Topo

RJ: MP apura se plano de poder de Bonde do Ecko motivou morte de candidato

Suspeito de elo com milícia, o candidato a vereador Domingos Barbosa Cabral foi morto em outubro - Reprodução
Suspeito de elo com milícia, o candidato a vereador Domingos Barbosa Cabral foi morto em outubro Imagem: Reprodução

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

01/11/2020 04h00

O MP-RJ (Ministério Público do Rio) investiga se um plano de poder da milícia motivou o assassinato de um candidato a vereador pelo DEM em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, faltando pouco mais de um mês para as eleições. Suspeito de integrar um grupo paramilitar, Domingos Barbosa Cabral estaria sendo visto como uma ameaça para a milícia conhecida como Bonde do Ecko, já que poderia se tornar mais poderoso, se eleito.

Ele faz parte de uma lista de 14 pessoas ligadas à política na baixada assassinadas do ano passado para cá —11 delas pretendiam concorrer ao cargo de vereador (veja abaixo). O último caso ocorreu na sexta (30), quando Renata Castro, cabo eleitoral da família Cozzolino em Magé, foi morta a tiros na porta de casa horas após registrar uma denúncia na Polícia Federal e dizer ter sido ameaçada por um rival político, em vídeo gravado no seu perfil no Facebook. "Eu não tenho medo de você", revelou.

selo milicia nas urnas - Medo e demência/UOL - Medo e demência/UOL
Imagem: Medo e demência/UOL

Capítulo 1 - Mais de dez 'candidatos das milícias' são investigados por proibir a presença de rivais em seus territórios e coagir eleitores

Capítulo 2 - Mesmo atrás das grades, bombeiro acusado de chefiar milícia e investigado por homicídio busca reeleição para vereador

Ilustração série Milícia nas Urnas - medo e demência/UOL - medo e demência/UOL
Imagem: medo e demência/UOL

Levantamento feito pelo UOL com base em dados da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, ONG que discute segurança pública na Baixada Fluminense, verificou ao menos sete homicídios de pessoas ligadas à política só neste ano na região —cinco vítimas eram candidatas ou pré-candidatas ao cargo de vereador nos seus municípios.

Dois deles ocorreram já em meio à campanha, em Nova Iguaçu (RJ). No dia 1º de outubro, Mauro Miranda da Rocha (PTC) foi morto a tiros quando estava em uma padaria. Domingos Barbosa Cabral acabou sendo assassinado em um bar na tarde de 10 de outubro.

Domingão, como era conhecido, estava sendo investigado por suspeita de ligação com a milícia do bairro Valverde, em Nova Iguaçu, chefiada segundo a polícia por seu irmão, o policial militar André Cabral.

Em julho, os dois foram detidos em uma operação de combate à atuação das milícias. Domingão foi preso em flagrante por porte ilegal de armas, mas acabou sendo liberado. Já André Cabral, acusado de envolvimento em crimes de extorsão e formação de quadrilha, continua preso preventivamente.

O grupo de André Cabral e do irmão morto é apontado pelas autoridades como uma "franquia" na Baixada Fluminense da antiga Liga da Justiça, hoje conhecida como "A Firma", uma das maiores organizações criminosas do país, que surgiu há cerca de 15 anos na zona oeste do Rio.

O UOL não localizou a defesa de Cabral para que ele se posicionasse sobre o caso.

Domingão se tornaria uma ameaça, diz MP

Informações obtidas pelo UOL apontam que André Cabral estava descontente com a parceria firmada com o grupo de Wellington da Silva Braga, o Ecko, um dos criminosos mais procurados do país, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Após a prisão e a apreensão do celular do PM, a Polícia Civil teve acesso a um áudio pelo WhatsApp em que ele usou um interlocutor para mandar recado a Ecko e pedir um repasse maior na arrecadação da milícia. O conteúdo foi anexado ao processo.

Segundo o MP-RJ, o áudio indica um possível racha no grupo. E, em meio a esse cenário, a candidatura de Domingão a vereador passou a ser vista como perigosa para os interesses de Ecko.

O crime organizado precisa de sustentação política. Se o Domingão vence as eleições, ele poderia oferecer um maior suporte para toda a atividade do grupo chefiado pelo seu irmão. Essa é uma das linhas de investigação

Elisa Ramos Pittaro Neves, promotora da 2ª Promotoria de Investigação Penal de Nova Iguaçu

Sob o domínio do medo

Pela primeira vez, a ONG Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial faz o monitoramento de crimes relacionados ao pleito. A entidade também oficiou o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) e o MP-RJ.

Não são só os assassinatos. Esses grupos acabam impedindo o direito do voto nesses territórios e são responsáveis por mortes centradas nas disputas internas. A milícia acaba exercendo um controle durante e depois das eleições. Se o candidato da milícia tiver poucos votos, pode ter certeza de que os moradores serão cobrados

Historiador Fransergio Goulart, coordenador da ONG

O pesquisador criticou o baixo índice de elucidação desses assassinatos, que contribuem para um cenário de impunidade. "A cada eleição, surgem novos grupos de pessoas assassinadas, que viram apenas números. Isso se agravou com a presença da milícia do Ecko na baixada, a mais visível e mais violenta nos territórios", avalia.

Uma moradora da Baixada Fluminense, que optou pelo anonimato, diz que a intimidação por parte da milícia contribui para esse cenário de impunidade, inibindo eventuais denúncias. Segundo ela, as pessoas que estavam na rua quando Domingão foi assassinado em Nova Iguaçu foram intimidadas.

"Quando ele foi morto, quem estava em volta falava, em tom de ameaça: 'Não fica aqui, não queira ser testemunha'. Foi uma correria, um desespero. Isso faz parte de uma disputa por território dentro das milícias, querendo cada vez mais poder político", disse.