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OPINIÃO

Debate UOL/Folha mostrou "Covas contra a rapa" e dobradinha Russo-França

Matheus Pichonelli

Colunista do UOL

11/11/2020 14h19

O debate UOL/Folha com os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas para prefeitura de São Paulo aponta para uma dupla disputa nesta reta final do primeiro turno.

A primeira é uma espécie de todos contra Bruno Covas (PSDB). Se até outro dia o candidato à reeleição era poupado de ataques, em razão inclusive do quadro de saúde enfrentado por ele antes da eleição, agora os opositores correm para conter uma possível definição do jogo já no domingo (15).

Para isso, miram no desgaste das gestões tucanas, na escolha de um encrencado Ricardo Nunes (MDB) como candidato a vice, na âncora representada pelo governador João Doria e no histórico de abandonos da prefeitura.

Durante boa parte do tempo, o debate ganhou caráter plebiscitário. Deixou de lado questões nacionais e se centrou em aspectos particulares da cidade, trazidos à baila principalmente no bloco das perguntas feitas por lideranças da sociedade civil. Foi o que forçou os postulantes a falarem sobre habitação, creche, enchentes, IPTU e até pernilongos.

Quando esses assuntos entram em debate, cabe ao prefeito responder por elas, o que traz um desgaste natural a quem disputa a reeleição. À frente nas pesquisas, com chances reais, embora improváveis, de vencer logo no primeiro turno, Covas deu a cara a tapa, mas não respondeu a todos os questionamentos. Deixou no ar, inclusive, a afirmação de Russomanno de que haverá lockdown logo ao fim da campanha.

O novo formato de debate, em que os candidatos tinham banco de minutos para perguntar e responder a questionamentos, permitiu que cada um priorizasse os temas que julgavam merecer ou não aprofundamento. Querendo ou não, era uma forma de mostrar também quais eram as prioridades dos postulantes — e, claro, a capacidade de gerenciar a própria "prova de fôlego".

O outro embate desenhado na disputa ficou por conta da tentativa de desconstrução de Guilherme Boulos (PSOL) — o segundo candidato nas pesquisas, em empate técnico com os demais.

A certa altura, Márcio França (PSB) e Celso Russomanno (Republicanos) ensaiaram uma dobradinha para ora atacar o tucano, ora o líder do MTST.

Como um político de velha cepa, França adotou um tom paternalista para falar ao jovem candidato do PSOL sobre a importância da experiência para gerir uma cidade como São Paulo. Chegou a elogiar o idealismo do rival e o comparou ao seu sonho de ser jogador do Santos na juventude.

Boulos defendeu a importância do sonho como elemento de mobilização política. Ouviu de Covas, que pegou o rebote da conversa, que era tênue a linha entre sonho e ilusão.

Boulos se saiu dizendo que França não era assim tão experiente como se vendia. Que em seu currículo tinha apenas um mandato-tampão no governo paulista e a gestão da prefeitura de São Vicente. Foi a brecha para ouvir outro sermão.

França defendeu a importância de sua antiga base eleitoral, e ouviu de Boulos algo como "nada contra São Vicente, já fui e tenho até amigos que moram lá".

O momento mais tenso, porém, foi quando Russomanno acusou o candidato do PSOL de pagar empresas fantasmas, sem endereço na sede informada, com dinheiro do fundo partidário. Ele ironizou o nome de uma delas: "Filmes de Vagabundo LDTA".

Boulos mostrou irritação, mas não soube responder de bate-pronto sobre os fornecedoras. Deu a deixa, assim, para que os rivais dissessem que se ele não sabia das contas da campanha não saberia também o que fazer com o orçamento da prefeitura.

(Nas redes, o estafe do candidato foi mais rápido, informou que as empresas atuam em esquema home office. Ao fim do debate, Boulos acusou Russomanno de divulgar fake news. Fica aqui o registro).

Antes do início do debate, os candidatos mostraram o quanto sentiam falta de debates do tipo ao longo da campanha.

O confronto chama a atenção dos eleitores que, a esta altura, querem saber como é a reação dos postulantes longe da zona de conforto da propaganda. Nem sempre debates apontam vencedores.

Covas, apesar do desgaste da exposição, jogou para empatar e conseguiu. Russomanno mostrou abatimento no começo, se enroscou todo para justificar o injustificável pedido de censura contra uma pesquisa Datafolha, mas deixou lá suas cascas de banana para os rivais — de quebra, ganhou a piscadela de França, uma espécie de "tamo junto" caso um dos dois desbanque os atuais líder e vice-líder das pesquisas.

Como, nesta reta final, a campanha ganhou caráter plebiscitário sobre as gestões tucanas na cidade, as rusgas abriram brechas para abordagens apenas de passagem das questões nacionais.

Mal avaliados e provavelmente fatais em uma disputa em que vence quem tem menos rejeição, os padrinhos políticos apareceram lateralmente nos embates, com a exceção de Doria, sempre citado pelos rivais de Covas.

Boulos não precisou gastar seu tempo respondendo perguntas do tipo "E o Lula?", "E o PT?".

Russomanno, por sua vez, não levou a campo a camisa 10 do time de Jair Bolsonaro, que tem visto sua rejeição aumentar na capital paulista. Ao menos dessa vez, não repetiu o negacionismo científico do aliado, não esnobou a vacina e a ciência nem precisou desenhar alguma ideia mais bem acabada sobre como a proximidade entre eles pode minimizar os efeitos da crise econômica que se anuncia.

Ressalto: com quatro homens na disputa, questões relacionadas a gênero e violência num país que até outro dia assistiu assombrado ao "julgamento" dentro do julgamento de uma mulher que acusa um empresário de estupro também foram tratados de forma lateral pelos candidatos.

A exceção foi Boulos, que fez questão de citar a vice, Luiza Erundina, em um episódio em que a então prefeita de São Paulo precisou tomar providências em um caso relacionado a violência doméstica na cidade.

Sem padrinho (a não ser que Ciro Gomes, do parceiro PDT, entre na conta e de cabeça na campanha até domingo), França, o falso 9 que pode cair em qualquer lado do campo, aproveitou a condição para lançar também as suas cascas de banana sem precisar responder por algum aliado desgastado.

Ninguém foi chamado de "farsante", "apalpador" ou ofensas do tipo já usadas em campanha, sobretudo nas redes, contra rivais. Diante das câmeras, os candidatos até que se comportaram, apesar dos tropeços na lógica e na veracidade dos fatos aqui e ali.

Nem parecia que viviam no país governado por um presidente que comemora atraso na produção de vacina, avacalha a comunidade científica e promete responder com pólvora as rusgas diplomáticas com a maior potência militar do Planeta.