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Após tragédia da Kiss, réus ficaram presos por 4 meses e estão em liberdade

Entrada da Boate Kiss, palco da tragédia que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas em Santa Maria (RS) - Ricardo Moraes/Reuters
Entrada da Boate Kiss, palco da tragédia que matou 242 pessoas e deixou 636 feridas em Santa Maria (RS) Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

29/11/2021 04h00

Os quatro réus acusados de serem os responsáveis pelo incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ficaram mais de quatro meses presos. Mas acabaram sendo soltos e permanecem em liberdade. Após mais de oito anos da tragédia, eles vão a julgamento, no que é considerado o maior da história do judiciário gaúcho. O Tribunal do Júri começa na próxima quarta-feira (1º) em Porto Alegre e deve durar cerca de 15 dias.

Os réus são os dois sócios da boate —Elissandro Callegaro Spohr, conhecido por Kiko, e Mauro Londero Hoffmann— e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira —o produtor musical Luciano Augusto Bonilha Leão e o músico Marcelo de Jesus dos Santos. Os quatro serão julgados por 242 homicídios simples e por 636 tentativas de assassinato - os números levam em conta, respectivamente, os mortos e feridos no incêndio da boate.

Eles foram presos no dia seguinte à tragédia, ocorrida em 27 de janeiro de 2013. Porém, em 29 de maio daquele ano foram soltos após decisão da 1ª Câmara Criminal do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul). Na época, o desembargador Manuel Martinez Lucas entendeu que não havia mais fundamento o argumento para pedir a prisão preventiva dos quatro, em janeiro —a manutenção da ordem pública.

Para o magistrado, além de não se verificar na conduta dos réus qualquer "traço excepcional de maldade", também não se pode apontar neles qualquer periculosidade, "pois, pelo que se tem, são pessoas de bem, sem antecedentes criminais".

"Não se vislumbra na conduta dos réus elementos de crueldade, de hediondez, de absoluto desprezo pela vida humana que se encontram, infelizmente com frequência, em outros casos de homicídios e de delitos vários", afirmou o desembargador, na decisão.

Como vivem hoje os réus

Desde a tragédia, Bonilha e dos Santos continuam morando em Santa Maria. Já Spohr reside em Porto Alegre e atua hoje na compra e venda de pneus. Não se sabe onde mora Hoffmann. Fora Bonilha, os outros três evitam aparecer em público e dão poucas entrevistas.

No começo do mês, Spohr disse que vive "congelado" no dia 27 de janeiro de 2013 e que, apesar de agora ir a mercado e farmácia, não tem uma vida normal. "A máscara, agora com a pandemia, tem facilitado, digamos assim, para eu poder sair em público. Não vou em lugares que têm muita gente", disse em entrevista a GZH.

O sócio da Kiss relatou que teve que deixar Santa Maria e ir morar em Porto Alegre porque estava sendo muito ameaçado. Inicialmente, ficou quatro meses em Tramandaí, no litoral gaúcho. "Fiquei em isolamento, dentro de um apartamento. Não saía para nada. De lá, vim para Porto Alegre. Fiquei, também, muito dentro de casa. Saía só para comprar alguma coisa", ainda em relato a GZH.

boate, kiss - Marcos Borba/ Associação dos Parentes de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria - Marcos Borba/ Associação dos Parentes de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria
Fachada da boate Kiss, em Santa Maria (RS), onde 242 pessoas morreram na noite de 27 de janeiro de 2013
Imagem: Marcos Borba/ Associação dos Parentes de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria

Documentário gerou controvérsias

No começo de novembro, um documentário foi lançado no qual se traz um diálogo do advogado Jader Marques com Spohr, em uma viagem de carro entre Porto Alegre e Santa Maria. A gravação acabou sendo criticada por famílias e sobreviventes da boate Kiss. Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (26), Marques explicou a finalidade do documentário.

"Nos últimos quase nove anos nós ouvimos e nos deparamos com as manifestações das mais diversas de pessoas que sofrem e tem um sofrimento legítimo. É legítimo o sofrimento dessas pessoas e, ano a ano, esse sofrimento se agravava pela demora no processo. Nós, de maneira silenciosa, permanecemos observando todo esse movimento que foi de produção de uma série de conteúdos e documentários, entrevistas, dessas pessoas expondo sua indignação e sofrimento. (...) O documentário foi o registro de um sofrimento diário que nunca veio a público (de Spohr) porque o entendimento até aqui é de que todos os que sofrem são legitimados em seu sofrimento, mas o dele nunca foi. E até hoje", disse o advogado, que se refere inicialmente às famílias das vítimas.

Já Bonilha atua como DJ. Desde a tragédia, separou-se da esposa, ganhou peso, mudou de casa e hoje vive em um condomínio popular no bairro Medianeira, em Santa Maria.

Relembre o caso

Segundo testemunhas, o fogo teria começado quando o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, que acabara de subir ao palco, lançou um sinalizador contra o teto de espuma inflamável. Já Bonilha foi quem comprou o artefato.

De acordo com a investigação da polícia, a casa estava superlotada, os extintores posicionados na frente do palco não funcionaram e a saída de emergência foi insuficiente.

A maioria das mortes foi causada por asfixia causada pelo gás cianeto, liberado pela espuma inflamável. Ao todo, 180 corpos foram encontrados na área do banheiro, por acreditarem que ali seria uma saída de emergência.