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Nobel da Paz Aung San Suu Kyi é libertada em Mianmar

A líder de oposição acena para apoiadores, após ter sido libertada pela junta militar - AFP/Soe Than WI
A líder de oposição acena para apoiadores, após ter sido libertada pela junta militar Imagem: AFP/Soe Than WI

Andréia Martins

Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

13/11/2010 09h27

Depois de quase duas décadas vivendo em prisão domiciliar, a líder da oposição em Mianmar Aung Suu Kyi, símbolo da dissidência à junta militar, foi libertada neste sábado (13). A condenação de 18 meses de prisão domiciliar, que a vencedora do Nobel da Paz em 1991 encerra hoje, é a última de uma longa série de punições.

Aung Suu Kyi apareceu com um vestido lilás na porta de sua casa, onde três mil seguidores a aguardavam para celebrar sua libertação. O comparecimento público da ativista, de 65 anos, ocorre minutos depois de ter recebido a liberdade.

"Este é um tempo de calma e um tempo de diálogo. As pessoas devem trabalhar em harmonia. Só assim poderemos chegar ao nosso objetivo", afirmou Suu Kyi a uma multidão.

Suu Kyi ficou presa durante 15 dos últimos 21 anos e é vista pela população birmanesa como um símbolo da resistência democrática pacífica em Mianmar, país comandado por militares.

  • Manifestantes em frente à sede do LND, partido de Suu Kyi, nesta sexta

  • Casa de Suu Kyi em Yangun, onde ela foi mantida em prisão domiciliar

Durante os últimos dias, centenas de pessoas se reuniram em frente à residência da "Dama", como ela é chamada por seus partidários, na cidade de Yangun - a maior do país.

A sede do partido de Suu Kyi, a LND (Liga Nacional pela Democracia), também foi redecorada nesta sexta-feira (12) para recebê-la, e dezenas de pessoas já aguardavam desde sexta-feira (12) a visita da líder ao local.

O filho mais novo de Suu Kyi, Kim Aris, de 33 anos, que vive no Reino Unido e que não vê a mãe há 10 anos, obteve um visto das autoridades de Mianmar para revê-la.

O marido de Suu, o acadêmico britânico Michael Aris, faleceu em 1999, vítima de um câncer. Na ocasião, as autoridades de Mianmar autorizaram a visita da dissidente ao marido. Suu Kyi não aceitou por medo de ser impedida de voltar ao país.

O presidente americano Barack Obama comemorou a libertação da birmanesa neste sábado, a quem chamou de sua "heroína", ao mesmo tempo em que pediu ao regime militar no poder, em Yangun, a deixar livres todos os prisioneiros políticos.

O país é governado por generais desde 1962. Em 1990, a LND conseguiu uma esmagadora vitória nas urnas, mas o resultado não foi reconhecido e a repressão à oposição aumentou, com a prisão de Suu Kyi. Hoje, estima-se que o país tenha cerca de 2 mil presos políticos.

No último domingo, o partido optou por não disputar as eleições. O Partido da Solidariedade e do Desenvolvimento da União (USDP, sigla em inglês), ligado à junta militar que governa o país, alegou ter recebido 80% dos votos para as futuras assembleias nacionais e regionais.

As autoridades impediram qualquer acompanhamento por parte da imprensa internacional das eleições no país. Para analistas, a intenção do governo era manter Suu Kyi afastada do processo eleitoral.

Futuro

Com Suu Kyi libertada, líderes e a população tentam descobrir quais seriam as intenções da dissidente diante dos desafios que a esperam do outro lado do portão de sua casa. Ainda não se sabe, por exemplo, se ela questionaria os resultados do pleito do último domingo, ou mesmo se pretende reorganizar a dividida oposição.


"Ela não vai se transformar em uma rainha das causas humanitárias. Vai fazer política", afirma Maung Zarni, analista da London Schools of Economics.

"Se ela quiser lutar contra o novo governo, deverá acima de tudo garantir que os partidos de oposição se fortaleçam", estima Pavin Chachavalpongpun, do Instituto de Estudos sobre o Sudeste Asiático, baseado em Cingapura.

Além disso, Suu Kyi precisará criar um novo partido integrado por "novos e jovens políticos, para ter certeza de que sua mensagem será transformada em ação".

Suu encontrará um país diferente daquele que viu quando podia andar livremente pelas ruas. Apesar dos conflitos políticos serem frequentes, em sete anos, o país mudou.

Os cibercafés se multiplicaram, os jovens birmaneses agora passeiam conversando ao celular e a paisagem de Yangu se enche de edifícios cada vez mais altos. A dissidente, sem telefone ou acesso à internet há sete anos, já deu a entender seu desejo de "twittar" quando for libertada.

Vida política

Aung San Suu Kyi nasceu em 19 de junho de 1945, na capital da então colônia britânica, Rangum (cujo nome foi trocado pelos militares para Yangun). É filha de um dos heróis da independência em Mianmar, o general Aung San, assassinado durante o período de transição em julho de 1947, apenas seis meses antes da independência. Suu Kyi tinha apenas dois anos de idade.

Em 1960 ela foi morar na Índia com a sua mãe, Daw Khin Kyi, que foi nomeada embaixadora em Nova Déli. Quatro anos depois Suu Kyi foi para a Universidade de Oxford, no Reino Unido, onde estudou filosofia, política e economia e conheceu o futuro marido, Michael Aris.

De volta a Mianmar, em 1988, para cuidar de sua mãe que estava doente, Suu Kyi encontrou o país em plena reviravolta política e acabou liderando a revolta contra o general Ne Win. As manifestações foram brutalmente reprimidas pelo exército, que assumiu o poder em um golpe no dia 18 de setembro de 1988.

O governo militar convocou eleições nacionais em maio de 1990. O partido de Suu Kyi – LDN - venceu as eleições com larga vantagem, apesar de ela estar em prisão domiciliar e não estar autorizada a concorrer. Mas a junta militar não reconheceu a vitória.

Durante os primeiros anos de detenção, Suu Kyi esteve constantemente em confinamento solitário e nunca foi autorizada a ver seus dois filhos ou seu marido, que morreu de câncer em março de 1999.

Quando seu marido estava no leito de morte, as autoridades militares permitiram que ela viajasse para a Grã-Bretanha para vê-lo, mas ela recusou por medo de ser proibida de retornar ao país.

Cronologia do caso

1988Quando retornou ao país em 1988, Suu Kyi foi presa no ano seguinte, quando os líderes birmaneses decretaram lei marcial. Ela foi mantida em prisão domiciliar por seis anos, até julho de 1995
2000Proibida de sair de sua cidade, em setembro de 2000 ela voltou a ser presa quando tentou viajar para Mandalay, em Mianmar
2002Em maio de 2002, ela foi libertada incondicionalmente, mas ficou apenas um ano livre
2003O governo decide prender novamente Suu Kyi depois que a ativista se envolveu em confrontos entre ativistas da oposição e manifestantes pró-governo
2009Em maio de 2009, quando estava prestes a expirar sua sentença, a LND apelou ao governo para que soltasse Suu Kyi, alegando que ela sofria de pressão baixa e desidratação, mas o apelo foi rejeitado
2009Prestes a ser libertada, ela foi sentenciada a mais 18 meses de prisão domiciliar por violar os termos de sua sentença ao receber um americano que atravessou um lago a nado para chegar à sua casa e dizer-lhe que corria perigo

*Com Agências Internacionais