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Padrasto e enteado morrem em ação da PM; investigação aponta inocência

Helkison e Rafael morreram em ação policial no Amapá - Arquivo Pessoal
Helkison e Rafael morreram em ação policial no Amapá Imagem: Arquivo Pessoal

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL

13/09/2021 16h06Atualizada em 13/09/2021 16h06

Uma perseguição da PM (Polícia Militar) do Amapá contra um carro em fuga resultou na morte de dois inocentes, segundo inquérito produzido pela Polícia Civil. Helkison José da Silva do Rosário, de 38 anos, e Rafael Almeida Ferreira, de 19 anos, padrasto e enteado, morreram em decorrência de disparos de arma de fogo, após os militares os confundirem com os alvos perseguidos, apurou a corporação.

A investigação apura se os tiros saíram das armas dos seis policiais militares envolvidos na ocorrência ou dos dois suspeitos que estavam no carro em fuga na noite de sábado (11), em Santana, região metropolitana de Macapá.

No boletim de ocorrência, a PM afirma que Helkison e Rafael saíram do carro em fuga e dispararam contra os militares, que revidaram. A Polícia Civil, contudo, descobriu que padrasto e enteado não tinham relação com o veículo. Eles estavam na rua a caminho de casa, depois de fecharem o mercado onde trabalhavam, álibi confirmado por câmeras de segurança.

Além do padrasto e enteado, Igor Ramon Cardoso Lobo, de 28 anos, condutor do veículo morreu na ação. Ele era graduado em odontologia e filho da ex-prefeita Euricélia Cardoso, de Laranjal do Jari, no sul do Amapá. Segundo a Polícia Civil, o jovem não tinha passagem policial. O UOL tenta contato com a ex-prefeita.

Igor estava acompanhado dentro do carro por uma pessoa com mandado de prisão em aberto por homicídio - este acompanhante está ferido e internado no Hospital de Emergências de Macapá.

"O padrasto e enteado estavam em via pública, sem relação com a ocorrência. Foram atropelados pelo veículo em fuga em uma área sem iluminação pública e possivelmente confundidos pelos policiais com os que estavam dentro do carro. Foi isso que apuramos até o momento", afirmou o delegado Yuri Agra, da 1ª Delegacia de Polícia Civil de Santana.

O IML (Instituto Médico Legal) confirmou que a morte de padrasto e enteado aconteceu em decorrência dos disparos de arma de fogo depois de serem atropelados pelo carro em fuga.

Vítimas estavam em bicicleta e não em carro em fuga, mostram imagens - Reprodução - Reprodução
Vítimas estavam em bicicleta e não em carro em fuga, mostram imagens
Imagem: Reprodução

Em depoimento, os seis policiais relataram que atiraram, informou a Polícia Civil, mas nenhuma das equipes afirmou se os disparos que mataram as vítimas partiram de alguma arma da PM. A corporação não revelou a identidade dos policiais suspeitos.

A Polícia Civil conseguiu localizar duas armas de fogo, sendo uma fora e outra dentro do carro. Momentos depois, os policiais entregaram mais uma arma de fogo na delegacia que estaria com os suspeitos dentro do carro.

"Como duas pessoas não tinham envolvimento e, apesar de a PM levantar a tese de troca de tiros e que estariam dentro do carro, tudo indica que não. Ao fim do inquérito iremos ver se confirma a legítima defesa ou não. Vamos fazer exames balísticos com as armas que estariam com os suspeitos e da PM para saber quem atirou", explicou Agra.

Carro praticaria assalto, diz PM

Procurada pelo UOL, a Polícia Militar informou que se pronunciaria sobre o caso somente amanhã porque ainda está coletando dados sobre a ocorrência.

No dia, o boletim de ocorrência apontou que o carro estaria rondando o bairro Acquaville, em Santana, com atitude suspeita para eventual prática de assalto. Durante a fuga, o veículo perdeu o controle.

Ao bater em uma árvore, "vários indivíduos saíram do veículo efetuando disparos nas equipes que revidaram a injusta agressão, sendo que dois indivíduos empreenderam fuga a pé efetuando disparos contra as equipes", consta no boletim de ocorrência.

Para a Polícia Civil, não está confirmado se o carro está envolvido em algum delito.

"A única informação é de que estariam destinados a praticar assalto. Essa é a informação que temos. Se algum assalto foi evitado, não temos como saber. A PM diz que sim, é a versão dela", ponderou o delegado.

Família pede Justiça

Parentes e amigos de Helkison e Rafael criaram uma página no Facebook para pressionar a investigação e cobrar rigor na apuração dos fatos.

Procurados pelo UOL, parentes ainda não responderam aos contatos. Em uma nota publicada na rede social, a família agradece as mensagens de conforto e informa que vai lutar por Justiça.

A página ainda descreve relatos de testemunhas de que Igor chegou a levantar as mãos durante a chegada da polícia. "Segundo testemunhas presente na hora do ocorrido, o Helkison levantou as mãos informando que não tinha nada a ver com ocorrido, levantou as mãos (sinal universal de rendição) e uma policial que estava no caso gritava 'atira, atira'. E assim o Helkison foi executado com vários tiros na cabeça".

Helderson Rosário, irmão de Helkison, confirmou que testemunhas viram a vítima dizendo aos PMs que não tinha relação com a perseguição.

"Queremos que a verdade venha à tona. Os PMs confundiram e mataram sem perguntar nada, mesmo pedindo clemência e gritando ao chão, com a mão para cima. Eles foram executados e queremos que a Justiça seja feita. É cruel a situação, pois meu irmão não estava neste carro, algo comprovado por câmeras", afirmou.

"Estamos nos sentindo injustiçados pelas inverdades da PM e ocultação de informações. Não é só mais um caso de violência policial", concluiu o irmão, se referindo ao fato de a Polícia do Militar do Amapá ser, desde 2016, a mais letal do país, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Em 2020, a taxa de letalidade alcançou 13 assassinatos a cada 100 mil habitantes. A média brasileira é de apenas 3 para o mesmo grupo populacional.