policiais, atividades meramente repressivas, o que não diminui o conflito desses grupos e produz homicídios que poderiam ser evitados também", pondera.

A pesquisadora Samira Bueno, diretora executiva do FBSP e uma das organizadoras do Anuário, defende que a redução de taxas de homicídio no Rio deveria ser uma prioridade não só das autoridades estaduais, mas do governo federal, tendo em vista o grande impacto do estado nos números nacionais de mortes violentas.

Precisa ter focalização nos territórios mais violentos, não tem outra forma de reduzir violência letal. Focar nos jovens, população negra e nos municípios com mais letalidade. Se a gente consegue bons resultados nesses municípios, já é metade do caminho andado

Samira Bueno, diretora executiva do FBSP

Ela afirma contudo que essas medidas devem ser estruturantes —como combate à evasão escolar e políticas de inclusão produtiva para jovens— e não focadas apenas na atuação das forças de segurança para serem efetivas. A aposta meramente no emprego de mais efetivo e gastos diretos nas polícias já se mostrou infrutífera no Rio, lembra Samira.

"A intervenção federal no Rio, em 2018, é exemplo disso: colocaram o Exército para fazer GLO [Garantia da Lei e da Ordem], aumentaram o orçamento das polícias absurdamente. E não tem nenhum indicador que mostre que o aumento dos orçamentos melhorou a elucidação de crimes ou a sensação de segurança da população", completa.