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Pré-candidatos negros já traçam estratégias para fiscalizar verba eleitoral

Os pré-canditatos Tamires Sampaio, Elaine Mineiro e  Samuel Emilio  - Arquivo pessoal
Os pré-canditatos Tamires Sampaio, Elaine Mineiro e Samuel Emilio Imagem: Arquivo pessoal

Djalma Campos

Colaboração para o UOL, de São Paulo

13/09/2020 04h00Atualizada em 13/09/2020 11h34

Pré-candidatos negros de diversos partidos já traçam estratégias para fiscalizar em suas legendas a distribuição proporcional de recursos públicos na campanha eleitoral e tempo de TV entre políticos brancos, pretos e pardos.

Os políticos se articulam após o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinar na quinta-feira (10) que a reserva de recursos para candidatos negros já seja válida para as eleições de 2020. O entendimento do ministro altera a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que determinou, no mês passado, que as novas regras só valeriam a partir de 2022.

Comemoração e fiscalização

Ainda que a liminar possa ser revista pelo plenário do Supremo, a notícia rapidamente repercutiu entre políticos afrodescendentes do país. Samuel Emílio, 24, pré-candidato a vereador de São Paulo pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), afirma que a reação foi imediata no grupo de WhatsApp dos candidatos negros — que reúne 145 políticos de vários estados do país.

"Os partidos ainda não fecharam as chapas. Existe a possibilidade de diminuírem o número de negros nas eleições, como meio de enviar menos dinheiro do fundo eleitoral. Existe também a possibilidade de usarem negros como laranjas. Mas não temos desculpa para não avançar", diz Emílio.

O pré-candidato afirma já haver preparativos para resolver questões que envolvem a nova regra. A distribuição das verbas, da ordem de R$ 2 bilhões neste ano, é o ponto que gera maior preocupação. "Na [ONG] Educafro [Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes], onde atuo, estamos articulando uma coalizão. A ideia é que os candidatos negros fiscalizem seus partidos".

A orientação, diz, é que os candidatos registrem fotos de todas as pessoas que foram aprovadas durante a convenção partidária. Logo depois, devem buscar a autodeclaração ou não do candidato como negro. O objetivo é cruzar isso com a fatia do fundo a ser destinada ao diretório municipal.

Se conseguimos fazer esta investigação municipal, temos mais chance de garantir que a distribuição dos valores aconteça da maneira correta. Mas já prevejo muita sabotagem dos partidos, e certamente teremos candidaturas negras laranjas. A única solução é fiscalização e punição
Samuel Emílio, 24, pré-candidato do PSB

Pré-candidata a vereadora pelo PT (Partido dos Trabalhadores), Tamires Sampaio, 26, também comemora a liminar. Tamires explica que a secretarias de Combate ao Racismo (Nacional, Estadual e Municipal), do PT, e militantes do movimento negro estão "dialogando com os candidatos para garantir que os recursos cheguem a eles".

Candidaturas negras importam

Ex-integrante do grupo de pagode Soweto e pré-candidato a vereador em São Paulo pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), o músico Claudinho de Oliveira, 56, também acredita que a fiscalização é o melhor caminho para garantir que a verba seja distribuída igualmente.

Mas, para ele, as ações dependem de cada partido. "É preciso que os negros se organizem e cobrem isso dentro de cada legenda. Temos que fiscalizar, sim, pois é algo muito importante para os negros", afirma.

O músico Claudinho de Oliveira, pré-candidato a vereador em São Paulo pelo PD - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O músico Claudinho de Oliveira, pré-candidato a vereador em São Paulo pelo PDT
Imagem: Arquivo pessoal

Claudinho não vê possibilidade de diminuição de candidaturas negras em decorrência da aplicação da medida. "Acho que estamos atravessando um momento social em que os partidos têm que apresentar respostas para essas questões raciais. Eles é que vão perder se não encamparem essas propostas. As candidaturas negras são tão importantes para os partidos como são para a comunidade [negra]".

Professora de geografia e história, a pré-candidata do PCdoB Adriana Vasconcellos, 47, demorou para acreditar na decisão do Supremo Tribunal Federal. "Li e me perguntei se era mesmo verdade. Fiquei em dúvida e achei que estavam falando da decisão anterior. Li de novo, e fiquei muito feliz."

A professora de geografia e história Adriana Vasconcellos, pré-candidata do PCdoB à Câmara Municipal de São Paulo - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A professora de geografia e história Adriana Vasconcellos, pré-candidata do PCdoB à Câmara Municipal de São Paulo
Imagem: Arquivo Pessoal

Na avaliação de Adriana, a decisão vem em boa hora porque o pleito municipal traça os rumos de assuntos mais imediatos para a população. "As coisas acontecem realmente nas eleições municipais. Deputados estaduais e federais são importantes, mas a vida pulsa nas cidades. Ainda mais neste momento de pandemia."

A professora aposta na cobrança direta à direção dos partidos como forma de garantir que os valores sejam direcionados aos negros.

Para Elaine Mineiro, 36, pré-candidata do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) a uma vaga a Câmara Municipal de São Paulo, pressionar por mais transparência dos partidos políticos pode ajudar na destinação das verbas.

"Nesse momento, é fundamental que a nossa organização, enquanto movimento negro dentro dessas instituições, continue buscando uma relação de diálogo. O foco deve ser garantir que os partidos tenham transparência nos critérios e indiquem quais as candidaturas negras vão acessar esse recurso. E que haja transparência nos valores destinados a cada uma dessas candidaturas", disse ela.

A regra vai pegar?

Erika Hilton, 27, também pré-candidata do PSOL, fica entusiasmada com a aplicação da regra já nestas eleições, diz ressalta a complexidade de fiscalizar a distribuição de recursos. Ela compara a repartição proporcional dos fundos públicos eleitorais entre negros e brancos às cotas raciais nas universidades.

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Erika Hilton, pré-candidata a vereadora pelo PSOL
Imagem: Arquivo Pessoal/Rafael Canoba

"Fazendo uma analogia, começo a pensar como se daria isso no processo eleitoral. Tempo de TV é mais fácil de fiscalizar. Mas, quando a gente pensa em dinheiro, realmente é uma questão importante que se coloca perante todos nós. Acredito que, a partir do que foi feito no caso das cotas nas universidades, temos condições de nos organizar", diz.

Depois da inserção das cotas, surgiram diversos coletivos dentro dos ambientes acadêmicos para identificar quem burlasse o sistema. Para ela, o desafio é fazer a lei "pegar".

"Não podemos permitir que nos roubem e nos usurpem. Temos o dever de fazer esta fiscalização, e teremos ferramentas para fazer isso. Esta não será mais uma de milhões de leis que ficam apenas no papel e não chegam à base", afirma.

E se o dinheiro não for liberado?

Caso os partidos descumpram a determinação do STF, há medidas jurídicas possíveis de serem adotadas por candidatos negros que não receberem os fundos eleitorais equivalentes aos de seus colegas brancos. A afirmação é do advogado Eduardo Tavares, 37, especialista em direito eleitoral e membro fundador da Academia Brasileira Eleitoral.

"Ao ver negado direito de acesso ao financiamento eleitoral, os candidatos podem representar junto ao Ministério Público e à Justiça Eleitoral. Penso que pode também ser impetrado um mandado de segurança, para fazer valer o direito de acesso", diz.

Tavares lembra, porém, que o STF ainda julgará o mérito da questão. Não há prazo para a corte se manifestar a respeito, mas o advogado acredita em uma decisão célere "para que tenhamos tranquilidade nas eleições".

A petista Tamires Sampaio afirma que é importante esperar a decisão do plenário do STF. "Precisamos ficar espertos para que não derrubem esta liminar."

Durante o julgamento do TSE, os três ministros do Supremo na Corte Eleitoral defenderam que a divisão proporcional valesse já para as eleições de 2020. Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, no entanto, foram vencidos pelos ministros Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.

Números mostram a distorção

De acordo com estudo da FGV Direito, homens brancos representaram 43,1% de todos os candidatos a deputado federal nas eleições de 2018, mas abocanham cerca de 60% das receitas de campanha. Na outra ponta, mulheres negras somaram 12,9% das candidaturas à Câmara, mas ficaram com 6,7% dos recursos. Já homens negros eram 26% dos candidatos, mas receberam 16,6% do total do volume.

Na atual legislatura, mulheres negras representam 2,5% do total de eleitos, enquanto as mulheres brancas são 12,28%. Homens brancos representam 62,57%, já homens negros, 22,02%.

Acho que agora teremos uma eleição mais equânime. Os investimentos sempre são feitos nas candidaturas de homens brancos e mulheres brancas, e a gente fica no meio do bolo, esperando sermos enxergados
Adriana Vasconcellos, pré-candidata pelo PCdoB