Topo

SP tem menor número de homicídios em 20 anos, mas estupros crescem

12.jan.2022 - Policiais militares acompanham evento de entrega de viaturas pelo governo de São Paulo - Mister Shadow/Estadão Conteúdo
12.jan.2022 - Policiais militares acompanham evento de entrega de viaturas pelo governo de São Paulo Imagem: Mister Shadow/Estadão Conteúdo

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

26/01/2022 17h19Atualizada em 17/02/2022 12h01

O Estado de São Paulo registrou em 2021 o menor número de vítimas de homicídio doloso (quando há intenção de matar) em 20 anos, de acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública divulgados hoje. Foram 2.847 vítimas no ano passado, contra 13.133 em 2001, quando a pasta começou a divulgar os números de criminalidade.

Por outro lado, os casos de estupros subiram 6,7% no ano passado (11.762 registros) em comparação a 2020 (11.023). Se o dado de 2021 for comparado ao ano de 2001, quando foram registrados 3.949 casos, houve um aumento de 197%. Vale registrar que houve mudança no Código Penal em 2009, que passou a considerar como estupro todas as formas de sexo forçado e atos libidinosos, antes considerados atentado violento ao pudor.

O número de vítimas de homicídio vinha em queda ao longo de 2021. Em janeiro do ano passado, houve 295 vítimas. Em dezembro, 214.

Os registros de estupro e estupro de vulnerável se mantiveram no mesmo patamar. O menor número foi registrado em junho, quando houve 840 casos, e o maior em novembro, com 1.100. Em dezembro, foram 945.

O estupro de vulnerável é o crime de prática de ato libidinoso ou sexo com menor de 14 anos ou com alguém que não tem discernimento e não consegue oferecer resistência. A pena é de 8 a 15 anos de prisão.

Esse aumento nos crimes de estupro é notado em outros estados e os números reais ainda podem ser maiores do que os divulgados, já que há subnotificação desses registros. Um levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que só 10% das tentativas ou casos de estupro são reportados no Brasil.

O advogado e ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Hédio Silva Junior, explica que a hipótese mais provável para esse aumento de casos de estupro está relacionada às restrições impostas pela pandemia.

"A hipótese bastante provável é que a pandemia, com as pessoas permanecendo mais em casa, favorecem crimes que acontecem em ambientes domésticos. Indicadores apontam que o agressor sexual é alguém próximo da vítima", afirma.

Sobre o índice de homicídio, o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Rafael Alcadipani afirma que é necessário um estudo mais aprofundado para descobrir a causa da queda do dado, apesar dele ser positivo. "O homicídio é um dado muito difícil de ser atribuído a um principal fator, é sempre multifatorial", afirmou.

Guerras de facções criminosas, por exemplo, podem ser uma das causas para aumentos nos índices de homicídio, como aconteceu em 2017 no Brasil.

Letalidade policial cai 30% em um ano

O número de pessoas mortas pelas polícias Civil e Militar, em serviço e de folga, caiu 30% em 2021. Foram 570 vítimas no ano passado, contra 814 em 2020.

Diferentes dos outros índices de criminalidade, os dados das mortes cometidas por policiais são divulgados trimestralmente. Levantamento feito pela reportagem apontou que o número total de pessoas mortas em 2021 pela Polícia Militar e Polícia Civil é o menor desde 2013, com 369 vítimas.

Os números acompanham uma mudança de discurso do governador ao longo de seu mandato. Doria foi eleito governador de São Paulo propagandeando o slogan "BolsoDoria", relacionando sua candidatura ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Doria divulgou que, durante sua gestão, a polícia iria "atirar para matar".

No dia em que foi eleito, prometeu "os melhores advogados" aos policiais que matam no estado. Também elogiou ação da polícia com 11 suspeitos mortos e afirmou que a redução da letalidade policial seria algo que poderia acontecer, mas sem obrigatoriedade.

Nesse sentido, suas promessas refletiram nos dados. A polícia de São Paulo nunca havia matado tanto num primeiro semestre quanto em 2020, sob a gestão João Doria. Os dados da SSP apontam que as polícias Civil e Militar mataram, juntas, 514 pessoas em supostos tiroteios, durante o serviço e também durante a folga, de janeiro a junho — o maior número da série histórica do governo paulista, que iniciou em 2001. No mesmo período, 28 policiais foram assassinados, mesmo índice registrado em 2018.

Pressionado pelos índices e distante de Bolsonaro, Doria, então, começou a alterar seu discurso comentando a letalidade como um problema a ser resolvido. Ele chegou a anunciar um novo programa para retreinar os policiais de São Paulo com o objetivo de diminuir casos de violência policial. Como já opinou em algumas oportunidades, na opinião do governador, o estado "não tem comprometimento com o erro" e indica o afastamento imediato daqueles que ele afirma considerar "maus policiais"

Neste ano, o governo paulista ampliou o uso das câmeras nas fardas dos policiais militares do Estado. No entendimento da corporação, a medida ajudou a controlar a letalidade. O dispositivo só incomoda o agente que não age corretamente, na opinião do secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires Campos.

Há três semanas, sua pasta anunciou a compra de 3,1 mil armas de choque em um investimento de R$ 20 milhões. "Este equipamento diminui a letalidade policial sem comprometer a sua eficiência e faz parte do esforço do Governo de São Paulo em avançar seus programas de segurança, reduzindo a taxa de letalidade", escreveu Doria em nota.

O pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, afirma que a redução na letalidade está atribuída a essas ações, mas questiona por quais razões elas não foram tomadas com antecedência.

"A pergunta que fica é de quais eram os interesses políticos que fizeram com que tivéssemos uma das piores taxas de letalidade policial do mundo. Agora, de repente, num ano de eleição, quando João Doria não está com Jair Bolsonaro, esses números mudam", critica o pesquisador.

João Doria é candidato do PSDB à Presidência da República e, hoje, é antagonista de Bolsonaro.

Já o ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Hédio Silva Junior, ressalta que os dados atuais comprovam a incongruência dos discursos que colocam a letalidade policial como sinônimo de produtividade policial.

"O aumento da eficiência do trabalho policial não tem relação direta com a letalidade policial. A produtividade não é uma resultante automática dos enfrentamentos. Letalidade policial depende de políticas públicas e de controle de órgãos de fiscalização", explicou o advogado.

À reportagem, a Secretaria da Segurança Pública apenas questionou a comparação dos dados de estupros ocorridos entre 2001 e 2021.

"Alterações na legislação ocorridas em 2009 e 2018 influenciaram nos registros e ampliaram as possibilidades de classificação de casos dessa natureza. Além de endurecer as penas, a legislação aprovada em 2009 passou a considerar como estupro situações que anteriormente eram tratadas como crime de atos libidinosos", escreveu a pasta em nota.

Segundo a SSP, o crime de estupro para maiores de 18 anos passou a ser considerado "ação penal pública incondicionada". "Até então, esses casos dependiam de representação criminal da vítima para que pudessem ser denunciados e investigados", concluiu.