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Lula, Recife, 2022: o que há por trás do racha da esquerda que isolou o PT?

O ex-presidente Lula (PT) ao lado de sua namorada, Rosângela, no Recife - Leo Caldas/Folhapress
O ex-presidente Lula (PT) ao lado de sua namorada, Rosângela, no Recife Imagem: Leo Caldas/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

03/10/2020 04h00

As eleições para prefeito nas capitais marcam uma separação do maior partido de esquerda do país, o PT. A busca é por recuperar parte do espaço perdido em 2016, quando conseguiu apenas uma vitória em capitais (Rio Branco). Para tanto, o partido vai enfrentar um isolamento imposto por outros dois dos maiores partidos de esquerda, PSB e PDT, unidos para concorrer em muitos locais.

O PT vai disputar isolado em 13 de 20 capitais. Nas outras seis capitais, apoia candidatos de outros partidos. Com o PSB, o partido só se uniu em duas capitais (João Pessoa e Salvador). Já com o PDT, pela primeira vez, não tem aliança em nenhuma dessas cidades.

Na ótica dos líderes desses três partidos, as rusgas na esquerda têm por trás uma disputa por espaço que envolve a manutenção de uma cidade polo e um olho em 2022.

A presidente petista Gleisi Hoffmann diz não enxergar um isolamento do partido em 2020 e afirma que o arco fechado de alianças é positivo. "Na maioria das capitais, estamos coligados. Temos 26 estados. Em 14 estamos coligados nas capitais. Em 12 não estamos porque, ou não foi possível, ou era uma estratégia de outros partidos. Não há isolamento, mas conjunturas locais", diz.

Afirma que houve uma orientação do partido para que os diretórios lançassem candidatos nas maiores cidades. São 142 postulantes nas 197 prefeituras de maior expressão.

"Houve uma mudança no cenário político [em relação a 2016] e seria importante ter espaços para falar do legado [do PT] e se defender dos ataques. Como não temos mais coligação para chapa de vereadores, essa eleição depende muito do trabalho da candidatura majoritária. Além disso, partidos do nosso arco se deram a opção de sair com muitas candidaturas por conta da cláusula de barreira", afirma.

O posicionamento dos outros partidos também foi determinante. "No PDT foi uma estratégia da candidatura do Ciro em 2022. Isso é claríssimo. Já o PSB tem a ver com a decisão de mantermos a candidatura da Marília Arraes no Recife [onde o PSB governa há sete anos e lançou João Campos, filho de Eduardo Campos]. Depois disso o partido começou a se desmanchar as coligações que tinha, o que não tem a ver com isolamento."

Marília Arraes (PT), vereadora da cidade do Recife - Avener Prado/Folhapress - Avener Prado/Folhapress
Marília Arraes (PT) saiu candidata à Prefeitura do Recife contra João Campos (PSB)
Imagem: Avener Prado/Folhapress

Lula, um dos culpados

PSB e PDT têm visão diferente. "Não houve nenhuma decisão, nenhum veto nosso de alianças. O PT se isolou e é hoje o grande responsável por toda a esquerda não estar unida nas grandes cidades", diz Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB.

Siqueira assegura que a candidatura do PT no Recife não foi o motivo do afastamento. "A eleição do Recife não é diferente do que o PT fez no restante do país. Não foi uma decisão por um local, isso não tem fundamento", diz.

Lupi Ciro - Pedro Ladeira-10.out.2018/Folhapress - Pedro Ladeira-10.out.2018/Folhapress
Carlos Lupi, presidente do PDT, ao lado do presidenciável Ciro Gomes: de olho em 2022
Imagem: Pedro Ladeira-10.out.2018/Folhapress

Para ele, as falas do ex-presidente Lula estimularam os partidos de esquerda a buscarem outras alianças.

Desde que o Lula saiu da prisão anunciando que queria candidatos do PT em todas as capitais e que seria candidato em 2022, inviabilizou a unidade da esquerda.
Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB

"Então nós fomos tratando de fazer outra articulação de centro-esquerda e fizemos dezenas de coligações em capitais e grandes cidades", completa, considerando a situação como "profundamente lamentável".

"Mas é compreensível pela história do PT. Sempre repito: o PT entre o partido e o Brasil fica consigo mesmo. Isso ficou claro em 2018, não há novidade", afirma.

Olho em 2022

Carlos Lupi, que preside o PDT, também diz que não houve um veto do partido às alianças com petistas, mas foi aprovada uma preferência a coligações com o PSB. "Foram oito alianças nas capitais", afirma, admitindo a estratégia para daqui a dois anos. "É claro que a gente olha apontando para 2022. Para isso, 2020 vai ser uma plataforma importante."

Ele reforça a culpa dos petistas. "Foi o PT que foi se isolando. Como ele tem uma cultura hegemônica e quer sempre liderar o processo, acabou fazendo com que aliados vissem outros caminhos", diz. "O PT é assim: pode ter qualquer aliança, desde que seja ele na cabeça."

Aposta arriscada, diz cientista política

Para a professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) Luciana Santana, a situação do PT acabou ficando "muito delicada". "Eu não vejo como um isolamento total, mas uma estratégia de sobrevivência e de ampliação das bases. O partido está pensando em 2022 e acho que a maioria dos partidos também está", afirma.

Para ela, entretanto, o partido se arrisca ao afastar a possibilidade de alianças e pode pagar por isso com a perda de espaço, "porque fortalece a candidatura do Bolsonaro na reeleição em 2022".

Santana concorda que 2020 pode ser considerado um balão de ensaio para daqui dois anos. "A esquerda segue no rumo de não ter um candidato único. Isso mostra que os partidos estão tentando se viabilizar eleitoralmente pensando 2022, construindo uma base mais ampla de forma territorial. A meu ver, a estratégia do PSB e do PDT foi acertada para buscar se fortalecerem."