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Papel de energia nuclear é reavaliado depois de Fukushima

Nathan Myhrvold

29/12/2011 06h00

Após os acidentes na usina nuclear de Fukushima Daiichi no Japão, o papel da energia nuclear está novamente em um momento decisivo –o terceiro desde o nascimento do setor nos anos 50. Os pontos de vista a respeito de seu futuro são afetados pelo medo da destruição nuclear e pela necessidade de energia.

As lembranças de Hiroshima e da Guerra Fria, apesar de estarem desaparecendo, ainda causam ansiedade. O acidente em Fukushima também trouxe de volta a lembrança do desastre de Chernobyl, na era soviética.

A primeira lição do recente trauma do Japão, entretanto, é que um tsunami é perigoso para tudo que está em seu caminho, inclusive usinas nucleares.

Considere as crescentes necessidades de energia confiável, o fato de a energia nuclear ser provavelmente a forma mais segura de atender essas necessidades, e a verdade desafortunada de que as alternativas alimentadas por combustíveis fósseis emitem tanta poluição que aquece a Terra a ponto de representarem uma ameaça muito maior do que o pior cenário de acidente nuclear.

Um lógico não veria motivo para ambivalência, mas a maioria das pessoas não é lógica quando se trata de eventos assustadores. Esse é o motivo para as pessoas se preocuparem em morrer em um acidente aéreo enquanto vão de carro ao aeroporto, apesar de andar de carro ser de fato muito mais perigoso do que viajar de avião. 

Assim, enquanto países como Alemanha, Suíça e –em menor grau– o Japão estão se afastando da energia nuclear, muitas economias em rápido crescimento estão mantendo curso ou até mesmo acelerando seus planos para construção de novos reatores. Elas veem uma necessidade urgente de vastas quantidades de eletricidade e não veem forma mais limpa, segura e confiável de fazê-lo.

A primeira grande transformação na tecnologia nuclear foi das bombas atômicas para os geradores de eletricidade comerciais. Tanto o público quanto os políticos eram fascinados pela ideia de eletricidade que, como lhes foi dito, seria barata demais até para cobrar. A construção de usinas por todo o mundo –mais de 400 delas até 2010– demonstrou que a energia nuclear é de fato uma forma útil de gerar energia. Apesar da promessa exuberante de energia quase gratuita nunca ter se concretizado, a tecnologia basicamente funcionou como anunciada. Os reatores eram confiáveis e seguros. 

Apesar do histórico de segurança impecável da energia nuclear, o medo de vazamentos e fusão do reator cresceu durante o final dos anos 60, à medida que o movimento ambiental amadureceu e conquistou importantes marcos políticos, como a aprovação nos Estados Unidos da Lei do Ar Limpo, em 1970. Após limparem a atmosfera e as águas públicas, muitos ambientalistas voltaram sua atenção para a eliminação da energia nuclear. Isso abriu o caminho para a segunda grande transformação –o repúdio à energia nuclear.

Essa transição ganhou força com dois eventos em 1979: o lançamento de "A Síndrome da China", um filme de ficção estrelado por Jane Fonda, e o acidente na usina nuclear de Three Mile Island na Pensilvânia, no leste dos Estados Unidos.

O apoio público à energia nuclear despencou e o setor se viu enfrentando fortes ventos contrários, incluindo uma recessão prolongada e o colapso nos preços do gás natural. Os obstáculos financeiros podem ter tido um impacto maior sobre o setor do que o acidente. 

Os temores e dúvidas nucleares superaram a necessidade percebida. O Sierra Club e outras organizações ambientais fizeram lobby por usinas elétricas seguras e "limpas" –frequentemente usinas a carvão. Na época, a lógica devia parecer sólida. As usinas nucleares podiam, sob um conjunto improvável, mas não impossível, de circunstâncias, causar um desastre ambiental de grande escala. O desastre de 1986 em Chernobyl foi um exemplo. 

Por que correr o risco? Que dano semelhante a queima de carvão poderia causar? 

Um bocado. Como sabemos, as usinas elétricas a carvão emitem quantidades enormes de dióxido de carbono –o principal gás do efeito estufa, que está mudando o clima do planeta. As usinas nucleares não causam isso. Atualmente, os ativistas ambientais apontam para cenários plausíveis nos quais o aquecimento global desenfreado causa muito mais dano ao planeta do que se toda usina nuclear no planeta sofresse uma fusão do reator. No caso mais extremo, James Hansen, chefe do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, oferece a "síndrome de Vênus": com a aceleração do aquecimento, os oceanos evaporam mais rapidamente, colocando mais vapor de água na atmosfera. O vapor de água é um gás muito poderoso do efeito estufa, de modo que um ciclo vicioso poderia se instalar até "o oceano ferver na atmosfera e a vida ser extinta".

Agora o mundo está concentrado no risco do aquecimento global e na necessidade de tecnologias que possam fornecer grande quantidade de energia o dia todo, todos os dias, sem emissão de CO2. As usinas nucleares são a única tecnologia comprovada que se enquadra nessas características, porque podem fornecer 90% de sua capacidade nominal. Isso significa que um reator de 1.000 megawatts fornece 900 megawatts para a rede, em média, ao longo de uma década. Em comparação, as vicissitudes da luz solar e dos ventos fazem com que, ao longo do mesmo período, uma usina solar forneça menos de 20% de sua capacidade nominal, e uma fazenda eólica gere menos de 30% de seu potencial. Sem nenhuma boa tecnologia disponível para armazenar grandes quantidades de energia, as companhias elétricas devem usar geradores elétricos básicos (nucleares, a gás ou a carvão) como apoio para cada usina solar e eólica. 

A necessidade de energia com baixa emissão é particularmente aguda em economias emergentes como a Índia e a China. As estimativas com base nos números da Agência Internacional de Energia mostram que enquanto um americano típico consome o equivalente em todas as formas de energia a cerca de 6.700 watts, em média ao longo de um ano, um cidadão francês consome cerca de 3.500 watts, um morador típico da China consome cerca de 1.400 watts e alguém na África consome meros 650 watts, aproximadamente. 

O uso na China, Oriente Médio e África está crescendo –e até o momento isso tem sido bom. Nas partes mais pobres do mundo, a eletricidade está removendo fontes sujas de luz e aquecimento, como carvão caseiro ou fogueiras a lenha, que adoecem e matam centenas de milhares por ano com sua fuligem. 

O problema de energia do século 21 é dar a cada cidadão do planeta energia suficiente para sustentar um padrão de vida moderno –um feito que provavelmente significa quadruplicar o produto das usinas elétricas de todo o mundo. Avanços em eficiência poderiam, em princípio, reduzir um pouco esse número. Mas provavelmente outros fatores o aumentarão. Hoje, por exemplo, apenas cerca de 1.500 watts de toda energia utilizada por um americano típico vem na forma de eletricidade. Mas se continuarmos usando mais eletricidade para mover carros, trens e outros veículos, a demanda por energia elétrica provavelmente aumentaria mais sete vezes. 

De onde viria toda essa eletricidade? 

Nós chamamos as ondas induzidas por terremoto de tsunami –uma palavra japonesa– porque elas atingem o Japão com certa regularidade há milênios. Viver perto da costa no Japão é maravilhoso de vários modos, mas há o risco inevitável de inundação. Apesar das pessoas no Japão compreenderem esse risco, seus engenheiros e planejadores tomaram algumas decisões trágicas. Escolas, hospitais, casas –e até mesmo usinas nucleares– foram construídos onde um tsunami poderia atingi-los.

Os reatores de Fukushima Daiichi, que foram projetados na era da régua de cálculo e são bem menos seguros do que os reatores modernos, faziam parte de uma usina criada para suportar um tsunami de 5,7 metros. O Japão foi atingido por um tsunami de 29 metros em 1933. 

Quando as ondas do tsunami de março, que teriam ultrapassado 14 metros em Fukushima, varreram a usina e desativaram os sistemas de refrigeração do reator, as reações dos operadores e autoridades aumentaram os estragos. O acidente em Fukushima nos ensina que usinas nucleares –assim como hospitais, escolas e outras estruturas que são difíceis de evacuar em segurança– não devem ser construídas onde há risco de tsunamis atingi-las. 

Os alemães aparentemente viram uma lição diferente. Apesar da Alemanha não ser propensa a tsunamis, o governo alemão decidiu neste ano desativar imediatamente sete reatores e desativar os demais até 2022. Não está claro se esta política será mantida; o país já decidiu uma vez se livrar da energia nuclear, há cerca de uma década, mas a desativação gradual planejada nunca ocorreu. 

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Nem está claro como o país cumprirá seus compromissos de reduzir as emissões nacionais de CO2 se desativar todos seus reatores. Os alemães subsidiaram fortemente a energia solar e também fizeram uma grande aposta na energia eólica, ambas contando com o apoio, em causa de falta de sol ou vento, por eletricidade importada de energias nucleares na França, Polônia e Rússia. É justo se considerar livre de energia nuclear quando, na prática, há uma terceirização das usinas? 

A Alemanha é um país próspero e talvez seus contribuintes possam arcar com os custos financeiros do subsídio à energia solar, do resgate à Grécia, da desativação das usinas nucleares e outros hobbies duvidosos. Mas dinheiro é apenas uma das coisas em risco aqui. Se a Alemanha de fato abandonar a energia nuclear, suas emissões de CO2 inevitavelmente serão maiores do que seriam caso contrário. E isso prejudicará o meio ambiente em toda parte. Uma esperança é que, na terra de Fausto, os alemães entendam a relevância de que a barganha feita por ele tem sobre suas escolhas atuais.

 O futuro da energia nuclear depende de como conciliaremos nossos temores com nossas necessidades. Para os alemães, a emissão de CO2 parece ser o mal menor, ao menos por ora. 

Mas nos últimos meses, Brasil, África do Sul e Arábia Saudita anunciaram planos de seguir em frente com a construção de novas usinas nucleares –16 delas, no caso da Arábia Saudita. Nesses países e na Índia, China e em outras partes do mundo onde os reatores nucleares deverão ser construídos às dezenas, o cálculo complexo de risco pode dar um resultado diferente.

* Nathan Myhrvold, ex-estrategista-chefe e diretor de tecnologia da Microsoft, fundou a Intellectual Ventures, uma empresa de capital de risco e incubadora de ideias que inclui tecnologia nuclear em seu portfólio.