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ONGs pedem R$ 100 mi em ação após homem ser obrigado a tirar roupa no Assaí

Incidente no atacadista Assaí terminou com o homem chorando e populares filmando a ação  - Reprodução de vídeo
Incidente no atacadista Assaí terminou com o homem chorando e populares filmando a ação Imagem: Reprodução de vídeo

Simone Machado

Colaboração para o UOL, em São José do Rio Preto (SP)

11/08/2021 18h29

ONGs do movimento negro ingressaram com uma ação civil pública contra a rede atacadista Assaí após um homem negro ter sido obrigado a tirar a roupa para provar que não tinha furtado produtos de uma loja de Limeira, cidade do interior de São Paulo.

Em processo protocolado na tarde desta quarta-feira (11), duas entidades pedem que a empresa seja condenada por dano moral coletivo e pague R$ 100 milhões. São as mesmas que, junto a órgãos públicos, firmaram um acordo com o Carrefour devido à morte de João Alberto, espancado por seguranças em uma loja de Porto Alegre em novembro de 2020.

Na noite da última sexta-feira, o metalúrgico Luiz Carlos da Silva, de 56 anos, foi abordado por dois seguranças ao sair do supermercado. Em relato à Polícia Civil, que já registrou o caso, ele conta que teve de tirar a camiseta e mostrar a cueca para os seguranças. Só assim comprovou estar saindo do estabelecimento sem levar nada escondido.

Silva afirmou ter saído do mercado sem passar pelo caixa porque foi apenas verificar os preços de produtos. A ideia era voltar no dia seguinte acompanhado da esposa.

A abordagem ao homem contou com diversas testemunhas, já que muitos clientes do supermercado presenciaram e filmaram a cena, mostrando indignação com a exposição. Constrangido, o homem começou a chorar, sendo amparado por alguns dos presentes. Para o metalúrgico, a abordagem foi racista.

Foi a primeira vez que aconteceu isso na minha vida. Eu não preciso roubar nada de ninguém, eu trabalho e não preciso disso. A gente vê essas coisas na televisão e pensa que é mentira, mas acontecem mesmo
Luiz Carlos da Silva, metalúrgico

A ação movida pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos, órgão de defesa da pessoa humana, e pela ONG Educafro pede "reparação de dano moral coletivo e dano social infligido à população negra e ao povo brasileiro de modo geral, em razão de abordagem ilícita e vexatória cometida por agentes das rés em desfavor de consumidor negro".

Além do pagamento de indenização, as duas entidades pedem diversas adequações por parte do Assaí, como a revisão imediata dos protocolos de abordagem de segurança no interior das lojas; elaboração e execução de plano detalhado para aceleração na carreira de negros e negras na empresa; compromisso de implementação de ações estruturantes e regulares de educação em direitos humanos para todos os funcionários; o uso de peças publicitárias contra o racismo e a violência institucional, entre outras.

A intenção é defender a sociedade para que esse tipo de situação não volte a acontecer. Esse valor não é uma indenização para a vítima e nem para as entidades. O valor vai para um fundo de direito difusos que repara coletivamente danos
Márlon Reis, advogado

MP investiga caso

Em nota, a rede atacadista informou ainda não ter sido notificada sobre a ação civil pública, mas que vai analisá-la assim que chegar o processo chegar ao seu conhecimento.

Mais uma vez, o Assaí lamentou o ocorrido. "A companhia recebeu com indignação as imagens dos vídeos e se solidariza totalmente com o cliente (...) A empresa também entrou em contato com a família do sr. Luiz Carlos, tão logo soube do ocorrido, se desculpando, se prontificando para a assistência necessária e se colocando à disposição. A família informou que não estava em condições naquele momento e que entraria em contato."

O Ministério Público do estado de São Paulo, por meio da Promotoria de Justiça de Limeira, instaurou inquérito na segunda-feira (9) para apurar os danos moral e social difusos causados por constrangimento sofrido pelo metalúrgico Luiz Carlos da Silva.

Deu prazo de 15 dias para a empresa esclarecer os fatos e informe os dados dos envolvidos na ocorrência, as providências adotadas e se há interesse em firmar TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para reparar os danos morais e sociais difusos gerados à sociedade e aos direitos humanos.

Sobre a ação civil pública protocolada pelos grupos engajados no movimento negro, o promotor Rafael Pressuto relatou que a documentação ainda não foi recebida por ele e "possivelmente está nos trâmites de recebimento".

Ações contra grandes redes

Essa não é a primeira vez que grupos engajados no movimento negro ingressaram com ação civil pública contra grandes redes. Em junho deste ano, o Carrefour aceitou pagar R$ 115 milhões como parte de um acordo com entidades públicas e ONGs para reparar danos morais comunitários e afastar a abertura de ações judiciais pela morte do cliente negro João Alberto, em novembro do ano passado.

O dinheiro faz parte de um TAC com MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul), MPF (Ministério Público Federal), MPT (Ministério Púbico do Trabalho), DP-RS (Defensoria Pública do Rio Grande do Sul), DPU (Defensoria Pública da União), além das ONGs Educafro e Centro Santos Dias de Direitos Humanos, ligado à Arquidiocese de São Paulo.

Em outra ação, as entidades duas entidades, juntamente com a Odara Mulheres Negras, ingressaram com uma ação pedindo indenização por danos morais de R$ 200 milhões da rede Supermercados Atakadão Atakarejo.

A ação foi motivada pelo caso da tortura e assassinato dos jovens negros Bruno Barros da Silva e seu sobrinho Ian Barros da Silva, na região metropolitana de Salvador, em abril deste ano. Os homens teriam sido entregues pela equipe de segurança do supermercado a um grupo criminoso após supostamente serem flagrados furtando dois pacotes de carne seca no local.