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Plural é um projeto colaborativo do UOL com coletivos independentes, de periferias e favelas para a produção de conteúdo original


Campanha virtual é desafio para candidaturas negras e indígenas

Candidatos se preocupam com campanha na periferia das grandes cidades - Inês Bonduki/UOL
Candidatos se preocupam com campanha na periferia das grandes cidades Imagem: Inês Bonduki/UOL

Jonas Pinheiro, do Alma Preta

Colaboração para o UOL, em São Paulo

04/09/2020 04h00

Candidatos negros, indígenas e de periferia já traçam a estratégia para o que consideram ser um grande desafio para as eleições de 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus. Sem vacina e com as medidas de isolamento e o distanciamento social ainda em vigor, a campanha eleitoral sai das ruas e deve se concentrar na internet. Mas esses candidatos e os seus potenciais eleitores enfrentam dificuldades de conexão.

Dados de acesso à internet e à tecnologia no país mostram que há uma lacuna no alcance desses serviços para determinadas faixas da população. De acordo com a pesquisa TIC domicílios de 2019, do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), 20 milhões de casas não têm conexão (o que representa 28% dos domicílios) e 47 milhões de brasileiros não usam a internet (26% da população).

Essa é uma realidade mais forte para as populações negra e indígena, já que 43% da pessoas pardas, 45% das pessoas pretas e 51% dos indígenas nunca utilizaram um computador. Para brancos, esse índice é de 37%.

Isso faz o celular ser o equipamento prioritário de acesso para 65% dos pardos, 61% das pessoas pretas e 75% dos indígenas. Entre brancos, o percentual é menor, de 51%.

Quando é feito um recorte de classe, observa-se que os mais pobres são excluídos. Enquanto 99% dos domicílios da classe A e 95% da classe B têm acesso à internet; 80% das casas da classe C e só metade das residências da classe DE são conectadas à rede.

Para o cientista político Rodger Richer, mestre em Ciência Política pela Unicamp e analista de candidaturas negras, vai ser preciso pensar em soluções criativas para contornar as barreiras socioeconômicas e de conectividade. "Claro que o poder econômico ainda vai influenciar nas eleições, mas acredito que com criatividade algumas candidaturas negras e periféricas podem furar a bolha e se eleger", diz ele.

Candidaturas populares

"As práticas políticas populares feitas no cotidiano estão profundamente ligadas à rua, às comunidades e aos encontros presenciais", diz Thaís Ferreira, mulher negra de 31 anos, que é pré-candidata a vereadora pelo PSOL no Rio.

Thais Ferreira, pré-candidata a uma vaga na Câmara do Rio de Janeiro - Arquivo Pessoal/Thais Ferreira - Arquivo Pessoal/Thais Ferreira
Thais Ferreira, pré-candidata a uma vaga na Câmara do Rio de Janeiro
Imagem: Arquivo Pessoal/Thais Ferreira

Para ela, chegar à população desconectada será um grande desafio para quem construiu suas relações na base do "olho no olho". Mãe de três filhos, ela já disputou uma vaga de deputada estadual em 2018. Neste ano, ela deve driblar a o cenário adverso recorrendo aos coletivos de base e reforçando a comunicação dentro das comunidades. Nesta estratégia, entram os contatos via redes sociais e por rádios comunitárias.

Além dos problemas de conectividade, Ferreira lembra de obstáculos já conhecidos, como o subfinanciamento de candidaturas negras dentro dos partidos políticos.

Na semana passada, houve uma vitória, nesse sentido: o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou a imposição aos partidos de que o dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral seja destinado de forma proporcional às campanhas de candidatas e candidatos negros. Mas essa obrigação passará a valer a partir da eleição de 2022.

Candidaturas coletivas de ativistas

Apostar na política de base é o caminho apontado por outra candidata às eleições de novembro, Elaine Mineiro, de 35 anos. A arte educadora de 35 anos que mora Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, vai disputar pela primeira vez as eleições para Câmara de Vereadores.

Coordenadora da Uneafro Brasil, rede de cursinhos populares, Mineiro faz parte da pré-candidatura coletiva do Movimento Negro e Periférico pelo PSOL junto de outros quatro ativistas (Débora Dias, Júlio Cesar de Andrade, Erick Ovelha e Alex Borges Barcellos). "Nossa militância é no território, e a gente não parou mesmo na pandemia. Estamos fazendo distribuição de cestas básicas, acompanhamento de famílias. A militância essencial a gente não para", afirma.

As candidaturas coletivas como a do movimento negro em São Paulo viraram alternativa para militantes que buscam espaço na política institucional e abrem espaço para a diversidade. Elas surgem na esteira experiências como a da Bancada Ativista, em São Paulo, e a Juntas, em Pernambuco, que tiveram êxito em 2018. Apesar de informal, a estratégia não é vetada pela lei eleitoral. As regras, porém, permitem um só nome e foto na urna.

Candidaturas longe dos centros urbanos

A realidade das periferias dos centros urbanos não é muito diferente das zonas rurais, onde o acesso é ainda mais limitado, pois apenas 47% das pessoas têm acesso à internet.

Pré-candidato a vereador, Alenilson Santos, do PCdoB do município de Ituberá, litoral sul da Bahia com pouco menos de 30 mil habitantes (IBGE), já espera enfrentar dificuldade.

"A gente que reside no interior sabe que a presença, o corpo a corpo, ainda está muito presente nesse processo. O eleitor ainda não está acostumado a procurar informações do seu candidato na internet", comenta.

O jeito será recorrer a líderes comunitários, diz Santos, conselheiro tutelar e filho de uma marisqueira e um agricultor.

Participação popular e narrativa antirracista

Com campanhas no currículo como as do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, do presidente do Equador Lenín Moreno e serviços prestados ao PT (Partido dos Trabalhadores), o publicitário Edson Barbosa qualifica a internet como necessidade básica. Para ele, a única maneira possível de enfrentar os políticos com poder econômico é a participação popular. E isso inclui as manifestações na rede.

"O grande diferencial dessa eleição na dimensão digital vai ser que a massa substitua os robôs. Quem tiver gente para enfrentar o processo, terá mais possibilidades de vencer o poder econômico."

Para Rodger Richer, uma alternativa para driblar o poder econômico pode ser apostar na narrativa do antirracismo e na força do movimento de mulheres negras feministas, já que essas temáticas assumiram o protagonismo com os protestos em todo mundo após a morte de George Floyd nos EUA.

Elaine Mineiro acredita que a onda de indignação gerada após atos de violência policial pode ser um aspecto favorável. Para ela, o contexto pode funcionar como uma espécie de "fresta histórica", que favorecerá quem sempre trabalhou contra o racismo.

"Não é só porque aconteceu um fato lá nos Estados Unidos com George Floyd que estas pessoas vão nos ouvir. Elas ouvem as pessoas que elas reconhecem na caminhada."