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Que tipo de tubarão mordeu turista em Ubatuba? Biólogo aponta hipóteses

Turista francês foi mordido por tubarão em praia de Ubatuba (SP). Foi o primeiro registro de acidente envolvendo tubarão nos últimos trinta anos na cidade - Instituto Argonauta
Turista francês foi mordido por tubarão em praia de Ubatuba (SP). Foi o primeiro registro de acidente envolvendo tubarão nos últimos trinta anos na cidade Imagem: Instituto Argonauta

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

10/11/2021 11h08Atualizada em 10/11/2021 15h55

Um estudo iniciado pelo biólogo e especialista em tubarões Otto Bismarck Fazzano Gadig, professor doutor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), já é capaz de indicar que, pelo tipo de mordedura, o animal que atacou um turista francês na semana passada em Ubatuba, litoral de São Paulo, era de pequeno ou médio porte. A hipótese de ter sido um filhote também não foi descartada.

Ainda é muito cedo para identificar a espécie, avisa o professor. Mas, graças a uma análise visual realizada em fotografias e vídeos do ferimento enviados a ele pela família da vítima, foi possível identificar o tipo de mordedura, o que configura uma das muitas pistas que serão estudadas durante a pesquisa em busca do provável responsável pelo ataque.

O professor Otto Bismarck Fazzano Gadig examina a mandíbula de um tubarão-martelo, no laboratório da Unesp - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O professor Otto Bismarck Fazzano Gadig examina a mandíbula de um tubarão-martelo, no laboratório da Unesp
Imagem: Arquivo Pessoal

Marcados na pele do homem de 59 anos, os dentes de cima do tubarão revelam-se largos e serrilhados. Já os de baixo apresentam-se finos e pontiagudos. Esse padrão, apesar de ser um elo comum entre algumas espécies, já elimina ao menos a mais agressiva em ataques envolvendo humanos: a do tubarão-tigre. Ele compartilha com o tubarão cabeça-chata a autoria dos 68 ataques registrados de 1992 a 2021 nas praias do Recife, em Pernambuco.

Já os ataques de tubarões verificados nos últimos anos em São Paulo ou Rio de Janeiro, por exemplo, foram causados por tubarões de tamanho pequeno (filhotes ou mesmo espécies cujo adulto é pequeno) e sem maior gravidade. Segundo o professor, os ataques no Brasil ocorrem com pouca frequência ao longo de toda a costa.

Do ponto de vista sazonal, as regiões Sudeste e Sul do Brasil estão mais sujeitas a acidentes nos meses quentes do ano, quando muitas espécies, como galha-preta, tubarões-martelo, cabeça-chata, se aproximam mais da orla para parir seus filhotes. Isso coincide com os meses das férias de verão, quando um fluxo maior de turistas frequenta a orla marinha dessas áreas, aumentando as probabilidades do encontro com tubarões.

Rondas em busca de alimento

Intrigado com a motivação do animal para morder a perna do turista, Gadig contou ao UOL que, ao entrevistar a vítima e também pessoas que estavam próximas, descobriu que provavelmente o animal já estava fazendo o patrulhamento daquele trecho de mar, em busca de alimento, quando o turista entrou.

Uma das testemunhas que estava perto do homem no momento do ataque comentou que viu peixes pulando para fora d'água quando ele entrou no mar. Uma alteração no comportamento da vida marinha, como bandos de aves circulando uma área ou peixes pulando para fora d'água podem ser indicativos de que ali há um ou mais tubarões fazendo ronda.

O turista contou que, no momento em que entrou no mar, estava acompanhado de outras três pessoas. Eles entraram fazendo estardalhaço, agitando a água com os braços e as pernas. O ataque aconteceu em menos de 2 minutos. A vítima sentiu uma pressão e um puxão na perna, se assustou e saiu da água. Só foi perceber que estava ferido quando foi alertado por uma das mulheres do grupo"

Das mais de 100 espécies que habitam a costa brasileira, 40 vivem nos mares do Sudeste e apenas cinco são consideradas as mais comuns no litoral de São Paulo, sendo o tubarão galha-preta o mais comumente envolvido nos ataques. Os indivíduos jovens dessa espécie possuem cerca de 80 centímetros e os adultos chegam a 3 metros de comprimento.

O fato de o turista ter relatado que a água estava muito turva no momento do acidente também deve ser considerado. Predadores não costumam atacar animais maiores que eles, a não ser quando em bandos. Por isso, na opinião do especialista, apesar de contar com um olfato apurado e outros instrumentos sensoriais muito mais desenvolvidos que os humanos, a visão do tubarão é como a de um homem usando máscara embaixo d'água.

Com a água turva, a visibilidade é menor. Penso que o animal, se estava perseguindo peixes comprovadamente avistados por uma testemunha, pode ter mordido a perna da vítima como um reflexo ao movimento que ele fazia sob a água.

Segundo o oceanógrafo Hugo Gallo Neto, presidente do Instituto Argonauta e diretor do Aquário de Ubatuba, o último caso de ataque de tubarão ocorrido no município foi há 30 anos. Mas, nesse caso, a história foi diferente. O animal pode ter sido atraído pelas iscas vivas utilizadas durante uma pescaria.

"Uma garota estava pescando em uma canoa com o pai. Ele utilizava iscas de pesca e a menina estava com o braço dentro da água, quando acabou levando a mordida. Mas ela ficou apenas com uma pequena cicatriz, não precisou de amputação, não foi algo grave".

Foram registrados no Brasil, de 1931 até hoje, 89 casos de ataques espontâneos de tubarão. O que os pesquisadores chamam de "não provocados" pelos humanos por alguma interação com o animal. Desses, apenas 11 ocorreram em São Paulo, segundo o Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões - órgão ligado à Universidade da Flórida (EUA), do qual Otto Gadig é representante em terras brasileiras.

"Quando se fala em aumento no número de ataques, devemos levar em consideração que somos nós que estamos adentrando cada vez mais no reino dos tubarões, que é o oceano. Antes, há alguns séculos, tínhamos muitos tubarões e poucas pessoas com acesso ao mar. Hoje, temos tubarões em menor número, mas a quantidade de pessoas que se banham no mar é muito maior. Acidentes serão inevitáveis".