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Joice declara bens irregularmente ao TRE em 2018 e corre risco de cassação

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

08/10/2020 04h00Atualizada em 08/10/2020 15h26

Resumo da notícia

  • Joice Hasselmann diz que PSL não declarou seus bens em 2018
  • Responsabilidade é do candidato de apresentar documentação obrigatória
  • Se julgada e condenada antes de 2022, poderia perder mandato
  • Defesa da parlamentar diz que não houve intenção de esconder patrimônio

Candidata do PSL à Prefeitura de São Paulo, Joice Hasselmann declarou irregularmente seus bens à Justiça Eleitoral quando se elegeu deputada federal em 2018. A ausência do registro do documento no sistema oficial, que é obrigatório, e valores divergentes de patrimônio podem render processo na Justiça, levando à perda de mandato e até detenção em caso de condenação.

Em 2018, a deputada não enviou a declaração de bens ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que foi confirmado pela campanha. "O partido, ao fazer o registro da candidatura em 2018, se equivocou e não lançou o patrimônio da candidata, que estava devidamente informado no seu Imposto de Renda."

Naquele ano, Joice declarou em 13 de agosto que não possuía patrimônio, contradizendo declaração de Imposto de Renda enviada à reportagem por sua campanha, que indicava bens equivalentes a R$ 89.980 em 2017.

Ela tinha capital social em uma empresa (R$ 1.900), um Peugeot 206 (R$ 18 mil) e um terreno em Curitiba (R$ 70 mil).

No dia 18 de agosto, seu advogado encaminhou uma retificação ao TRE, informando que a candidata teria bens avaliados em R$ 1,05 milhão: R$ 150 mil em depósitos em contas bancárias e uma "construção" de R$ 900 mil.

A informação, no entanto, não foi registrada no CANDex, o sistema eletrônico de registro obrigatório de candidatura, criado pelo TSE para dar publicidade às declarações de bens.

Sem o preenchimento obrigatório da informação, um documento emitido pelo TRE em 5 de setembro reafirma que Joice "declara não possuir bens". Em 11 de setembro, o tribunal aprovou seu registro de candidatura. Procurado sobre o motivo de ter aprovado uma candidatura com dados falhos, o TRE respondeu apenas que "não houve a falha apontada".

Crime eleitoral

Ao não declarar seus bens no CANDex, a candidata pode ter cometido um crime eleitoral por "ocultação e falsidade", previsto dos artigos 348 ao 351 do Código Eleitoral, afirma o advogado Ian Angeli, especializado no tema.

"Eventuais crimes cometidos na eleição de 2018 ainda podem ser motivo de denúncia pelo Ministério Público Eleitoral", diz ele. "Se esses crimes levarem à perda de direitos políticos, isso pode afetar a atual eleição."

Advogado da deputada, Gustavo Guedes afirma que, "se houve alguma irregularidade" em cadastrar seus bens no CANDex, Joice dificilmente seria condenada porque não houve "dolo" ou intenção de ocultar patrimônio.

"Legalmente, a responsabilidade é do candidato que assina a candidatura, mas na prática quem faz o registro são os partidos políticos. Quando se é candidato a deputado, você envia a documentação ao partido, que produz o registro", diz.

Se houve alguma coisa, foi um equívoco do partido. Se houver alguma representação, vamos fazer a defesa de que não houve dolo em relação a esse tema e não há dúvida de que seria improcedente.
Gustavo Guedes, advogado de Joice Hasselmann

Segundo Angeli, o partido político não pode ser penalizado. "A responsabilidade pelos dados em seu cadastro é do candidato, que poderia ter alterado ao perceber o erro."

Também especializado em direito eleitoral, o advogado Fernando Neisser lembra que "às vezes os candidatos delegam aos partidos essa parte burocrática, mas juridicamente quem é responsável é o candidato".

O advogado de Joice cita jurisprudência em decisão anterior no TSE que exigiu da acusação a necessidade de comprovar a intenção do político em ocultar patrimônio.

"Ela teria que ter resolvido esconder os bens, o que não faz sentido porque está no Imposto de Renda. É um patrimônio modesto compatível com seu trabalho de jornalista em Curitiba", afirmou o advogado. "Se ela fosse milionária e quisesse esconder esse dinheiro, poderia haver dúvidas."

Pode levar a detenção?

Além de ter o mandato de deputada em risco, o advogado Marcellus Ferreira Pinto diz que o MP pode exigir da deputada que explique sua evolução patrimonial e a forma como ela foi prestada naquele ano. Se a explicação não for convincente, a candidata pode até ser detida, diz Ferreira Pinto, ao citar o artigo 350 do Código Eleitoral.

Além de declarar não possuir bens e depois informar patrimônio de R$ 1,05 milhão, mas não tornar o valor público no CANDex, a candidata pode ser cobrada pelo MP a explicar a origem do ganho patrimonial.

Ela também teria de explicar o destino de R$ 863 mil, diferença entre os R$ 1,050 milhão em 2018 e declaração de bens feita à Justiça Eleitoral neste ano, quando afirmou ter patrimônio de R$ 186,9 mil: o mesmo terreno em Curitiba (R$ 70 mil), R$ 115 mil "em depósitos em contas diversas" e cota empresarial de R$ 1.900.

O Art. 350 do Código Eleitoral diz: "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa, se o documento é particular".

Sobre essa possibilidade, o advogado da candidata diz que "esse argumento da prisão é ridículo".

Na segunda-feira (5) pela manhã, o UOL enviou as últimas perguntas ao advogado, que prometeu responder quando tivesse as respostas. Após dois dias de espera, o advogado parou de responder a reportagem. Avisada sobre a iminência de publicar a reportagem, a assessoria também não respondeu.

As perguntas que ficaram sem resposta são as seguintes:

  1. Esse valor [R$ 1,050 milhão], mesmo que inclua dívidas, não foi declarado no CANDex para ocultar publicamente os bens da candidata?
  2. O que houve para que ela tenha aumentado tanto seus bens em tão curto espaço de tempo?
  3. O que houve com esses bens também não declarados ao TRE em 2020?
  4. Por que a campanha me mandou a declaração de imposto de renda de 2017 e não a declaração enviada ao TRE em agosto de 2018, indicando valores muito superiores ao de 2017?

As respostas serão incluídas no texto assim que enviadas.